Ao longo de toda uma sequência de publicações foi possível mostrar todo um conjunto de problemas ambientais que, desde os tempos do início da nossa colonização, estão degradando e destruindo gradativamente o nosso bom e velho Rio São Francisco. Se você leu e prestou atenção nos textos, o que vem acontecendo com as águas do Velho Chico é, em grande parte, reflexo das agressões antrópicas aos diversos biomas das áreas da bacia hidrográfica: problemas ligados ao desmatamento, mineração, lançamento de esgotos e agricultura entre outros; problemas exclusivos nas águas estão ligados aos muitos represamentos feitos para a construção de hidrelétricas, criados sem maiores preocupações com os impactos ambientais. De todos os biomas atravessados pelas águas do Rio São Francisco, a caatinga é o ambiente mais alterado e degradado, onde os problemas estão atingindo uma proporção catastrófica em várias regiões: a desertificação.
De acordo com a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, a definição deste fenômeno “é a degradação da terra nas regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultante de vários fatores, entre eles as variações climáticas e as atividades humanas”. Em diversas regiões do mundo estão ocorrendo diversos processos de desertificação – no Brasil, a Região Nordeste é a que apresenta um maior número de áreas afetadas gravemente por processos de desertificação, onde se estima um total de 230 mil km² de áreas da caatinga em processo extremo de desidratação (graves ou muito graves), estágios em que os solos tendem a se tornar imprestáveis para qualquer uso. No Norte do Estado de Minas Gerais, existe uma área de 69 mil km² em risco extremo de desertificação, englobando um total de 59 municípios nas regiões do Vale do Jequitinhonha e Mucuri. Para que você tenha ideia da área total destas duas regiões em risco graves ou muito graves de desertificação, ela é maior que a soma das áreas dos Estados de São Paulo (248 mil km²) e Rio de Janeiro (43,7 mil km²). Se consideradas todas as áreas do país em risco de desertificação, incluindo-se aquelas em risco inicial, baixo e intermediário, chegamos aos 900 mil km².
O Estado de Alagoas é um dos mais afetados pelo processo, com 62% dos municípios apresentando áreas em processo de desertificação, sendo que os casos mais graves são encontrados nos municípios de Ouro Branco, Maravilha, Inhapi, Senador Rui Palmeira, Carneiros, Pariconha, Água Branca e Delmiro Gouveia. No Estado da Bahia, uma área com extensão de 300 mil km² no sertão do São Francisco tem solos que já não conseguem reter água, sinal de alerta para o risco de desertificação; os municípios ribeirinhos do Rio São Francisco de Petrolina, em Pernambuco, e de Paulo Afonso, na Bahia, têm áreas mapeadas em estado crítico de desertificação, que ameaçam, respectivamente, 290 mil e 108 mil habitantes. Estes são apenas alguns números deste gravíssimo processo de destruição dos solos.
Além das áreas nos antigos domínios da Zona da Mata nordestina, o desmatamento afetou fortemente as áreas da caatinga e do agreste, onde as árvores foram queimadas sucessivamente para ampliação dos campos para a pastagem dos bois, tema que tratamos em postagens anteriores. Além dessa destruição progressiva e histórica, a vegetação restante continua sofrendo sistematicamente desmatamentos para exploração da madeira, usada como material para a construção de casas e para a fabricação de móveis, portas e janelas; como lenha (que responde por 30% da energia utilizada na Região Nordeste) e até mesmo para uso como mourões de cercas de arame farpado. Em décadas passadas, milhares de árvores da região da caatinga foram derrubadas para a fabricação de dormentes para as ferrovias construídas na região – para que você tenha ideia do que foi a destruição causada por essas obras, calcula-se que cada quilômetro de trilhos assentados utilizou dormentes construídos com a madeira de 500 árvores.
Além dos impactos causados pela destruição das matas a “ferro e a fogo”, como costuma se dizer, existe uma causa importante de desertificação nem sempre levada muito a sério: os rebanhos de cabras e bodes do sertão. O botânico Alberto Loefgren (1854-1918), sueco de nascimento e depois radicado no Brasil, estudando a devastação das árvores e das matas nas terras do Ceará, atribuiu um papel importante nesta degradação vegetal aos rebanhos soltos na região:
“Outro fator não desprezível na devastação das matas, ou pelo menos para conservar a vegetação em estado de capoeira, são as cabras. Sabe-se quanto este animal é daninho para a vegetação arborescente e arbustiva e como a criação de cabras soltas no Ceará é, talvez, maior que a do gado, sendo fácil imaginar-se o dano que causa à vegetação alta”.
Além da retirada de lenha e das cabras, a degradação dos biomas que levam à desertificação continua a ocorrer diariamente: vegetação e terra sofrem com queimadas frequentes para preparação dos solos para agricultura e para pecuária, destruição de matas que protegem as nascentes e os rios do assoreamento e até os sistemas de irrigação, que captam água em excesso, comprometendo cursos d’água e causando salinização do solo, além da mineração e extração de argila do leito de rios para abastecer a indústria de cerâmica. Os solos desertificados que surgem, tem suas areias carregadas pelos ventos e pelas águas das poucas chuvas, contribuído cada vez mais para o assoreamento dos raros rios permanentes da região, como o Rio São Francisco.
Continuamos no próximo post.
[…] e que bem gerenciados (a sobrecarga destes animais em áreas pequenas pode levar a processos de desertificação) podem ser uma alternativa econômica à criação de […]
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[…] que pode ser observado em todo o Brasil. Em muitas regiões, o problema já tornou gravíssimo e a desertificação avança com muita força. A Região Nordeste é a que apresenta um maior número de áreas […]
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[…] pouco em pouco, a luxuriante Chapada do Araripe vai se transformando em uma terra destruída e calcinada, como vem acontecendo por toda a região da Caatinga nordestina desde os primeiros anos de nossa […]
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[…] das plantas nos momentos de falta de pastagens, um comportamento que se reverte na degradação e desertificação dos solos. O grande botânico de origem sueca Albert Loefgren (1854-1918) estudou profundamente o assunto e […]
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[…] processos de desertificação são muito mais graves e vão muito além dos problemas criados com os desmatamentos. Sem a […]
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[…] super exploração dos recursos naturais de áreas de antigas savanas no Norte da África e os processos de desertificação observados em áreas da Região do Semiárido brasileiro devem servir como um alerta. […]
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