ERA UMA VEZ NA PRAIA DA MACUMBA…

Praia da Macumba

Há alguns anos atrás, eu passei o réveillon na casa de familiares em Niterói e tive, assim, a oportunidade de conhecer melhor o “lado de lá” da Baía de Guanabara. Durante a estadia na cidade, entre vários passeios, visitei uma exposição sobre os deuses da Grécia Antiga no belíssimo Museu de Arte Contemporânea de Niterói. A maravilhosa exposição apresentava esculturas e objetos originais ligados ao extenso panteão das divindades gregas. Curiosamente, ao final da mostra, os organizadores montaram uma segunda exposição, apresentando o panteão das divindades das religiões de origem africana como a Umbanda e o Candomblé. Um grande painel se destacava na exposição: ele mostrava que todas as divindades gregas tinham uma divindade equivalente no panteão dos deuses africanos – Poseidon, o deus dos mares dos gregos, corresponde à Iemanjá, a rainha dos mares dos africanos. Simplesmente, incrível!

Uma das peculiaridades do culto a Iemanjá são as oferendas dadas à divindade pelos seus seguidores, que são lançadas ao mar durante cerimônias religiosas. Mesmo com todas as garantias de liberdade de religião e de locais de culto, claramente expressas em nossa Constituição Federal, os inevitáveis resíduos que muitas dessas oferendas deixam nas praias geram críticas de muita gente. Para minimizar esses conflitos de “vizinhança”, muitos adeptos das religiões afro-brasileiras, já há muito tempo, buscavam realizar seus cultos em praias mais isoladas, para assim evitar possíveis conflitos. No Rio de Janeiro, um dos locais escolhidos no passado para a prática destes cultos foi a isolada Praia do Pontal de Sernambetiba, no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste da cidade; com o passar dos anos, este local passou a ser conhecido simplesmente como a Praia da Macumba.

Em décadas mais recentes, a antiga praia isolada foi transformado em um novo bairro da cidade: casas e condomínios mudaram a antiga paisagem e a região passou a receber uma série de intervenções urbanas, como calçadão e ciclovia. Diferente de outras praias badaladas do Rio de Janeiro, a Praia da Macumba manteve uma reputação de tranquilidade e atraindo frequentadores com um perfil mais “família”. Tudo parecia bem até que, de uns tempos para cá, a maior parte da faixa de areia de um trecho da praia simplesmente desapareceu e, desde o último mês de setembro, o mar começou a avançar perigosamente contra o calçadão, ameaçando a integridade de casas e construções próximas. O mesmo fenômeno também tem assolado as praias da Brisa, do Cardo e da Dona Luísa, estas na região da Baía de Sepetiba, há pelo menos dois anos.

Diferentemente do que está ocorrendo em parte da orla de Santos, onde estudos científicos confirmam que está ocorrendo uma elevação gradual do nível do mar, o avanço do mar contra a Praia da Macumba tem uma série de ingredientes que sugerem que as atividades humanas na região (que nós ambientalistas costumamos chamar de antrópicas) estão entre as principais responsáveis pelo “fenômeno”. A Prefeitura do Rio de Janeiro realizou uma série de intervenções urbanísticas na região – o chamado Projeto Eco-Orla, que teve parte das obras executadas na faixa de areia, uma região chamada de “zona dinâmica da praia” pelos oceanógrafos. Parte da areia dessa zona é retirada pelas ondas nos momentos de ressaca, principalmente nas épocas de outono e inverno, sendo repostas nas épocas de primavera e verão. De acordo com análises de especialistas do Departamento de Engenharia Costeira da COPPE – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, ligado à UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, a interferência da obra no movimento das marés resultou no deslocamento de 600 mil metros cúbicos de areia, o que fez a faixa de areia da praia desaparecer. Como a direção das ondas nos últimos meses tem sido no sentido Recreio dos Bandeirantes-Canal de Sernambetiba, o fenômeno ondulatório contra a mureta da orla foi acentuado, o que resultou na destruição de cerca de 600 metros do calçamento da Praia da Macumba.

O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro questionou a realização da obra sem a devida licença ambiental já em 2013. Em 2015, a Prefeitura do Rio de Janeiro foi condenada pela Justiça Federal a recuperar a orla da Praia da Macumba e do Pontal, tendo de apresentar um projeto completo para a recomposição de todos os danos e também a revegetar as antigas áreas de restinga, um tipo de vegetação ameaçada de extinção e de preservação permanente. A Prefeitura recorreu da sentença e nenhuma providência foi tomada. Nos anos de 2004 e de 2008, erosões semelhantes, mas de menor intensidade, já haviam causado uma série de danos no calçadão da Praia da Macumba – a natureza já chamava a atenção da população para a catástrofe vindoura; infelizmente, parece que pouca gente prestou atenção aos avisos…

No ano 2000, a COPPE já havia apresentado ao Prefeito do Rio de Janeiro um projeto que previa a construção de um quebra-mar na Praia da Macumba, justamente para evitar o deslocamento de areia, que já acontecia naquela época, e que protegeria a área da força dos ventos e das marés. Nem é preciso comentar que a Prefeitura não prestou muita atenção ao projeto e, ao contrário, realizou obras que aceleraram a erosão da orla. Quase duas décadas depois, com o mar literalmente demolindo o calçadão da Praia da Macumba, a Prefeitura recebeu uma nova cópia da antiga proposta feita pela COPPE e prometeu avaliar o projeto com muito cuidado.

A foto que ilustra este post mostra o resultado do embate das ondas contra o calçadão da Praia da Macumba – a imagem lembra zonas de guerra que sofreram bombardeio aéreo. Agora, tentem imaginar quanto vai custar aos cofres públicos a recuperação de toda a infraestrutura do calçadão e da avenida, além da faixa de areia, tudo fruto desta obra desastrada da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Nas praias da Baía de Sepetiba, os problemas são semelhantes, mas parecem estar ligados a uma visível elevação do nível do mar. Em dias de maré mais alta, a água avança até as ruas, alagando quiosques e casas – segundo o relato de moradores, três casas desmoronaram após o início deste avanço do mar há dois anos. Grandes faixas do calçadão das praias também sucumbiram ao avanço do mar. Moradores mais antigos da região afirmam que a faixa de areia da praia avançava 100 metros mar a dentro e era muito frequentada por moradores locais e por turistas. Com a progressiva redução da faixa de areia, os turistas simplesmente desapareceram, aumentando ainda mais o drama dos moradores locais, que tinham no turismo uma de suas principais fontes de renda. Em dias de vento intenso, as ondas formadas atingem com força a falésia do Morro do Recôncavo – os desmoronamentos resultantes têm lançado grandes volume de sedimentos no mar. Na Praia da Dona Luísa, uma das mais afetadas, as antigas e finas areias brancas agora estão tomadas por pedras.

Resumo do post: até que surjam projetos de recuperação viáveis, são quatro praias a menos na orla da Cidade Maravilhosa.

 

O AVANÇO DO MAR NA PONTA DA PRAIA EM SANTOS

Ponta da Praia - Sérgio Furtado

A alguns dias atrás eu publiquei uma postagem falando das fortíssimas chuvas que caíram sobre a cidade de Florianópolis e em grande parte do litoral de Santa Catarina, evento climático que acabou por provocar enchentes em várias partes das cidades e que estragou o início da temporada de Verão de muita gente. Na mesma postagem, eu comentei rapidamente acerca de um outro problema que já vinha tirando o sono de muitos empresários e comerciantes catarinenses: trechos de areia de praias famosas estão desaparecendo na Ilha de Santa Catarina e o mar está avançando com força contra os calçadões e muitas construções, algumas delas irresponsavelmente construídas na faixa de domínio das praias.

Longe de ser um fenômeno isolado, o mar está avançando com força contra diferentes trechos do litoral do Brasil e de outros países. Além de Florianópolis, vou destacar a região da Ponta da Praia em Santos, litoral de São Paulo, e a Praia da Macumba, que fica bem próxima da Baía de Sepetiba, na cidade do Rio de Janeiro.

