
Um blog especializado em temas ambientais e recursos hídricos não poderia deixar de comentar essa notícia:
Depois de 12 anos sem atingir a sua capacidade de armazenamento, a barragem da cidade cearense de Quixeramobim, localizada a pouco mais de 200 km de Fortaleza, atingiu 100% de sua capacidade e começou a verter água ou “sangrar” como dizem os sertanejos.
A população da cidade, emocionada com o momento, que costuma ser raro no sertão, se reunião junto a barragem para acompanhar o momento em que a água começou a passar pelo vertedouro exatamente às 18 horas.
No início do último mês de março, esse açude estava no volume morto, uma situação que estava tirando o sono dos mais de 80 mil habitantes de Quixeramobim. Segundo a FUNCEME – Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, o volume de chuvas na cidade foi 132,8% acima da média histórica, o que recuperou rapidamente o volume de água armazenada no açude.
Segundo este órgão, essa água será suficiente para o abastecimento da população por até dois anos. Isso ajuda a explicar a emoção dos moradores no momento em que a barragem começou a “sangrar”.
Esse açude foi construído entre os anos de 1958 e 1960, pelo DNOCS – Departamento Nacional de Obras contra a Seca. Ele fica no leito do rio Quixeramobim, corpo de água que está inserido na bacia hidrográfica do rio Banabuíú e pode armazenar 54 milhões de m³ de água.
O rio Quixeramobim nasce na Serra das Matas em Monsenhor Tabosa e banha os municípios de Boa Viagem, Quixeramobim e Banabuiú, onde encontra sua foz no Rio Banabuiú. Como acontece com todos os rios do semiárido, o Quixeramobim sofre grandes variações nos seus caudais entre o período das chuvas e da seca.
Cerca de 90% dessa bacia hidrográfica fica inserida na Caatinga, bioma que já perdeu metade de sua área vegetal original. As principais causas do desmatamento desse bioma é a extração de madeira para uso como combustível pela população e produção de carvão, além da derrubada de matas para a formação de pastagens para o gado.
Repetindo “uma ladainha” exaustivamente tratada aqui nas postagens do blog, os criadores de gado das regiões litorâneas do Nordeste foram expulsos para o interior do semiárido durante o Ciclo da Cana-de-açúcar. Inclusive, foi publicada uma Carta Régia assinada pelo Rei de Portugal em 1701, proibindo a criação de gado a menos de 60 km do litoral.
A origem das brigas entre os produtores de açúcar e os criadores eram as constantes invasões das plantações pelos animais, que não resistiam à visão de grandes extensões de campos cobertos com brotos tenros e adocicados de cana-de-açúcar.
Gradualmente, os criadores começaram a levar suas boiadas na direção da região do Semiárido, um bioma nada adequado para suportar essa atividade. Encontrando poucas áreas de campo, esses criadores passaram a queimar grandes extensões de caatingais, aumentando as áreas de campos.
Essa solução era sempre temporária e a vegetação rasteira dos campos durava poucos meses, o que forçava os criadores a queimar sistematicamente novas áreas de caatingais. Os animais foram se adaptando ao consumo de várias espécies de vegetais que cresciam nesses campos e caatingais,
É sempre oportuno lembrar que essas boiadas não eram formadas exclusivamente por bovinos. Esses rebanhos também incluíam cabras, bodes, ovelhas e toda espécie de equinos e muares. Esses rebanhos foram, gradativamente, se afastando cada vez mais do litoral.
A vegetação do Semiárido, em função do clima e dos tipos de solo, pode ser dividida, de forma muito rudimentar em três áreas: o Agreste, a Caatinga e o Alto Sertão. Cada uma destas áreas possui uma quantidade imensa de subdivisões dos tipos de vegetação, formando biomas independentes e completos.
Pela sua maior extensão e importância, a Caatinga é sempre o tipo de vegetação mais citada. Ao contrário da imagem estereotipada de árvores eternamente secas e retorcidas, a vegetação do sertão é altamente especializada em função do clima e acompanha a disponibilidade da água.
Quando chove, a vegetação se apresenta verdejante – já em épocas de seca, as folhas das árvores caem como forma de conservar a energia das plantas e se sobressaem as cactáceas como o mandacaru, o xiquexique e a coroa-de-frade. Um exemplo da adaptação da vegetação do sertão é a babugem, uma vegetação rasteira de rápido crescimento, que em poucos dias pinta o chão da caatinga de verde, a cor da esperança – o sertão renasce das cinzas tal qual a mitológica fênix.
De acordo com informações da SEMA – Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima, do Ceará, a Caatinga cobre 90% do território cearense, característica que explica a frequência e a grande intensidade dos ciclos de seca no Estado.
O grande botânico Alberto Loefgren (1854-1918), sueco de nascimento e depois radicado no Brasil, estudando a devastação das árvores e das matas nas terras do Ceará, colocou essa questão em perspectiva e atribuiu um papel importante aos rebanhos animais criados soltos na região, especialmente os caprinos:
“Outro fator não desprezível na devastação das matas, ou pelo menos para conservar a vegetação em estado de capoeira, são as cabras. Sabe-se quanto este animal é daninho para a vegetação arborescente e arbustiva e como a criação de cabras soltas no Ceará é, talvez, maior que a do gado, sendo fácil imaginar-se o dano que causa à vegetação alta”.
Felizmente, a temporada das chuvas este ano no Ceará está sendo muito acima da média histórica e um grande número de açudes estão sangrando. Todos esses problemas e lembranças associadas a devastação ambiental e à seca deverão ficar em segundo plano por enquanto.
É hora de festejar!
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