PORTO DE GALINHAS: BELEZAS NATURAIS, ESQUISTOSSOMOSE E ESGOTOS

Porto de Galinhas

A deslumbrante Porto de Galinhas, localizada a pouco mais de 70 km da cidade do Recife, é, simplesmente, a praia mais famosa e também a que mais atrai turistas no litoral de Pernambuco. Contando com praias de ondas fortes, perfeitas para os amantes do surf, e piscinas naturais com águas mornas e transparentes onde vivem grandes cardumes de peixes, a região agrada a todos os tipos de visitantes.

Quem acompanha o blog vai lembrar que, há alguns meses atrás, escrevi uma postagem falando de Porto de Galinhas. Não foi exatamente um texto turístico como muitos que podem ser encontrados na internet, onde a tônica é a exaltação das belezas naturais de cada canto do lugar – falei mesmo foram dos riscos da esquistossomose na região. Os primeiros casos da doença na localidade foram detectados no ano 2000, quando fortes enchentes atingiram toda a Região da Mata Sul de Pernambuco, trazendo os caramujos de água doce, do gênero Biomphalaria, hospedeiro natural do parasita transmissor da doença – Schistosoma mansoni, para a área urbana da Vila de Porto de Galinhas. O maior rio da região, o Ipojuca, possui este caramujo entre a sua fauna nativa e seu vale é considerado o maior foco de casos de esquistossomose do Nordeste. Naquele ano, 622 pessoas, grande parte turistas, foram contaminadas ao mesmo tempo com esquistossomose, o que foi considerado o maior surto agudo da doença já registrado no mundo.

Uma reportagem bombástica, publicada em 2015 pelo jornal mais importante de Pernambuco, intitulada “O turismo de risco em Porto de Galinhas”, expôs o problema em detalhes para o grande público pela primeira vez e provocou a ira das autoridades do município de Ipojuca, do qual Porto de Galinhas é um dos distritos, que tem no turismo uma importante fonte de arrecadação. Ipojuca, aliás, está entre os cinco municípios pernambucanos com a maior receita tributária, que além do forte turismo proporcionado pelas belezas naturais de sua costa, conta também com a arrecadação gerada pelo Complexo Industrial e Portuário de Suape.

Como se o grave problema da esquistossomose já não fosse suficiente para denegrir a imagem de paraíso tropical de Porto de Galinhas, o povoado também convive com esgotos correndo a céu aberto pelas suas ruas e avenidas. Estes problemas talvez até passem despercebidos da maioria dos turistas, que costumam ficar concentrados na maravilhosa orla e no centro comercial da Vila, onde as autoridades costumam canalizar os investimentos para, pelo menos, maquiar os problemas. Mas existe um outro povoado, conhecido informalmente como Porto de Galinhas de Baixo, onde a população pobre do lugar vive em comunidades com nomes de Socó, Pantanal e Salinas, sofrendo diariamente com todos os tipos de problemas ligados ao saneamento básico e à infraestrutura urbana deficiente. E muitos destes problemas, como os esgotos despejados de forma irregular, costumam ter a “mania” de migrarem para as belas praias – águas contaminadas chegam até a orla através de uma infinidade de pequenos corpos d’água.

Porto de Galinhas era, até algumas décadas atrás, uma típica vila de pescadores que tiravam o seu sustento do mar. Descoberta pelos operadores do turismo, a localidade rapidamente passou a sofrer com a pressão descontrolada de milhares de turistas que passaram a desembarcar na Vila a cada temporada e também com a especulação imobiliária, que buscava as áreas mais privilegiadas da orla para a implantação de hotéis, pousadas, restaurantes e bares. Como sempre acontece nestas situações, os moradores tradicionais (e pobres) acabaram empurrados para as zonas periféricas da localidade e todas as atenções das autoridades se voltaram para a região da orla, transformada numa verdadeira “galinha” dos ovos de ouro para os comerciantes e empresários de Porto de Galinhas, grande parte vinda de outras regiões de Pernambuco e do Brasil.

A história recente de Porto de Galinhas está recheada de projetos que tinham o objetivo de resolver os inúmeros problemas de saneamento ambiental – muitos trabalhos foram iniciados e, pelos mais diferentes motivos, acabaram paralisados. Um destes projetos, iniciado em 2003, foi interrompido por conta do grande escândalo criado após a descoberta de uma fraude na licitação pública – a construtora “vencedora” da licitação chegou a receber desembolsos antecipados de R$ 19 milhões da Prefeitura de Ipojuca, algo completamente irregular nas Administrações Públicas do país (em obras públicas, os pagamentos são feitos através de medições, onde a construtora recebe após comprovar a realização dos trabalhos). O resultado destes inúmeros projetos inacabados são canteiros abandonados, vias com calçamento destruído, muito desperdício de dinheiro público e problemas com esgotos persistindo por todos os lados.

Além dos problemas com os esgotos locais, o litoral de Porto de Galinhas também recebe impactos indiretos a partir da foz do Rio Ipojuca (veja reportagem em vídeo), um dos rios mais poluídos do Brasil e que fica a aproximadamente 15 km de distância da Vila. O Ipojuca recebe o despejo diário de milhões de litros de esgotos domésticos das inúmeras cidades localizadas em suas margens, além do descarte de lixo doméstico e toda a sorte de resíduos, despejos de vinhoto e outros resíduos das indústrias sucroalcooleiras (usinas, destilarias e canaviais), efluentes de matadouros, entre outras fontes de poluição encontradas ao longo de todo o curso do rio. O lançamento de esgotos industriais no município de Ipojuca também é preocupante, uma vez que inúmeras fábricas estão sendo atraídas para a região por causa dos incentivos fiscais oferecidos pelo Governo de Pernambuco por conta do Complexo Industrial e Portuário de Suape.

Ou seja: seu passeio dos sonhos em Porto de Galinhas, a depender intensidade das chuvas, da força das enchentes e das direções seguidas pelas correntezas do mar, pode até se transformar num pesadelo, indo desde o males da esquistossomose aos problemas das doenças de veiculação hídrica provocadas pelos resíduos de esgotos encontrados nas areias das praias e nas águas mornas do mar.

Leia também:

A PROBLEMÁTICA FOZ DO RIO IPOJUCA, OU O “TURISMO DE RISCO” EM PORTO DE GALINHAS

O ABASTECIMENTO DE POPULAÇÕES COM AS ÁGUAS DO IPOJUCA, OU FALANDO DE ESQUISTOSSOMOSE

Reportagem em Vídeo:

A SINA DO RIO IPOJUCA

 

Números do Blog: Esta é a postagem n° 400 e bastaram apenas 10 dias de 2018 para superar todas as visitas que tivemos em todo o ano de 2016. Mazel Tov!

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2 Comments

  1. […] A esquistossomose, porém, não fica limitada somente nas áreas da calha do rio Ipojuca. A mesma destruição da Mata Atlântica que reduziu as populações de aves predadoras dos caramujos, também se prestou ao progressivo aumento de grandes enchentes no rio Ipojuca, eventos que ajudaram a espalhar os caramujos para outras localidades, onde destacamos a vila de Porto de Galinhas, um distrito do município de Ipojuca. A vila, que é um dos mais importantes destinos turísticos do Estado de Pernambuco, foi invadida por caramujos das espécies Biomphalaria glabrata e Biomphalaria straminea. Sem contar com uma infraestrutura de saneamento básico minimamente satisfatória, Porto de Galinhas passou a representar um risco para a saúde de dezenas de milhares de turistas que, sem consciência, estão expostos aos riscos de contaminação pela esquistossomose.  […]

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