Pesquisadores científicos, como regra geral, são muito cautelosos em apresentar suas conclusões sobre problemas em que estejam trabalhando – muita gente está envolvida em pesquisas sobre a origem destes fenômenos marinhos, mas são poucos os que arriscam a falar sobre o assunto: enquanto não existirem boas provas científicas para confirmar as suas conclusões, melhor ficar calado. No caso da Ponta da Praia, já existem algumas conclusões de um estudo internacional, o que permite que falemos do assunto com um pouco mais de certeza: o litoral de Santos já está exposto a tempestades, erosão e intrusão de água salgada.

O projeto de pesquisa ao qual nos referimos foi batizado de Metrópole e está avaliando fenômenos climáticos derivados dos efeitos do aquecimento global e aferindo quais serão os seus impactos ambientais. Os estudos estão sendo feitos na cidade Broward, nos Estados Unidos, e em Selsey, na Inglaterra. A cidade de Santos foi incluída na pesquisas por possuir uma grande base de dados sobre o tema, inclusive com registros fotográficos do avanço do mar ao longo dos anos. O Projeto Metrópole é uma iniciativa internacional com a participação de pesquisadores brasileiros, norte-americanos e ingleses, que vêm desenvolvendo estudos desde 2013 sobre adaptação às mudanças climáticas em áreas costeiras, inclusive contando com apoio da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Os estudos aqui no Brasil estão sendo feitos em dois setores da cidade de Santos, considerados “contrastantes” pelos pesquisadores: a Zona Noroeste, uma área de manguezais ocupada por palafitas e sujeita a inundações frequentes, que inclusive criam diversos problemas para a entrada de veículos na cidade; a outra região é Zona Sudeste da cidade, num trecho que vai do Bairro do Gonzaga até a Ponta da Praia.

De acordo com as conclusões de alguns trabalhos já finalizados, o nível médio do mar em Santos, quando comparado ao nível médio da década de 2000, deverá ficar até 18 centímetros mais alto em 2025; no ano de 2050, a elevação do nível do mar na cidade poderá chegar até 35 centímetros. Além da visível elevação do nível do mar, a região da Ponta da Praia também sofre há vários anos com fortíssimas ressacas – a faixa de areia neste trecho da orla desapareceu já a um bom tempo. A foto que ilustra este post deixa isto bem claro – uma faixa de pedras foi alinhada junto à antiga mureta da praia para reduzir a força de impacto das ondas. Ressacas recentes causaram enormes transtornos e alagamentos na região, inundando as garagens subterrâneas de vários edifícios da orla e lançando dezenas de toneladas de areia nas calçadas e vias do bairro.

Para complicar o diagnóstico das prováveis causas deste aumento do nível do mar, o canal de navegação do Porto de Santos, bem próximo da Ponta da Praia, recebeu uma série de obras de dragagem e aprofundamento nos últimos anos. Alguns pesquisadores especulam que essa dragagem pode ter alterado a força de correntes marinhas locais e produzido mudanças na dinâmica das ondas que atingem a Ponta da Praia. Pode até ser possível que uma combinação do aumento do nível do mar já observado com as obras de dragagem do Canal estejam na raiz das fortes ressacas que assolam frequentemente a região. Somente com a finalização de todos os estudos locais e mundiais, onde simulações com modelos matemáticos são processadas em supercomputadores para avaliar as possíveis alterações climáticas resultantes do aquecimento global, é que saberemos com mais certeza (certeza absoluta é muito difícil nestes casos) o que está acontecendo.

Localizada a apenas 70 km de São Paulo e com uma população na casa dos 420 mil habitantes, Santos é considerada uma das melhores grandes cidades brasileiras para se viver e um dos maiores destinos turísticos do país. Apesar de não ser muito conhecida pelos turistas de fora do Estado de São Paulo, a “provinciana” Santos recebe muito mais visitantes que muitas cidades litorâneas famosas do Nordeste. Cidades vizinhas como São Vicente e Praia Grande não ficam para trás – aliás, dados divulgados pelo Ministério do Turismo revelaram que a Praia Grande foi o 4° destino turístico de Verão mais visitado do Brasil em 2017.

Visando atenuar os problemas de erosão na Ponta da Praia, a Prefeitura de Santos iniciou no último dia 11 de janeiro os trabalhos de implantação de uma barreira com geobags de areia. A barreira terá 500 metros de extensão e 49 geobags, estruturas construídas com um tecido especial e com capacidade para armazenar 7 mil metros cúbicos de areia. Com o apoio de uma draga, mergulhadores especializados iniciaram a instalação das estacas de fixação destes geobags. Os idealizadores do projeto esperam que a barreira consiga reduzir a força das ondas no local e permita a recuperação gradual da faixa de areia.

Diante de um quadro de mudanças climáticas com consequências imprevisíveis a longo prazo, este esforço da Prefeitura de Santos pode até parecer paliativo – mas ficar de braços cruzados esperando para ver o que vai acontecer é bem pior…

Vamos continuar neste assunto no nosso próximo post.

A POLUIÇÃO QUE ESTÁ DESTRUINDO A BAÍA DE SEPETIBA

Baía de Sepetiba

Na minha última postagem falei da visível melhoria na qualidade das águas de algumas praias da Ilha do Governador, bairro insular da cidade do Rio de Janeiro cercado pelas águas poluídas da Baía da Guanabara. Símbolo do descaso e da má gestão ambiental, a maravilhosa Baía da Guanabara agoniza a olhos vistos há várias décadas, diante da perplexidade das populações que habitam nas diversas cidades do seu entorno e da incompetência das autoridades estaduais, que já deveriam ter solucionado ou, pelo menos, minimizado este problema. Autoridades dos Governos do Estado e da Cidade do Rio de Janeiro, só para relembrar, haviam assinado termos de compromissos para solucionar os problemas até a véspera dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016 – o evento internacional já entrou para a história, mas os problemas continuaram. Infelizmente, os gravíssimos problemas de poluição na Baía da Guanabara não são um caso isolado – na mesma região Metropolitana do Rio de Janeiro existe uma outra baía maravilhosa que, desgraçadamente, sofre dos mesmos males: a Baía de Sepetiba.

A Baía de Sepetiba tem aproximadamente 305 km², algo equivalente a ¾ da Baía da Guanabara. Suas águas salobras e salgadas são delimitadas por diferentes formações geológicas: a Serra do Mar ao Norte, a Baixada Fluminense a Nordeste, o Maciço da Pedra Branca a Sudeste e a Restinga de Marambaia ao Sul, abrangendo um total de 12 municípios fluminenses. As águas protegidas e tranquilas da Baía de Sepetiba foram, ao longo de milhares anos, uma espécie de refúgio para a vida marinha, especialmente para os botos-cinza: esta Baía costumava abrigar a maior concentração de indivíduos da espécie de todo o mundo.

A flexão do verbo costumar que eu usei (3ª pessoa do singular do Pretérito Imperfeito do Indicativo) foi proposital: a intensa poluição das águas da Baía de Sepetiba está, literalmente, dizimando a população local de botos-cinza e mostrando ao mundo a triste sina de mais uma das baías do Estado do Rio de Janeiro. Além dos botos, as populações de um sem número de espécies marinhas como peixes e crustáceos estão se reduzindo e desaparecendo. Espécies que eram muitos comuns nas águas da Baía de Sepetiba como cavalas, sororocas, cações, camarões e mariscos, estão ficando cada vez mais raras – a diversidade de espécies nestas águas está cada vez menor. Os cerca de oito mil pescadores registrados na Associação dos Pescadores Artesanais, que vivem e/ou trabalham na região, penam cada vez mais para retirar seu sustento das águas – muitos deles acabaram transformando seus antigos barcos de pesca em embarcações adaptadas para o transporte de turistas: a belíssima paisagem do entorno ainda permite alguns ganhos.

