O DIA DE SÃO JOSÉ, OU FALANDO DE FÉ E CHUVAS 

No último domingo, dia 19 de março, foi comemorado o dia de São José, um santo muito venerado pelos sertanejos, especialmente no Estado do Ceará. Aliás, São José é o padroeiro do Estado desde 1621, ano em que foi publicado um decreto pelo Papa Gregório XV. 

De acordo com a tradição religiosa, São José foi o marido de Maria e o pai de Jesus Cristo. Carpinteiro de profissão, São José é considerado o protetor da Igreja Católica e padroeiro dos trabalhadores e das famílias por seu trabalho como artesão e por ser patriarca da Sagrada Família. 

Segundo a crença dos sertanejos, se as chuvas caírem até o dia de São José estará garantido um bom período de precipitações e de boas colheitas em todo o sertão. A temporada de chuvas é chamada de inverno na região. 

De acordo com os meteorologistas, a data do dia do padroeiro fica muito próxima do equinócio de outono, que ocorreu no último dia 22 de março. Nesse dia, os dois hemisférios da Terra ficam igualmente iluminados pelo Sol, o que faz com que o dia e a noite tenham exatamente a mesma duração. A partir desse momento, o Hemisfério Sul passa a receber menos luz solar, o que marca a chegada do outono. 

A partir do equinócio de outono as regiões próximas da linha do Equador recebem uma maior incidência de raios solares. Isso leva a um aumento do volume de ventos úmidos que chegam, o que, geralmente, pode resultar em chuvas. O Ceará e outros Estados que ficam mais ao Norte ficam dentro dessa região. 

Um bom período chuvoso no sertão, entretanto, também dependerá da ZCIT – Zona de Convergência Intertropical. Esse é um sistema meteorológico que permite a formação de grandes massas de umidade no oceano nas regiões tropicais e sua transferência para médias e altas altitudes. São essas nuvens que trazem as chuvas para o sertão. 

Para o homem simples que vive no Semiárido Nordestino, entretanto, o que vale mesmo é a fé no santo. 

A data é sempre marcada por procissões, novenas e muita oração por todos os cantos do Semiárido, especialmente nos períodos de seca. Os principais pedido dos fiéis, claro, são as chuvas e colheitas fartas. 

De acordo com informações do COGERH – Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos, do Ceará, o Dia de São José chegou com 21 açudes sangrando no Estado, além de outros 11 com uma capacidade de armazenamento acima dos 90%. Na média, os açudes cearenses estão com 33% de sua capacidade de armazenamento. 

O maior açude do Ceará, o Castanhão, está operando com pouco mais de 20% de sua capacidade. Esse açude foi inaugurado em 2002 e possui capacidade para armazenar 6,7 bilhões de m³. É considerado o maior reservatório para usos múltiplos da América Latina. Sua capacidade de armazenamento corresponde a 37% da capacidade total de armazenamento de todos os 8 mil reservatórios existentes no Estado do Ceará, incluindo-se na lista o Açude Orós, que durante décadas foi o maior de todos. 

Em sua capacidade máxima de armazenamento, o Castanhão tem condições de abastecer toda a Região Metropolitana de Fortaleza por 3 anos ininterruptamente – o problema é que desde 2012, os volumes de chuvas que caíram na bacia hidrográfica do rio Jaguaribe foram insuficientes para recuperar plenamente os níveis desse Açude. 

O Semiárido Brasileiro ocupa uma área com aproximadamente 925 mil km², onde vivem cerca de 23,5 milhões de pessoas. É considerada a região semiárida mais superpopulosa entre todas as regiões semiáridas do mundo. Para efeito de comparação, a região do Deserto do Saara tem 9,2 milhões de km² (quase dez vezes maior que o nosso Semiárido) e uma população de apenas 2,5 milhões de pessoas.   

Secas no Semiárido Nordestino não são novidades para ninguém – a região está sujeita a ciclos de seca em intervalos regulares. Em intervalos maiores, acontecem secas generalizadas e de efeitos devastadores. Exemplos dessa anomalia climática aconteceram em 1915 no Ceará e em toda a região do semiárido em 1877 e 1932, as duas maiores crises até hoje registradas.  

Uma das mais trágicas foi a “Grande Seca” que se abateu sobre a região entre os anos de 1877 e 1879. Segundo as estimativas da época, o número de vítimas fatais ficou entre 400 e 500 mil mortes. Para que todos tenham uma ideia do tamanho da tragédia, a população da região do Semiárido Nordestino era de 800 mil pessoas há época.   

Normalmente as secas, mesmo as mais extensas, ficam limitadas ao período de um ano, mas não é raro que esse desequilíbrio alcance um período maior, dois anos e até três. Segundo os registros oficiais do Governo e notas de antigos cronistas, testemunhas oculares, médicos e jornalistas, ocorreram grandes secas em 1744, 1790, 1846, 1877, 1915, 1932, 1951 e 1979. 

Grandes obras literárias como os romances “O quinze”, de Rachel de Queiróz, e “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, imortalizaram personagens que viveram essas grandes tragédias. A cultura nordestina está impregnada com toda uma sucessão de dramas pessoais das populações em diferentes ciclos de seca na região. A religiosidade do povo também é marcante. 

Conforme já tratamos em inúmeras postagens aqui do blog, esse superpovoamento e a formação de vilas e cidades no Semiárido Nordestino começou no período colonial, época em que a grande riqueza do Brasil era a indústria do açúcar. Grandes extensões do litoral do Nordeste foram ocupadas por gigantescos canaviais, que pouco a pouco ocuparam todos os antigos domínios da Mata Atlântica

As boiadas dos criadores de gado invadiam os canaviais, onde os animais se deliciavam comendo os brotos tenros e adocicados da cana-de-açúcar, gerando grandes protestos dos senhores de engenho. Os conflitos foram se acirrando, o que levou à expulsão das boiadas do litoral e sua migração para os sertões.  

O problema era tão sério que, em 1701, foi publicada uma Carta Régia assinada pelo Rei de Portugal proibindo a criação de gado a menos de 60 km do litoral. Eu costumo chamar esse processo de “diáspora bovina“. 

E para as populações que foram surgindo nessa região tão bela e inúmeras vezes inóspita e tão carente de recursos hídricos, restou muito pouco, principalmente sua religiosidade e fé. 

Valha-nos São José!” 

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