RIOS E CÓRREGOS DESAPARECEM NO NORTE DE GOIÁS

Riacho Fundo em Formosa

Para iniciarmos esta postagem, deixem-me apresentar alguns conceitos importantes, que vão ajudar a compreender bem o texto:

Hidrologia é a ciência que trata da água na Terra, sua ocorrência, circulação e distribuição, além de se ocupar das propriedades físicas e químicas da água e a sua reação com o meio ambiente, incluindo sua relação com as formas de vida. Dentro da hidrologia, uma área de estudo importante é a infiltração de água no solo – este processo pode ser definido como a passagem de água da superfície para o interior do solo, o que dependerá da disponibilidade de água para infiltrar, da natureza do solo, do estado da sua superfície, e das quantidades inicialmente presentes de ar e água no seu interior. As reservas de água no solo serão fundamentais para garantir o escoamento da água na superfície na forma de riachos, córregos e rios – se existirem grandes reservas de água armazenadas no solo, serão maiores as chances dos cursos de água serem permanentes; se as reservas não forem significativas, teremos escoamentos não permanentes ou temporários. O fluxo permanente ou temporário das águas de um rio ou córrego terá repercussões em todo o ecossistema, tanto na água quanto nas áreas ao redor.

Colocando estes conceitos na prática – no Norte do Estado de Goiás, vários rios e córregos passaram a ficar completamente secos ou com níveis de água extremamente baixos no período das secas. Apesar de ser um fenômeno bastante comum em rios e riachos da região do semiárido nordestino, nesta região de Goiás, onde os rios sempre foram permanentes, o fenômeno passou a ser observado nos últimos dez anos. Populações que sempre dependeram das águas destes rios e córregos, agora têm enfrentado sérios problemas. Um exemplo deste seríssimo problema é o rio do Ouro que atravessa o município de Porangatu.

Considerado um dos mais importantes corpos hídricos da região, o rio do Ouro neste momento está reduzido a um leito seco, que mais parece um caminho de areia e pedras. Até o ano de 2010, o rio era considerado perene, apresentando água durante todo o ano. De lá para cá, todos os anos, o rio passou a secar completamente no período da estiagem. O fenômeno do rio do Ouro não é um caso isolado – existem ao menos dez rios de Goiás que estão apresentando exatamente o mesmo comportamento. O córrego Bom Sucesso, na mesma região do rio do Ouro, também tem se transformado num caminho de areia e folhas secas nos períodos de estiagem. Na cidade de Goiás, os rios Bacalhau e Bagagem estão se comportando como intermitentes desde 2008; desde a mesma época, os rios Santa Maria e Correntes, na região de Flores de Goiás, Formosa e Alvorada do Norte, também passaram a ser intermitentes.

O abastecimento de água na cidade de Porangatu, apesar da situação crítica, ainda não foi afetado porque a captação é feita em um outro rio da região que ainda se mantém com características de um rio permanente. Os moradores da região esperam ansiosamente pela chegada do período das chuvas, enfrentando temperaturas próximas dos 40° C, as mais altas registradas neste ano no Estado de Goiás, e com níveis de umidade do ar próximos dos 10%, o que é considerado um clima de deserto. O rio do Ouro se forma a partir de pequenos cursos de água que nascem em regime de enxurrada na Serra do Paranã, que sem as chuvas desaparecem. De acordo com as autoridades locais, este é um fenômeno natural que se repete em intervalos regulares – a intensidade deste fenômeno, porém, está preocupando muita gente.