Uma parte importante dos problemas ambientais da Baía de Sepetiba está ligada ao despejo de grandes volumes de esgotos domésticos in natura. O famoso e poluído Rio Guandu, responsável pelo fornecimento de 80% da água consumida pela cidade do Rio de Janeiro, tem sua foz na Baía de Sepetiba. Calcula-se que a bacia hidrográfica do Rio Guandu receba aproximadamente 4 bilhões de litros de esgotos todos os dias, a maior parte despejada sem qualquer tipo de tratamento por cidades da Baixada Fluminense, sendo que uma grande parte destes poluentes acaba carreada até as águas da Baía. Outras cidades da região do entorno também dão sua contribuição e despejam seus próprios esgotos em córregos e rios com deságue na Baía de Sepetiba.

O esgoto doméstico, porém, não é a única fonte de problemas – existem mais de 450 instalações potencialmente poluidoras na região de entorno, incluindo indústrias, portos, siderúrgicas, aterros sanitários, entre outras, que geram diariamente grandes volumes de esgotos industriais com altos níveis de contaminação por metais pesados como cádmio, zinco e chumbo. Estimativas de pesquisadores da UFF – Universidade Federal Fluminense, indicam que existem concentrações de até 8 mg/kg de cádmio nas águas da Baía de Sepetiba – em condições naturais, está concentração não passaria de 0,2 mg/kg; outro grave problema são os níveis de zinco, estimados em valores entre quatrocentas e oitocentas vezes acima do nível máximo recomendado por organizações ambientais internacionais.

A prática em gestão ambiental demonstra que quando um problema de poluição envolve diversas cidades, a solução é bastante complicada: haverá sempre a tendência de uma cidade afirmar que as outras são as responsáveis pelos problemas e pelos custos para a resolução da questão (o famoso empurra-empurra que todos conhecemos). Numa situação como a da Baía de Sepetiba, da mesma forma que na Baía da Guanabara, caberia às autoridades do Governo do Estado do Rio de Janeiro o comando das ações para o controle das fontes poluidoras e a implantação de medidas para a gradual recuperação da qualidade ambiental das suas águas. Sem nos prendermos ao atual caos administrativo que tomou conta do Governo Estadual (inclusive com a prisão de ex-governadores e diversas autoridades, crise fiscal sem precedentes e fuga de investimentos), vou citar um único exemplo da falta de responsabilidade na gestão ambiental: a implantação do aterro sanitário de Seropédica.

Em operação desde 2011, o aterro sanitário de Seropédica foi construído com o objetivo de substituir o “quase lendário” lixão do Jardim Gramacho, desativado pelas autoridades ambientais como parte do PRBG – Programa de Recuperação da Baía da Guanabara. O aterro sanitário de Seropédica passou então a receber 10 milhões de toneladas diárias de resíduos sólidos gerados pelas cidades de Seropédica, Itaguaí e Rio de Janeiro. Em tese, não haveria qualquer problema em fechar um lixão irregular e passar a utilizar um aterro controlado – aliás, esse é um dos objetivos principais da PNRS – Política Nacional de Resíduos Sólidos. Um dos grandes problemas do empreendimento é que o terreno de 2 milhões de m² escolhido para a implantação do aterro fica sobre o aquífero Piranema, uma reserva estratégica de água que poderá ser fundamental para o abastecimento futuro da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Um outro gravíssimo problema, já flagrado diversas vezes, são os lançamentos clandestinos de chorume (líquido resultante da decomposição de resíduos orgânicos) gerados no aterro nas águas da Baía de Sepetiba. As “otoridades” transferiram (para falar o mínimo) o problema de uma Baía, a da Guanabara, para outra, a de Sepetiba.

E assim, mais um maravilhoso cartão postal do litoral brasileiro está a um passo do desastre completo ou, como dizemos aqui no meu bairro, a Baía de Sepetiba está “indo para o vinagre”.

Lamentável!

AS PRAIAS BALNEÁVEIS DA ILHA DO GOVERNADOR

Praia Ilha do Governador - Agência O Globo - Marcelo de Jesus

Vamos esquecer temporariamente os imensos problemas de poluição das praias brasileiras e as terríveis enchentes em Santa Catarina e começar a nova semana com uma ótima e, por que não dizer, improvável notícia: análises laboratoriais feitas em amostras de água coletadas nas praias da Ilha do Governador, o grande bairro insular da cidade do Rio de Janeiro e que se encontra incrustrado na sofrida Baía da Guanabara, apresentaram bons índices de balneabilidade ao longo de 2017.

Somente para relembrar, a Baía da Guanabara é um símbolo do descaso ambiental com as águas aqui em nosso país e foi manchete em todo o mundo nos meses que antecederam as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016 – local escolhido para a realização das provas olímpicas de iatismo, a Baía ainda apresentava altos índices de contaminação por despejos de lixo e esgotos, o que causou muita apreensão entre atletas e dirigentes esportivos. O ambicioso PDBG – Programa de Despoluição da Baía da Guanabara, apresentado pelas autoridades do Estado e da Cidade do Rio de Janeiro ao COI – Comitê Olímpico Internacional, junto com a proposta de candidatura da cidade para sediar a Olimpíada, ficou muito longe de ser finalizado, apesar de ter recebido investimentos de R$ 2,5 bilhões.

Na época dos jogos, redes de contenção foram instaladas em uma infinidade de estuários de córregos e rios para, ao menos, reter  os grandes volumes de lixo flutuante que chegam diariamente na Baía de Guanabara. Ao mesmo tempo, uma verdadeira frota de barcos passou a “pescar” lixo flutuante nas águas – tudo para garantir que as provas náuticas saíssem bem nas “fotos” e nas transmissões de TV; em relação aos altos índices de esgotos presentes nas águas, muita pouca coisa poderia ser feita em tempo hábil (e que deixaram de ser feitas nos muitos anos que antecederam os jogos).

Na Praia da Bica (vide foto), uma das mais populares da Ilha do Governador, foram encontrados os melhores índices de balneabilidade dos últimos dez anos. De um total de 13 relatórios de qualidade ambiental das águas divulgados pelo INEA – Instituto Estadual do Meio Ambiente, o resultado em 11 foram positivos. Para efeito de comparação, em 2016 não foi divulgado nenhum relatório com classificação positiva; em 2015, a praia apresentou boas condições de balneabilidade em apenas 2 dos 14 boletins divulgados.

A definição clássica de ilha, que tenho certeza que todos conhecem, informa que é “uma porção de terra cercada de água por todos os lados”. No caso da Ilha do Governador, precisamos fazer uma pequena alteração no enunciado: “extensão de terra cercada pelas águas altamente poluídas da Baía de Guanabara por todos os lados”. A Baía da Guanabara ocupa uma área com aproximadamente 400 km² e acumula um volume de água com cerca de 3 bilhões de m³. A área de influência direta é bem maior e ocupa algo em torno de 4.000 km², onde estão incluídos os maciços e as colinas da Serra do Mar, a Baixada Fluminense, extensas áreas de manguezais e uma rede hidrográfica com aproximadamente 50 rios e córregos que despejam, em média, 200 mil litros de água por segundo na Baía da Guanabara, grande parte contaminada por esgotos e lixo.

Essa grande região incorpora um total de 16 municípios, sendo que 10 estão totalmente inseridos na bacia hidrográfica (Duque de Caxias, Mesquita, São João de Meriti, Belford Roxo, Nilópolis, São Gonçalo, Magé, Guapimirim, Itaboraí e Tanguá) e 6 de forma parcial (Rio de Janeiro, Niterói, Nova Iguaçu, Cachoeiras de Macacu, Rio Bonito e Petrópolis). Nesta região vive 80% da população do Estado do Rio de Janeiro, estimada em 17 milhões de habitantes de acordo com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. De acordo com algumas estimativas de entidades ambientais, a Baía de Guanabara recebe um volume de 10 mil litros de esgotos a cada segundo.

