O SÚBITO DESAPARECIMENTO DO LAGO SAWA NO IRAQUE

Na nossa última postagem falamos do interessante caso do Lago Tulare, na Califórnia. Esse lago secou completamente há época da Segunda Grande Guerra Mundial e hoje, graças a uma excepcional temporada de chuvas em toda a Califórnia, o lago está ensaiando um ressurgimento. 

Esse lago ficava em uma grande depressão no Vale Central e era alimentado tanto por águas das chuvas quanto por caudais originados no derretimento de neves das montanhas de Sierra Nevada. O grande volume de águas captadas para usos em sistemas de irrigação agrícola é apontado como uma das principais causas para o desaparecimento do lago. 

Um outro caso interessante e exatamente oposto ao do Lago Tulare é o Lago Sawa, do Sul do Iraque, que simplesmente desapareceu em 2022. Esse lago era conhecido entre os iraquianos como a “Pérola do Sul” e tinha a fama de possuir águas minerais salgadas com propriedades terapêuticas.  

Esse lago possui inúmeras citações históricas e religiosas dentro da cultura do Iraque. Uma delas diz que as águas do lago se agitaram no dia do nascimento do profeta Maomé, fundador do islamismo. 

O Lago Sawa ficava na província de Muthanna, a cerca de 23 km da cidade de Al-Samawa. Tratava-se de um lago pequeno, com cerca de 4,5 km de comprimento e 1,7 km de largura. As supostas qualidades medicinais de suas águas,a exemplo doque ocorre no Mar Morto, transformaram o lago em uma importante atração turística da região. Essas águas eram ricas em sódio, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, cloro e carbonatos. 

Uma das principais características do Lago Sawa era a “origem misteriosa” de suas águas. Não existe nenhum rio ou canal superficial para o transporte das águas – elas correm desde o rio Eufrates a partir de canais subterrâneos ao longo de falhas entre as camadas de rocha. 

Especialistas em recursos hídricos do país vinham observando que o lago vinha diminuindo de tamanho a muitos anos. A forte seca que assolava grande parte da bacia hidrográfica dos rios Tigre e Eufrates era vista como uma das possíveis causas do problema. Mudanças climáticas regionais também podem estar ligadas ao fenômeno. 

Entretanto, existem evidências que sugerem que projetos de agricultura irrigada na região podem estar por trás do desaparecimento do lago. De acordo com informações do Ministério da Agricultura do Iraque, projetos de agricultura na região perfuraram mais de mil poços para captação de águas subterrâneas sem maiores preocupações ambientais. 

Essa questão mostra o verdadeiro caos administrativo que o país está vivendo. Projetos de agricultura irrigada precisam ser aprovados tanto pelo Ministério da Agricultura quanto pelo Ministérios dos Recursos Hídricos e pelo Governo das províncias. Na prática, infelizmente, esses órgãos trabalham sem qualquer tipo de coordenação. 

De acordo com uma reportagem publicada pelo portal de notícias do Oriente Médio Al-Monitor, o lago está reduzido a uma nascente com cerca de 20 metros quadrados (vide foto). As perdas de água por evaporação devido ao forte calor do deserto impedem uma recuperação mais expressiva do volume de água do lago. 

Como é usual no “dia seguinte” desse tipo de tragédia ambiental, surgiu um enorme debate no país em busca do responsável ou dos responsáveis pela má administração dos escassos recursos hídricos e pela política de agricultura que resultaram no desaparecimento do lago. Essa é uma tarefa bastante difícil num país que há várias décadas vem sendo marcado pelo caos administrativo. 

Falando apenas da história recente do país nos últimos cem anos, o Iraque moderno nasceu em 1919, ano em que o Império Otomano foi desmembrado. O país passou a ser administrado pelo Reino Unido, que manteve sua estrutura colonial até 1932. 

Após a “independência” em 1932, o Iraque passou a ser governado pelo Rei Faiçal (1932-1933) e depois por seus descendentes. Em 1940, um golpe de estado passou o comando do país para as mãos de Rashid Ali al-Gailani, um nacionalista radical que se opôs à cooperação com os britânicos. Em 1941, forças militares britânicas tomaram o país e reestabeleceram o poder à família Faiçal

A história política do Iraque foi bastante tumultuada entre os anos de 1959 e 1979, período em que ocorreram diversos golpes de estado no país e que levaria a ascensão do ditador Saddam Hussein, que governaria o Iraque até a invasão norte-americana em 2003. Desde então, diversos grupos têm se alternado no governo sem conseguir, efetivamente, dirigir o país. 

Entre os maiores problemas do Iraque destaco a total incompatibilidade dos três principais grupos étnicos que formam a população: sunitas, xiitas e os curdos. Os dois primeiros grupos possuem visões religiosas bastante distintas do islamismo. Os xiitas, inclusive, têm fortes ligações com o Irã, país que travou uma sangrenta guerra com o Iraque entre os anos de 1980 e 1988. 

A questão dos curdos é bem mais delicada. Esse povo não possui qualquer tipo de ligação com os demais iraquianos e se espalha pela região Norte do país, além de ocupar territórios na Síria, Turquia, Armênia e Irã. Os curdos têm língua e cultura próprias e lutam há várias décadas pelo reconhecimento internacional e criação do seu próprio território. 

Um exemplo que mostra a fragilidade política e administrativa do Iraque foi a decisão da Turquia de construir diversas represas nos rios Tigre e Eufrates dentro do seu território e sem dar qualquer tipo de satisfação aos iraquianos. Essas obras impactaram, e muito, nesses dois rios que são as principais fontes de água do Iraque

Dentro desse verdadeiro “balaio de gatos” que atende pelo nome de Iraque seria bastante difícil esperar qualquer medida, presente e futura, que venha salvar ou ao menos amenizar o desaparecimento do Lago Sawa. Uma grande pena! 

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