FALANDO DO CERRADO E DE SUAS RELAÇÕES COM A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO

Nascente do Rio São Francisco

No meu último post comecei a falar de uma questão chave para o entendimento da situação de degradação das águas do Rio São Francisco – a destruição sistemática das áreas de Cerrado pela expansão da agricultura. Dentro de todo um mosaico de problemas que, somados, estão destruindo e inviabilizando o Velho Chico, a redução das áreas de Cerrado destaca-se. Esse bioma é reconhecido como “o berço das águas” do Brasil e sua manutenção é essencial para garantir o volume dos caudais da bacia hidrográfica do Rio São Francisco e de outros grandes rios brasileiros. Vamos entender melhor essa questão.

De acordo com informações do Ministério do Meio Ambiente, o Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul, ocupando uma área de 2 milhões de km², somente ficando atrás da Floresta Amazônica, que ocupa uma área de 5,5 milhões de km² em 9 países – 60% da Floresta Amazônica fica em território brasileiro, ocupando cerca de 22% do território nacional. A área do Cerrado abrange os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além dos encraves no Amapá, Roraima, Amazonas, e também pequenos trechos na Bolívia e no Paraguai. Neste espaço territorial encontram-se as nascentes de importantes bacias hidrográficas da América do Sul como a Amazônica, Tocantins, Paraguai, Paraná e São Francisco, o que resulta em um elevado potencial aquífero e favorece a sua biodiversidade.

Quando comparado a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica, o Cerrado não impressiona à primeira vista – árvores pequenas e retorcidas, com no máximo 15 metros de altura na região dos campos e com até 25 metros nas matas ciliares, espalhadas em grandes espaços de campos abertos com alguns arbustos. Mas isso é só ilusão: o Cerrado é considerado como uma das áreas de savanas mais ricas em biodiversidade do mundo, com 11.627 espécies de plantas nativas já catalogadas em seus diversos tipos de habitats. Em termos de vida animal, o Cerrado também se destaca: são 199 espécies de mamíferos, 837 espécies de aves, 180 espécies de répteis e de 150 espécies de anfíbios. Já foram catalogadas mais de 1.200 espécies de peixes, porém, devido ao encontro de importantes bacias hidrográficas na região, ainda não foi possível se determinar quais espécies são endêmicas do Cerrado. Estimativas recentes mostram que o bioma é refúgio de 13% das borboletas, 35% das abelhas e de 23% dos cupins dos trópicos.

Três dos principais aquíferos da América do Sul encontram-se total ou parcialmente sob áreas do Cerrado: o Guarani, o Bambuí e o Urucuia. As águas das chuvas que caem em áreas do Cerrado infiltram em grande parte nos solos porosos e ficam armazenadas nestes aquíferos. As nascentes em áreas do Cerrado abastecem 8 das 12 principais bacias hidrográficas brasileiras – essa água do subsolo responde por cerca de 90% da vazão dos rios do bioma. A preservação da vegetação é fundamental para que se permita a recarga destes aquíferos.

Os solos do Cerrado são muito antigos e apresentam uma alta porosidade – expostos às chuvas e ao intemperismo ao longo de milhões de anos, esses solos sofreram um processo de lavagem da camada externa pela água, o que diminuiu, em elevado grau, a sua fertilidade ao longo do tempo. Também são solos que apresentam uma elevada acidez e, durante muito tempo, foram considerados inadequados para a agricultura em larga escala. Graças a essas características, o bioma permaneceu praticamente inalterado até meados do século XX. A partir das últimas décadas, tecnologias para a correção dos solos do Cerrado passaram a ser utilizadas, como a calagem – correção da acidez mediante a aplicação de calcário, a adubação fosfatada e a adubação potássica. Por outro lado, a Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, desenvolveu variedades de grãos especialmente adaptados às características do Cerrado, com destaque para a soja – o Cerrado deixou de ser o “patinho feio” e se transformou na mais importante fronteira agropecuária do Brasil dos últimos 50 anos, quebrando recordes de produtividade ano após ano. A estimativa da colheita de grãos em 2017 é de 225 milhões de toneladas – o Estado de Minas Gerais deve contribuir com 6% desta produção, concentrando plantações em grande parte das áreas do Cerrado mineiro, lembrando que nestas áreas concentram-se importantes nascentes dos principais rios formadores da bacia hidrográfica do Rio São Francisco.

Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ocupação humana, onde se estima que mais de 50% de suas áreas originais de vegetação natural já foram substituídas por campos agrícolas e pastagens para rebanhos. Além da supressão da vegetação nativa, o que compromete as nascentes de água, essas atividades pressionam os corpos hídricos captando grandes quantidades de água para uso em irrigação, onde excedentes voltam para os leitos dos rios contaminados por fertilizantes e agrotóxicos; sem a proteção da vegetação nativa, grandes volumes de sedimentos dos solos expostos acabam sendo arrastados na direção das calhas dos rios, assoreando e entulhando os canais. Como resultado, bacias hidrográficas como a do São Francisco recebem quantidades de água cada vez menores e com qualidade cada vez mais baixa dos seus antigos tributários do Cerrado.

Continuaremos a falar do Cerrado no próximo post.

7 Comments

  1. […] As chapadas geralmente se localizam em pontos onde diferentes biomas se encontram, o que as transforma em importantes locais de refúgio para a biodiversidade, e também pela presença de inúmeros afloramentos de água e nascentes de rios. A Chapada Diamantina se encontra no limite entre a Mata Atlântica e o Semiárido Nordestino, além de apresentar fragmentos de vegetação do Cerrado.  […]

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