Com uma área de aproximadamente 40 km² e contando com uma população superior a 210 mil habitantes, a Ilha do Governador cresceu com seus próprios problemas de infraestrutura, despejando seus esgotos em cursos d’água, valas e galerias de águas pluviais, onde o destino final, como não poderia ser diferente, eram as águas e praias da Baía da Guanabara. Caminhando pelas praias da Ilha, era muito comum se encontrar as chamadas “línguas negras”, cursos de águas poluídas que deixam um rastro escuro na areia.

Apesar dos problemas de saneamento básico na Ilha do Governador estarem muito longe de uma solução definitiva, a realização de uma única obra na região da Praia da Bica  fez toda a diferença: a construção de uma galeria de interceptação ou tronco coletor de águas pluviais e esgotos. Esse dispositivo passou a interceptar todas as águas e efluentes que corriam em direção à praia, evitando uma poluição ainda maior das águas da Baía da Guanabara naquele ponto. Pelo menos seis “línguas negras” da Praia da Bica deixaram de existir e os resultados dos testes de qualidade ambiental das águas estão aí para comprovar um renascimento deste trecho da Baía da Guanabara. A natureza também dá a sua contribuição – as correntes oceânicas que entram na Baía da Guanabara promovem uma renovação completa das águas a cada duas semanas – é só parar de uma vez por todas com os lançamentos de esgotos e de lixo, que as águas de todas as praias voltarão a ficar balneáveis em pouco tempo.

Esse tipo de notícia pode não ter qualquer relevância ou significado para muitos moradores da orla oceânica da Zona Sul do Rio de Janeiro, que vivem a poucos passos de praias famosas como Copacabana, Ipanema, Leblon, São Conrado, ou ainda da região da Barra. Para os moradores da Ilha do Governador, particularmente, e de bairros dos subúrbios, essa notícia é muito importante: essas populações não têm um acesso tão fácil assim até estas belas e famosas praias da cidade – para um bom banho de mar, é preciso, em muitos casos, recorrer a uma longa e exaustiva jornada em trens, ônibus e lotações.

Moradores da maior parte da cidade de São Paulo, que fica a 70 km do litoral, conseguem chegar mais rápido e confortavelmente à praia (neste caso, estou falando da cidade de Santos) do que muitos cariocas moradores dos bairros mais distantes nos subúrbios. Grande parte dessa população tem uma área de lazer bem mais acessível nas lajes de suas casas, seja para realização dos churrascos seja para os banhos de mangueira e de sol.  A “galera” da Ilha do Governador e arredores, com razão, tem muito a comemorar.

Que continue assim e que uma das mais belas baías do mundo, a da Guanabara, continue a ver a vida voltando a ocupar todos os espaços que foram perdidos ao longo de muitos séculos de “civilização”.

“O ACÚMULO DE LENÇOS UMEDECIDOS AMEAÇA ENTUPIR NOVA YORK”

Lenços umedecidos em Nova York

Estamos caminhando a passos largos para encerrar a segunda década do século XXI convivendo com problemas elementares de saneamento básico aqui em nosso país – as violentas enchentes que estão assolando a cidade de Florianópolis são um exemplo desta precariedade de nossa infraestrutura. No caso catarinense, falamos da falta de uma rede de drenagem de águas pluviais bem dimensionada.

Enquanto patinamos no básico por aqui, em algumas cidades dos países desenvolvidos, que resolveram a maior parte dos problemas de infraestrutura de saneamento básico ainda no século XIX, os problemas atuais são bem diferentes dos nossos. Vejam esta interessantíssima reportagem do Jornal El Pais, que fala dos problemas criados nas tubulações da rede de esgotos de Nova York pelo descarte de grandes volumes de toalhas umedecidas descartáveis:

“A PRIMEIRA NOTÍCIA da presença de jacarés nos esgotos de Manhattan data de 1935, quando vários trabalhadores da rede de saneamento de Nova York juraram que os tais sáurios eram albinos, seus olhos eram vermelhos e mediam quase dois metros. Teddy May — encarregado dos esgotos de Nova York entre 1935 e 1965 — espalhou iscas envenenadas na rede e organizou batidas de caçadores armados com rifles de grosso calibre, graças aos quais pôde anunciar em 1937 que os Sewer alligators tinham sido eliminados. No entanto, anos mais tarde Rober Daley dedicou um capítulo aos jacarés dos esgotos em The World Beneath the City (1959) e Thomas Pynchon os incluiu em seu primeiro romance, V. (1963). Assim, embora sua existência não tenha sido constatada por ninguém, os jacarés do esgoto são tão conhecidos que todo 9 de fevereiro é celebrado em Nova York o Alligators in the Sewers Day, festa que serve para arrecadar fundos pró-manutenção do nível ecológico da água da Grande Maçã, pristina pureza ameaçada em nossos dias por mortíferas baleias brancas que causam colapso nas redes e destroem os ecossistemas do inédito Crocodilus eloacae Vovi eboracensis ou jacaré do esgoto de Nova York da vida inteira.

Ao contrário dos urbanos e lendários répteis, as baleias brancas dos esgotos entram, sim, nas redes de saneamento por intermédio dos canais de escoamento, só que em forma de pequenas toalhinhas perfumadas que os inescrupulosos jogam nas privadas e que, assim que entram no esgoto, se juntam até formar cetáceos redondos e sólidos que chegam a medir 80 metros de comprimento e pesar mais de 100 toneladas. Assim, para acabar com as baleias brancas do subsolo, a cidade investiu mais de 20 milhões de dólares (65 milhões de reais) somente nos últimos cinco anos, mas o problema parece não ter solução porque o ser humano é propenso à higiene íntima, mas não colabora com a limpeza pública.

Como os zumbis, os vampiros pós-modernos, os símios avantajados e outras criaturas distópicas, as baleias brancas se expandem pelos esgotos das grandes cidades do planeta. Em Londres foi capturada uma baleia de 130 toneladas e tão comprida como dois campos de futebol. Aquele bloco era tão sólido que teve que ser picado a mão, como nas velhas fábricas baleeiras. E o fato é que notícias de visões semelhantes nos chegam de Berlim, Paris, Roma e outras capitais europeias, porque se sabe que os países da União Europeia destinam mais de 1 bilhão de euros (cerca de 4 bilhões de reais) por ano para reparar, desentupir e sanear os esgotos obstruídos pelas baleias de lenços umedecidos.

Para acabar com as baleias brancas do subsolo, a cidade investiu mais de 65 milhões de reais somente nos últimos cinco anos.

Os hábitos de higiene mudaram tanto que é possível que não exista parte mais limpa e perfumada da anatomia humana que aquela limpada pelos lenços de sempre. Por isso é preciso inventar lenços biodegradáveis já, porque do contrário não vai sobrar nenhum jacaré em Nova York.”

 

© Fornecido por El Pais Brasil

AS VIOLENTAS ENCHENTES EM FLORIANÓPOLIS

Enchentes em Florianópolis

Nas últimas postagens aqui do blog falamos dos problemas de contaminação de algumas das praias mais conhecidas por lançamentos irregulares de esgotos e das consequências que isto pode acarretar para a saúde dos moradores locais e dos turistas, que nas temporadas de Verão correm aos milhões na direção do litoral brasileiro.

Mas as questões ligadas aos esgotos não são as únicas preocupações do saneamento básico: existem também os problemas de abastecimento de água potável para as populações, o controle das águas pluviais e o gerenciamento dos resíduos sólidos, onde se incluem tanto os serviços de coleta e destinação final do lixo e dos resíduos quanto os serviços de limpeza e varrição das vias e áreas públicas. De forma transversal entre todos estes serviços, existe o problema de controle dos vetores: baratas mosquitos, ratos, pulgas, carrapatos, entre outros. Em resumo: o saneamento básico pode ser definido como o conjunto de serviços que garante as condições de higiene e saúde da população ou série de medidas que tornam uma área sadia, limpa, habitável, oferecendo condições adequadas de vida para uma população ou para a agricultura.