Especialistas afirmam que a derrubada de matas no campo e nas margens dos rios está na raiz do problema. A presença de uma densa cobertura vegetal favorece a infiltração de água no solo – a vegetação dificulta o escoamento superficial da água durante o período das chuvas, facilitando e aumentando o tempo que a água tem para infiltrar no solo. A vegetação nativa do Cerrado, apesar de se apresentar com árvores de pequeno porte e arbustos retorcidos, o que dá uma aparência de extrema pobreza vegetal, têm uma característica que a diferencia de outros sistemas florestais – as plantas possuem raízes extremamente grandes e profundas. Essa característica única se desenvolveu para permitir que as plantas conseguissem sobreviver aos longos períodos de estiagem, captando a água armazenada em profundos lençóis subterrâneos. São estas mesmas raízes profundas que permitem que as águas das chuvas penetrem profundamente nos solos para recarregar estas reservas subterrâneas. Com o avanço da fronteira agrícola na região do Cerrado nas últimas décadas, grande parte da vegetação nativa foi derrubada para a implantação de grandes plantações de soja e milho, além da formação de pastagens para o gado. Essa “nova” vegetação é muito rala e apresenta raízes muito superficiais, o que vem dificultando cada vez mais a infiltração da água e reduzindo cada vez mais a produção de água nas nascentes. Vale lembra que o Cerrado é o “berço das águas” do Brasil – as mais importantes bacias hidrográficas brasileiras têm nascentes na região: rios Tocantins/Araguaia, Paraná e São Francisco.

O Professor Altair Sales Barbosa, diretor do Instituto do Trópico Subúmido e professor da PUC – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, reitera estas informações, afirmando que, com o desmatamento e a redução da vegetação nativa, a água não está conseguindo alcançar as regiões mais profundas para reabastecer os aquíferos, que chegaram ao nível mínimo e não estão conseguindo abastecer as nascentes:

“A quantidade de água existente nesses aquíferos já chegou ao seu nível mínimo. É como se fosse uma caixa d’água com vários furos. Os furos são as nascentes. Quando ela está cheia, a água sai por muitos furos. Conforme vai esvaziando, vai saindo nos furos mais inferiores, até chegar ao último furo e há um momento em que não sai mais. Estamos em um momento em que [a água] está saindo, mas de maneira muito rudimentar, menor do que saía há 20, 40 anos.”

A agricultura intensiva causa um outro forte impacto nos rios da região – grandes quantidades de água são retiradas dos rios para a irrigação das lavouras. Sem uma gestão adequada dos volumes retirados, existem grandes desperdícios e uma parcela importante da água se perde por evaporação. Com quantidades cada vez menores de água nos rios e com retiradas cada vez maiores para os mais diversos usos, acontece o óbvio: os rios secam (literalmente, ficam zerados).

A foto que ilustra este post mostra o aspecto atual do Riacho Fundo na cidade de Formosa – um leito completamente seco, sem uma única gota de água. Imagine você o impacto desta situação para todos os sitiantes e moradores das margens, que sempre dependeram do riacho para sobreviver e que agora precisam procurar outras fontes de abastecimento. Para a fauna local, não acostumada com o desaparecimento da água, a seca pode significar a morte. Espécies de animais de regiões semiáridas, onde é comum a presença de rios intermitentes, estão melhor adaptadas para estas situações e tiveram milhares de anos para desenvolver mecanismos de adaptação para períodos de seca extrema – as espécies do Cerrado são adaptadas para tolerar o clima seco dos períodos de estiagem, porém, como sempre dispuseram de fontes de água permanentes, não se adaptaram a falta contínua de água.

É um fenômeno preocupante que, dada a contínua e intensa destruição dos últimos fragmentos de matas originais do Cerrado, tende a se agravar.

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8 Comments

  1. […] Conforme já comentamos em inúmeras postagens aqui no blog, a presença de vegetação é fundamental para a proteção dos solos contra os efeitos da erosão e também para permitir a infiltração da água das chuvas nos solos, recarregando aquíferos e lençóis subterrâneos. Um exemplo brasileiro da importância da cobertura vegetal é o Cerrado, o segundo maior bioma do país. A vegetação nativa dos solos do Cerrado possui sistemas de raízes bem desenvolvidas e profundas, fundamentais para a infiltração da água das chuvas nos solos. Com o avanço das frentes agrícolas em toda a Região Centro-Oeste do Brasil, onde grandes extensões de vegetação do Cerrado estão sendo derrubadas, nota-se uma clara redução dos caudais dos rios.  […]

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