
O bioma Cerrado ocupa mais de 2 milhões de km² e abrange áreas nos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além dos encraves no Amapá, Roraima e Amazonas (que são chamados de Campos Amazônicos).
Formado por solos considerados pobres e de baixa fertilidade, o Cerrado ficou relegado a um segundo plano na história econômica brasileira por muito tempo. Nas últimas décadas, com o desenvolvimento de tecnologias para a correção dos solos e criação de sementes de grãos adaptas especialmente para o plantio no bioma, o Cerrado foi transformado no mais importante celeiro agrícola do Brasil.
Falando apenas da soja, o grão mais importante produzido no país: mais de 60% da produção está concentrada em áreas de Cerrado. Essas terras também se destacam na produção de algodão e milho, entre outras culturas, além de uma pecuária de alta produtividade.
O verdadeiro “pulo do gato” dessa revolução agrícola começou na década de 1970, com o desenvolvimento pela Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, de grãos especialmente adaptados para o clima e solos do Cerrado, com destaque para a soja.
De um modo geral, os solos do Cerrado possuem uma baixa fertilidade natural, são altamente permeáveis e possuem uma baixa capacidade de reter água nas camadas superficiais. Completando o quadro, esses solos possuem altos teores de ferro e de alumínio em sua composição. Também é preciso destacar que possuem grandes reservas de água no subsolo.
A vegetação nativa do bioma passou por uma série de mudanças evolutivas, se adaptando para essas condições ambientais. Essas plantas desenvolveram sistemas de raízes maiores e mais profundas como estratégia para contornar esses problemas nos solos.
Os cultivos comerciais mais tradicionais como a soja e o milho possuem raízes curtas e, portanto, não se desenvolviam adequadamente nos solos do bioma. Depois de 10 anos de pesquisas e de melhoramentos genéticos nas plantas, a Embrapa lançou a variedade de soja “Doko”, um cultivar especialmente adaptado para os solos do bioma Cerrado, em 1980. De lá para cá a empresa lançou mais de 50 variedades de soja especialmente adaptadas para o Cerrado.
Além da soja, a Embrapa desenvolveu inúmeras outras variedades de culturas agrícolas adaptadas para o Cerrado, com destaque para o milho e o feijão, o algodão herbáceo, além de plantas como a mandioca e a cana-de-açúcar. Um dos mais recentes sucessos da empresa é o trigo.
Desde 2012, pesquisadores da EMBRAPA vinham trabalhando na tropicalização do trigo, cultura que se adaptou muito bem ao clima subtropical do Sul do Brasil. Cerca de 90% da produção brasileira de trigo, estimada em 7,7 milhões de toneladas, está concentrada em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. O consumo brasileiro é de 12,7 milhões de toneladas, o que obrigada a importação de mais de 5 milhões de toneladas a cada ano.
Os esforços dos pesquisadores levaram à criação das variedades de trigo BRS 264, BRS 394 e BRS 404, todas adaptadas para o cultivo no Cerrado. Plantios experimentais dessas variedades começaram a ser feitos em Goiás, no Distrito Federal e em Minas Gerais, onde se obteve uma produtividade acima da média brasileira. Em 2021, um produtor de Cristalina, em Goiás, obteve uma produtividade de 9,6 toneladas por hectare, mais de três vezes a média obtida no Sul do Brasil.
A mais nova frente de pesquisas são os Campos Amazônicos de Roraima, que são muito parecidos com os do Cerrado. O plantio experimental foi feito no final de 2021 e os resultados da primeira colheita foram promissores. As variedades utilizadas foram as mesmas desenvolvidas para o Cerrado.
A produtividade obtida em Roraima foi superior à do Sul do Brasil, com um período de desenvolvimento das plantas na faixa de 75 dias, enquanto na Região Sul esse período pode chegar aos 180 dias. As perspectivas para a cultura nas áreas de campos naturais da Amazônia são extremamente promissoras.
Todos esses esforços em pesquisa e desenvolvimento não tardaram a mostrar resultados. Os antigos domínios do Cerrado concentram atualmente 36% de todo o rebanho bovino nacional, sendo que 30% dos solos do bioma foram transformados em pastagens para boiadas. Cerca de 63% da produção brasileira de grãos está concentrada no Cerrado, onde se inclui mais da metade de toda a produção brasileira de soja.
Todo esse sucesso na agricultura e na pecuária, entretanto, acabou se voltando contra a fauna e a flora nativa desse grande bioma. Nas últimas décadas o Cerrado se transformou numa espécie de campeão nacional em desmatamentos e queimadas.
Nos últimos dez anos o Cerrado foi o bioma brasileiro que sofreu a maior perda de área nativa – 50 mil km², área maior do que o território do Estado do Rio de Janeiro. A região conhecida como Matopiba, que incorpora áreas dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, é a maior fronteira agrícola atual de expansão da cultura da soja e apresenta as maiores perdas de vegetação e de espécies animais nativas do Cerrado.
De acordo com dados do SAD Cerrado – Sistema de Alerta de Desmatamento, os desmatamentos registrados no bioma foram de 815.532 hectares em 2022, um crescimento de 20% em relação ao ano anterior.
Outra grande ameaça ao bioma, que vem no encalço dos avanços da agricultura e da pecuária, são as grandes queimadas e incêndios florestais – foram 7,4 milhões de hectares queimados em 2022, de acordo com dados do Monitor do Fogo, uma iniciativa do MapBiomas Fogo em parceria com o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Além das grandes ameaças a flora e a fauna do Cerrado, esses problemas impactam diretamente nos importantes recursos hídricos da região. Conforme já tratamos em diversas postagens aqui do blog, o Cerrado é o “berço das águas do Brasil” – 8 grandes bacias hidrográficas brasileiras têm nascentes no bioma: Paraguai, Paraná, Parnaíba, São Francisco, Tocantins/Araguaia, Atlântico Leste, Atlântico Nordeste Ocidental e Amazônica (cerca de 4% do total).
Um único exemplo da importância dos recursos hídricos do bioma: 94% das águas que formam a bacia hidrográfica do rio São Francisco vem de rios com nascentes que ficam dentro de áreas do Cerrado.
É ou não um excelente motivo para se preocupar com a conservação da biodiversidade desse grande bioma brasileiro?