Feita estas considerações, vamos falar das gravíssimas enchentes que se abateram sobre a belíssima cidade de Florianópolis, uma das estrelas do turismo brasileiro nestes últimos anos. As fortes chuvas que estão atingindo toda a cidade e grande parte do litoral de Santa Catarina nos últimos dias estão causando enchentes, quedas de árvores e muros, desabamentos de casas e deslizamentos de encostas. Desde a última segunda-feira (dia 8 de janeiro) , o volume de chuvas na cidade já chegou à impressionante marca de 400 milímetrossomente nesta última quarta-feira, o volume de chuvas que caiu na cidade já superou a marca dos 100 milímetros – isto equivale a 50% do volume de chuvas que era esperado para todo o mês de janeiro. Grande parte dos bairros da cidade amanheceu com ruas e avenidas inundadas, cobertas com muita lama, resíduos e lixo. De acordo com declarações de autoridades locais, divulgadas pelos meios de comunicação, as fortes chuvas de Verão, como sempre, são as culpadas pelas muitas tragédias. Posso até estar enganado, mas não lembro de ter ouvido qualquer uma destas autoridades assumir que a falta de uma adequada infraestrutura de drenagem de águas pluviais também contribuiu para a tragédia. Deixem-me explicar meu ponto de vista:

A primeira vez que estive em Florianópolis foi em 1980, quando participei de um grande camporee (também conhecido como jamboree), um acampamento que reúne um grande número de clubes de escoteiros de uma região. Esse acampamento foi montado em uma grande área verde nas margens da Lagoa da Conceição. Lembro que nesta época existiam grandes praias praticamente desabitadas por toda a Ilha de Santa Catarina e a cidade de Florianópolis era bem menor e mais tranquila. Nos últimos anos, a cidade se transformou num importante polo de tecnologia e de turismo, atraindo novos moradores (15 mil a cada ano) e praticamente triplicando de tamanho – nos meses de Verão, com o grande fluxo de turistas, a população da cidade quase chega a duplicar. Algumas fontes afirmam que Florianópolis possui um dos piores transitos do Brasil, o que é só um dos muitos reflexos negativos deste intenso crescimento.

Um crescimento urbano tão intenso e em um espaço de tempo tão curto não se dá sem grandes problemas de infraestrutura. Grandes áreas de matas foram substituídas por condomínios, casas e edifícios comerciais; encostas foram ocupadas por construções e matas de preservação permanente acabaram suprimidas; fragmentos de matas isoladas em partes da Ilha e do continente foram rasgadas para a construção de avenidas e ruas, onde apareceram um sem número de casas pontilhadas nas antigas paisagens. Todas estas alterações num meio físico limitado, por si só, já têm potencial para produzir uma grande alteração no fluxo natural das chuvas – a presença de asfalto e concreto reduz a absorção de água pelos solos e produz um grande aumento no fluxo superficial das águas das chuvas, ou seja, facilitam a formação de grandes enxurradas e alagamentos localizados – daí para a ocorrência de grandes enchentes em dias de chuva mais forte é só um pulo. Mas esse é só o começo dos problemas.

Quanto maior a concentração de pessoas em uma região, maiores serão as pressões pelo aumento do fornecimento de água potável, maior será a geração de esgotos e de resíduos sólidos, além é claro do aumento do consumo de alimentos, produtos de limpeza, materiais de construção, serviços de saúde, combustíveis e sistemas de transporte, etc. Todo esse crescimento precisa ser devidamente planejado e muita infraestrutura urbana e de saneamento básico precisa ser construída para que se atinja o que está sendo chamado atualmente de “desenvolvimento sustentável”. É claro que, como todos sabem, nossas cidades crescem sem maior planejamento e preocupações com o futuro e assistimos a problemas de transporte, habitação, energia, saneamento básico, saúde, segurança e educação “pipocarem por todos os lados”. Florianópolis não fugiu a esta regra e o que estamos assistindo hoje são apenas as consequências de todos estes problemas somados – São Pedro e suas importantes chuvas não podem ser acusados injustamente.

Florianópolis já estava frequentando os telejornais há algum tempo, com notícias sobre a redução da faixa de areia em algumas das suas praias mais famosas, o que já estava trazendo receios para os moradores locais e turistas, preocupados com a temporada de Verão que estava chegando. É um pouco prematuro fazer qualquer tipo de diagnóstico sobre a origem deste fenômeno, mas alguns especialistas afirmam que o crescimento da mancha urbana da cidade contribuiu muito neste processo, graças inclusive ao avanço de construções na faixa de areia das praias. Em muitas regiões, é a derrubada de matas para a expansão dos bairros que está interferindo no volume e no fluxo da água dos rios e córregos que chegam até as praias – é essa água quem arrasta a areia gerada a partir do desgaste das montanhas e rochas em áreas interioranas para as praias (o mar não produz areia). O vai e vem das ondas do mar, algumas vezes amplificado pela presença de construções na faixa da praia, retira grandes quantidades de areia, que em condições naturais são respostas pelos volumes carreados pelas águas de rios e córregos – se este ciclo é rompido e os volumes de areia que chegam até as praias diminuem, há uma tendência natural de redução da faixa de areia das praias, exatamente o que parece estar ocorrendo em Florianópolis. É esperar a conclusão dos estudos para se ter certeza absoluta.

Enquanto isso, entre problemas reais e especulações, a temporada de Verão em Floripa não começou nada bem para muita gente…

PORTO DE GALINHAS: BELEZAS NATURAIS, ESQUISTOSSOMOSE E ESGOTOS

Porto de Galinhas

A deslumbrante Porto de Galinhas, localizada a pouco mais de 70 km da cidade do Recife, é, simplesmente, a praia mais famosa e também a que mais atrai turistas no litoral de Pernambuco. Contando com praias de ondas fortes, perfeitas para os amantes do surf, e piscinas naturais com águas mornas e transparentes onde vivem grandes cardumes de peixes, a região agrada a todos os tipos de visitantes.

Quem acompanha o blog vai lembrar que, há alguns meses atrás, escrevi uma postagem falando de Porto de Galinhas. Não foi exatamente um texto turístico como muitos que podem ser encontrados na internet, onde a tônica é a exaltação das belezas naturais de cada canto do lugar – falei mesmo foram dos riscos da esquistossomose na região. Os primeiros casos da doença na localidade foram detectados no ano 2000, quando fortes enchentes atingiram toda a Região da Mata Sul de Pernambuco, trazendo os caramujos de água doce, do gênero Biomphalaria, hospedeiro natural do parasita transmissor da doença – Schistosoma mansoni, para a área urbana da Vila de Porto de Galinhas. O maior rio da região, o Ipojuca, possui este caramujo entre a sua fauna nativa e seu vale é considerado o maior foco de casos de esquistossomose do Nordeste. Naquele ano, 622 pessoas, grande parte turistas, foram contaminadas ao mesmo tempo com esquistossomose, o que foi considerado o maior surto agudo da doença já registrado no mundo.

Uma reportagem bombástica, publicada em 2015 pelo jornal mais importante de Pernambuco, intitulada “O turismo de risco em Porto de Galinhas”, expôs o problema em detalhes para o grande público pela primeira vez e provocou a ira das autoridades do município de Ipojuca, do qual Porto de Galinhas é um dos distritos, que tem no turismo uma importante fonte de arrecadação. Ipojuca, aliás, está entre os cinco municípios pernambucanos com a maior receita tributária, que além do forte turismo proporcionado pelas belezas naturais de sua costa, conta também com a arrecadação gerada pelo Complexo Industrial e Portuário de Suape.

Como se o grave problema da esquistossomose já não fosse suficiente para denegrir a imagem de paraíso tropical de Porto de Galinhas, o povoado também convive com esgotos correndo a céu aberto pelas suas ruas e avenidas. Estes problemas talvez até passem despercebidos da maioria dos turistas, que costumam ficar concentrados na maravilhosa orla e no centro comercial da Vila, onde as autoridades costumam canalizar os investimentos para, pelo menos, maquiar os problemas. Mas existe um outro povoado, conhecido informalmente como Porto de Galinhas de Baixo, onde a população pobre do lugar vive em comunidades com nomes de Socó, Pantanal e Salinas, sofrendo diariamente com todos os tipos de problemas ligados ao saneamento básico e à infraestrutura urbana deficiente. E muitos destes problemas, como os esgotos despejados de forma irregular, costumam ter a “mania” de migrarem para as belas praias – águas contaminadas chegam até a orla através de uma infinidade de pequenos corpos d’água.

Porto de Galinhas era, até algumas décadas atrás, uma típica vila de pescadores que tiravam o seu sustento do mar. Descoberta pelos operadores do turismo, a localidade rapidamente passou a sofrer com a pressão descontrolada de milhares de turistas que passaram a desembarcar na Vila a cada temporada e também com a especulação imobiliária, que buscava as áreas mais privilegiadas da orla para a implantação de hotéis, pousadas, restaurantes e bares. Como sempre acontece nestas situações, os moradores tradicionais (e pobres) acabaram empurrados para as zonas periféricas da localidade e todas as atenções das autoridades se voltaram para a região da orla, transformada numa verdadeira “galinha” dos ovos de ouro para os comerciantes e empresários de Porto de Galinhas, grande parte vinda de outras regiões de Pernambuco e do Brasil.

A história recente de Porto de Galinhas está recheada de projetos que tinham o objetivo de resolver os inúmeros problemas de saneamento ambiental – muitos trabalhos foram iniciados e, pelos mais diferentes motivos, acabaram paralisados. Um destes projetos, iniciado em 2003, foi interrompido por conta do grande escândalo criado após a descoberta de uma fraude na licitação pública – a construtora “vencedora” da licitação chegou a receber desembolsos antecipados de R$ 19 milhões da Prefeitura de Ipojuca, algo completamente irregular nas Administrações Públicas do país (em obras públicas, os pagamentos são feitos através de medições, onde a construtora recebe após comprovar a realização dos trabalhos). O resultado destes inúmeros projetos inacabados são canteiros abandonados, vias com calçamento destruído, muito desperdício de dinheiro público e problemas com esgotos persistindo por todos os lados.

Além dos problemas com os esgotos locais, o litoral de Porto de Galinhas também recebe impactos indiretos a partir da foz do Rio Ipojuca (veja reportagem em vídeo), um dos rios mais poluídos do Brasil e que fica a aproximadamente 15 km de distância da Vila. O Ipojuca recebe o despejo diário de milhões de litros de esgotos domésticos das inúmeras cidades localizadas em suas margens, além do descarte de lixo doméstico e toda a sorte de resíduos, despejos de vinhoto e outros resíduos das indústrias sucroalcooleiras (usinas, destilarias e canaviais), efluentes de matadouros, entre outras fontes de poluição encontradas ao longo de todo o curso do rio. O lançamento de esgotos industriais no município de Ipojuca também é preocupante, uma vez que inúmeras fábricas estão sendo atraídas para a região por causa dos incentivos fiscais oferecidos pelo Governo de Pernambuco por conta do Complexo Industrial e Portuário de Suape.

Ou seja: seu passeio dos sonhos em Porto de Galinhas, a depender intensidade das chuvas, da força das enchentes e das direções seguidas pelas correntezas do mar, pode até se transformar num pesadelo, indo desde o males da esquistossomose aos problemas das doenças de veiculação hídrica provocadas pelos resíduos de esgotos encontrados nas areias das praias e nas águas mornas do mar.

Leia também:

A PROBLEMÁTICA FOZ DO RIO IPOJUCA, OU O “TURISMO DE RISCO” EM PORTO DE GALINHAS

O ABASTECIMENTO DE POPULAÇÕES COM AS ÁGUAS DO IPOJUCA, OU FALANDO DE ESQUISTOSSOMOSE

Reportagem em Vídeo:

A SINA DO RIO IPOJUCA

 

Números do Blog: Esta é a postagem n° 400 e bastaram apenas 10 dias de 2018 para superar todas as visitas que tivemos em todo o ano de 2016. Mazel Tov!

A MISTERIOSA MANCHA NEGRA NAS PRAIAS DO GUARUJÁ, OU O JOGO DO EMPURRA-EMPURRA

Mancha de poluição na Praia de Pitangueiras

Um “fenômeno” bastante conhecido voltou a preocupar os moradores e turistas que frequentam a Praia de Pitangueiras, em Guarujá, munícipio insular do litoral do Estado de São Paulo – uma grande mancha escura, provavelmente criada pelo lançamento irregular de esgotos nas redes de águas pluviais, tomou conta de uma faixa da areia e das águas da praia. Notícias publicadas pela imprensa em 1997 já falavam desta estranha mancha que surge sempre nos verões, período em que a cidade costuma ficar lotada de turistas.

Como sempre ocorre ano após ano, começou o conhecido empurra-empurra entre as autoridades para se saber quem é o “responsável” pela mancha e também sobre quais as providências que estão sendo tomadas para se resolver o problema. Técnicos da Secretaria de Meio Ambiente do município já divulgaram nota afirmando que “a mancha não foi causada por nenhum vazamento de óleo e que, possivelmente, é proveniente de um grande vazamento de esgotos.” A SABESP – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, concessionária dos serviços de abastecimento de água e esgotos no município, nega qualquer ligação com o problema e, em nota, informa que a “ocorrência apontada tem origem no sistema municipal de drenagem urbana, do qual o referido canal faz parte, e cuja manutenção não é responsabilidade da empresa.” Enquanto as “autoridades” não assumem a responsabilidade pelo problema, milhares de banhistas que frequentam as praias da cidade ficam preocupados, e com muita razão, com os possíveis riscos para a sua saúde.

Essa preocupação das pessoas tem fundamento – vou citar dois exemplos: em janeiro de 2010, os turistas e moradores do Guarujá enfrentaram um surto de virose com origem desconhecida, onde mais de 1.700 pessoas foram atendidas nos hospitais e postos de saúde da cidade em apenas um mês. No mesmo período em 2011, um novo surto virótico surgiu na cidade – 1.000 pessoas chegaram a ser atendidas em unidades médicas do Guarujá em um único domingo. Em ambos os casos, os doentes apresentavam fadiga e dores pelo corpo, febre e forte diarreia. As autoridades locais informaram que pesquisas foram feitas para que se determinasse a origem do problema, mas “a resposta não foi encontrada”. A suspeita mais forte era a contaminação das águas do mar por despejos irregulares de esgotos.

A história do Guarujá é bastante peculiar e merece uma rápida apresentação para que todos entendam este problema: os primeiros europeus desembarcaram em terras do Guarujá ainda em 1502, logo após o Descobrimento, e não gostaram do que encontraram – grandes extensões de terrenos ocupados por pântanos e manguezais, além de morros com encostas muito íngremes. Com o início da colonização do litoral paulista a partir de 1532, áreas de Santos e de São Vicente, com relevo e solos mais adequados, foram escolhidas para a formação das primeiras vilas – a Ilha de Santo Amaro (onde fica o município do Guarujá) ficou esquecida, sendo habitada apenas por alguns pescadores e por militares das fortificações de defesa do litoral que foram construídas na ilha. Foi somente no final do século XIX, quando o chamado Ciclo do Café criou uma poderosa elite econômica em São Paulo, que o Guarujá foi redescoberto – um grupo de empresários resolveu implantar um luxuoso complexo hoteleiro na ilha, que anos mais tarde passou a contar com um cassino (lembrando que os cassinos só seriam proibidos no Brasil em 1946), que tinha como público alvo exclusivo os “Barões do Café” paulistanos e suas famílias. As ferrovias construídas para o transporte do café até o Porto de Santos permitiam o uso de vagões de passageiros altamente luxuosos e confortáveis para o transporte destes milionários até a região da Baixada Santista; a navegação pelo Canal de Santos era feita por barcaças sofisticadas e a travessia da Ilha de Santo Amaro desde a margem do Canal até a Praia de Pitangueiras era feita por uma linha de bondes, privativa dos hóspedes do hotel. Durante décadas a fio, o Guarujá – conhecido pela alcunha a “Pérola do Atlântico”, foi território exclusivo das elites paulistanas: pobre não entrava na ilha. Você poderá ver algumas imagens bucólicas deste antigo e exclusivo Guarujá assistindo o filme “É proibido beijar” de 1954, onde duas estrelas do cinema brasileiro da época – Tonia Carreiro e Mário Sérgio, participam de uma gincana automobilística pelas praias e avenidas semi desertas da ilha.

No final da década de 1970, após a construção da Rodovia Piaçaguera Guarujá e de uma ponte de ligação entre o continente e a Ilha de Santo Amaro, o acesso foi imensamente facilitado e centenas de milhares de turistas das classes econômicas menos favorecidas, que nós paulistanos de classe média chamávamos maldosamente de “farofeiros”, passaram a invadir a Ilha de Santo Amaro nos verões e feriados. A partir desta súbita popularização, a especulação imobiliária fez a cidade crescer exponencialmente e milhares de casas e apartamentos foram construídos em um curtíssimo espaço de tempo, sendo que grande parte destes imóveis tinham estes “populares” com público alvo (lembrando que este fenômeno também ocorreu em outros municípios da Baixada Santista como Praia Grande, Mongaguá e Itanhaém). Esta súbita expansão da mancha urbana do Guarujá ocorreu sem maiores preocupações com o planejamento urbanístico e com a infraestrutura geral da cidade, especialmente no que diz respeito à construção de redes coletoras de esgotos – as redes de águas pluviais e os canais de drenagem passaram a funcionar como redes coletoras de esgotos, lançando milhares de metros cúbicos de efluentes diretamente nas praias. Foram tempos em que os verões e os feriados eram sinônimo de caos em Guarujá – faltava água, energia elétrica, pão e gasolina na ilha; em compensação, sobravam lixo e esgotos nas praias. Os moradores mais endinheirados rapidamente abandonaram o Guarujá e passaram a buscar refúgio nas cidades do litoral Norte do Estado de São Paulo como São Sebastião e Ubatuba. Foi somente em meados da década de 1990, após sucessivos investimentos dos Governos do Estado e do Município em redes coletoras de esgotos e estações de tratamento, em sistemas de armazenamento e distribuição de água potável, novas redes de fornecimento de energia elétrica e melhoramentos na malha viária, que os problemas de infraestrutura em Guarujá começaram a ser resolvidos e a cidade começou a recuperar parte do brilho que teve no passado. Como uma consequência direta destes investimentos, a qualidade ambiental média nas águas das praias voltou a apresentar bons índices de balneabilidade.

Infelizmente, conforme já mencionei em postagem anterior, a construção de redes coletoras de esgotos tardias em cidades nunca consegue universalizar de uma só vez o acesso de todos os imóveis ao serviço – sempre ficam alguns “gatos” escondidos (o que, na minha opinião, é a origem da misteriosa mancha negra da Praia de Pitangueiras). Esses gatos, que são as ligações que fazem o despejo dos esgotos de forma irregular em canais e galerias de água pluviais, são bem difíceis de se localizar e são exigidos gastos de altas somas de recursos nestes trabalhos: ninguém quer assumir a “paternidade” do problema. E, como sempre acontece, é a população local e os turistas que pagam o pato (ou o gato), ficando expostos aos riscos de contaminação e às doenças de veiculação hídrica.

E assim, a “misteriosa” mancha negra vai continuar aterrorizando os verões em Guarujá por muitos e muitos anos…

EM SALVADOR, 13 PRAIAS FORAM CONSIDERADAS IMPRÓPRIAS PARA BANHO NESTE INÍCIO DE ANO

Farol da Barra Salvador

A cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia, foi fundada oficialmente em 29 de março de 1549 com o objetivo de sediar a capital do Governo Geral do Brasil Colonial. A escolha do local foi estratégica, considerando a sua localização no coração da zona de produção açucareira e as suas águas abrigadas no interior da Baía de Todos os Santos, quesito fundamental numa época em que os transportes dependiam dos grandes navios à vela. A beleza natural da região foi uma espécie de “brinde” para os primeiros colonizadores. Durante 214 anos, a cidade de Salvador manteve o posto de capital da Colônia; em 1763, a combinação da crise açucareira com as descobertas de ouro na região das Minas Geraes levou as autoridades a decidirem pela transferência da capital para a cidade do Rio de Janeiro, cuja localização geográfica facilitava a logística de transporte e embarque do ouro para Portugal.

Largada à própria sorte, a cidade de Salvador foi se reinventando e criando uma identidade cultural e econômica própria ao longo do tempo. Atualmente, a capital baiana é a segunda cidade mais importante da Região Nordeste, com uma população próxima dos 3 milhões de habitantes – nos meses do verão e no Carnaval, Salvador recebe mais de 2 milhões de turistas, atraídos pela culinária única, pelos monumentos históricos, pelas festas, pela alegria dos baianos e, principalmente, pela beleza das praias da cidade. Infelizmente, a poluição das praias é um problema bem antigo e sistematicamente minimizado pelas autoridades Soteropolitanas, e que frequentemente causa problemas à saúde da população local e de muitos dos visitantes.

Na última sexta-feira, dia 5 de janeiro, o INEMA – Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, divulgou uma lista com 13 praias da orla de Salvador consideradas impróprias para o banho de mar. Esta lista inclui as praias de Periperi, Penha, Bonfim, Roma, Marina Contorno, Santa Maria, Ondina, Pituba, Armação, Boca do Rio, Patamares e Itapuã. Em Jaguaribe há uma recomendação para que a população evite o contato com as águas – houve o rompimento de uma rede coletora e os esgotos da região estão sendo despejados diretamente na praia. As autoridades informam que o conserto deverá ficar pronto no próximo dia 10.

Segundo as recomendações do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, uma praia é considerada imprópria para banhos quando mais de 20% das amostras de água, coletadas ao longo de cinco semanas consecutivas, apresentarem índices superiores a 1.000 coliformes fecais ou 800 bactérias Escherichia coli para cada 100 mililitros de água. As praias apontadas como impróprias pelo INEMA em Salvador se enquadraram nestas condições.

De acordo com dados oficiais, 80% das construções de Salvador (casas, edifícios comerciais e de apartamentos, lojas, fábricas etc) estão conectadas às redes coletoras de esgotos instaladas na cidade – o restante das construções despeja seus esgotos diretamente nas ruas, em córregos e rios, galerias de águas pluviais ou em fossas sépticas. Um exemplo do despejo irregular de esgotos sanitários pode ser visto no rio Camarajipe o maior de Salvador, considerado pelas autoridades como o maior escoadouro de esgotos sanitários da cidade.

Entre os anos de 1998 e 2005, a cidade de Salvador levou a cabo um ambicioso plano de ampliação das redes coletoras de esgotos, construção de estações de tratamento e de emissários submarinos. Conhecido como Programa Baía Azul, o projeto garantiu grandes avanços para o saneamento ambiental de Salvador, até então bastante precário. Porém, como sempre acontece nestes grandes projetos, a universalização dos serviços de coleta de esgotos não foi alcançada e, pelos menos, 400 mil moradores da cidade continuaram sem acesso aos serviços, de acordo com cálculos da própria EMBASA – Empresa Baiana de Águas e Saneamento, responsável pela implantação do Programa. Apesar de representar um valor percentual relativamente baixo (se comparado à média de cobertura dos sistemas de esgotos das cidades brasileiras), esses imóveis que ficaram “fora” das áreas de cobertura das redes coletoras costumam estar localizados em regiões de difícil acesso ou em áreas irregulares, onde se incluem terrenos invadidos e ocupados irregularmente por comunidades (nome politicamente correto para as grandes favelas e cortiços), áreas de preservação ambiental (onde não é permitida a realização de obras), além de morros e baixadas – são locais e regiões que exigirão grandes esforços dos poderes públicos para a solução dos problemas de saneamento básico e com prazos a “perder de vista” para a finalização.

Além das dificuldades de universalização do acesso às redes coletoras de esgotos, quem lida na área de saneamento básico sabe que um dos maiores problemas que ocorrem após a implantação dos sistemas de esgotos numa cidade ou bairro é o convencimento dos moradores para a necessidade da conexão dos esgotos de suas residências na rede pública. A população costuma resistir à ideia por um motivo bastante simples – o valor da conta de água vai aumentar, pois além de pagar pelo abastecimento de água potável, o morador passará a pagar pela coleta, afastamento e tratamento dos esgotos sanitários: em muitos casos, a conta simplesmente vai dobrar de preço. Mas existe um outro problema que costuma passar despercebido nos índices oficias: as empresas de saneamento básico não poupam esforços para conseguir a assinatura dos moradores no formulário conhecido como Pedido de Ligação do Esgoto Sanitário (é esse documento, cujo nome varia de cidade para cidade, que vai autorizar a empresa de saneamento básico a iniciar a cobrança em conta pelos serviços de coleta, afastamento e tratamento dos esgotos); porém, essas empresas não costumam realizar esforços semelhantes para fiscalizar se as ligações das redes de esgotos foram efetivamente realizadas – o resultado é que muitos imóveis começam a pagar as taxas, mas continuam a despejar seus esgotos em redes de águas pluviais e em corpos d’água por toda a cidade. Um exemplo “clássico” deste descompasso pode ser encontrado na cidade de Curitiba, chamada por muitos de “a capital mais ecológica do Brasil” – os dados oficiais indicam que praticamente 100% dos imóveis de Curitiba estão ligados na rede coletora de esgotos da cidade; porém, curiosamente, o famoso rio Iguaçu, que nasce nesta cidade, é considerado o segundo rio mais poluído do Brasil – isto é um sinal claro que muita gente continua lançando esgotos irregularmente nos rios, córregos e nas redes de águas pluviais de Curitiba.

Enquanto ainda persistirem estes lançamentos irregulares e difusos de esgotos por toda a cidade de Salvador, moradores e turistas vão continuar expostos ao lixo e aos esgotos que chegam em grandes quantidades nas praias da Baia de Todos os Santos.

Que todos os santos da Bahia os protejam!

A POLUIÇÃO DAS PRAIAS URBANAS

Praia do Gonzaga

Já avançamos pela primeira semana de 2018 e muita gente aproveitou para emendar festas e férias, curtindo um merecido descanso em uma das mais de 2 mil praias que se sucedem ao longo dos 7.491 km do litoral brasileiro. Apesar do calor, da tranquilidade e das paisagens deslumbrantes de todo esse litoral, problemas ligados à contaminação das praias pelos esgotos despejados irregularmente pelas cidades e vilas podem estragar as férias de muita gente. Vamos aproveitar esse período de férias para falar um pouco sobre este assunto tão desagradável.

Um levantamento feito em 1.217 praias de 13 diferentes Estados brasileiros pelo jornal Folha de São Paulo, divulgado no dia 21 de dezembro – início oficial do verão no Hemisfério Sul, indicou que 355 praias foram classificadas como ruins ou péssimas. Um dado preocupante deste levantamento mostra que 70% destas praias, ou 234 praias para ser mais exato, ficam localizadas em cidades grandes e médias. Para que todos percebam a gravidade do problema, este levantamento projeta que 7 em cada 10 praias localizadas em cidades com mais de 100 mil habitantes estão poluídas. E na origem da poluição destas praias estão os esgotos destas cidades costeiras e de outras, que despejam seus efluentes sem qualquer tipo de tratamento nos córregos e rios, cujas águas, mais cedo ou mais tarde, se encontrarão com as águas do oceano.

O levantamento utilizou os dados publicados pelas autoridades e órgãos ambientais dos municípios, que coletam periodicamente amostras da água do mar para realizar testes de qualidade ambiental. Um dos indicadores da qualidade da água são os níveis de coliformes fecais, também conhecidos como coliformes termo tolerantes, bactérias encontradas em grandes quantidades no intestino dos seres humanos e de animais de sangue quente. A presença destas bactérias nas águas é um sinal claro da presença de fezes humanas e de animais in natura, o que é resultado do despejo de esgotos domésticos e de efluentes de propriedades rurais, onde se criam animais como vacas, porcos e aves, sem qualquer tipo de tratamento. Além dos coliformes fecais, essas águas poluídas também carregam uma infinidade de vírus e de outras bactérias, produtos químicos e substâncias tóxicas, resíduos de pesticidas e de fertilizantes, lixo e resíduos de todos os tipos.

O estudo divulgado considerou como péssimas as praias que se apresentaram impróprias para banho em mais de 50% das medições realizadas. São consideradas ruins as praias que estiveram impróprias entre 25% e 50% das medições realizadas. As praias consideradas regulares foram as que apresentaram condições impróprias em até 25% das coletas e as praias que não se apresentaram impróprias em nenhuma das coletas foram consideradas boas. De acordo com o levantamento, 43% das praias avaliadas estavam boas, 30% regulares e 28% ruins ou péssimas. Um levantamento similar efetuado pelo mesmo jornal em 2016 em 1.180 praias, indicou que 29% estavam em condições ruins ou péssimas, o que demonstra que não houve qualquer avanço ou melhoria nas condições de saneamento destas cidades.

Exemplos de águas altamente contaminadas por coliformes fecais podem ser encontrados em praias famosas: a Praia do Flamengo, vizinha de um dos cartões postais mais visitados da cidade do Rio de Janeiro – o Pão de Açúcar, tem um índice médio de 8 mil coliformes fecais por 100 mililitros de água, um índice oito vezes maior do que o máximo estabelecido pelas recomendações do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente. Para efeito de comparação, a famosa Praia de Copacabana, localizada a poucos quilômetros da Praia do Flamengo, apresenta o índice de 300 coliformes fecais para cada 100 mililitro de água, valor dentro dos padrões aceitáveis. Outros exemplos que podem ser citados: na Praia do Gonzaga (vide foto), na cidade de Santos em São Paulo, o índice médio é de 1.278 coliformes fecais para cada 100 mililitros de água – na Praia da Enseada, localizada bem próxima na cidade do Guarujá, os índices de coliformes fecais estão dentro de níveis aceitáveis e em valores muito próximos daqueles encontrados em Copacabana. Em comum, estas praias com águas poluídas recebem grandes quantidades de despejos de esgotos. A Praia do Flamengo fica localizada na Baía da Guanabara, conhecida por receber a maior parte dos despejos de esgotos in natura dos municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro; no caso da Praia do Gonzaga em Santos, são os despejos difusos de esgotos de vilas e bairros periféricos sem infraestrutura de saneamento básico que chegam aos canais de drenagem e contaminam uma das praias mais populares da orla da cidade.

O banho de mar em águas contaminadas por esgotos pode resultar em diversas doenças transmitidas por vírus e bactérias, que vão desde as conhecidas micoses de praia e outros tipos de alergias e lesões na pele até problemas gastrointestinais, enjoos, diarreias, dores de cabeça e febres. É comum que turistas acometidos por alguns destes problemas culpem o camarão, o peixe ou outros frutos do mar consumidos nas refeições, quando na verdade a grande vilã foi mesmo a poluição existente nas águas da praia.

Ao longo das próximas publicações, vamos apresentar algumas das praias e cidades que estão entre as mais badaladas deste verão, mas que, infelizmente, apresentam altos índices de poluição em suas águas, merecendo muito cuidado e atenção de todos os frequentadores e turistas.