
Na última postagem falamos brevemente da alta eficiência dos agricultores de Israel, que conseguem produzir grandes volumes de alimentos gastando pouca água e com baixas perdas no transporte das cargas até os consumidores finais.
Sempre que as práticas agrícolas do pequeno país do Oriente Médio são citadas aqui no blog é inevitável não lembrar de uma região que trabalha de forma totalmente diferente na sua produção agrícola – o Imperial Valley no Sul da Califórnia nos Estados Unidos.
O Imperial Valley é um trecho do Deserto de Sonora, uma extensa região na divisa do Estado da Califórnia com o México. Como todo deserto, o Imperial Valley tem uma precipitação pluviométrica bastante baixa – 76 mm por ano, o que, em tese, criaria enormes dificuldades para a produção agrícola.
Essa região ficou muito conhecida em meados do século XIX, quando milhares de pioneiros atravessarem o Deserto de Sonora rumo a Califórnia. Falando um pouco sobre a história dos Estados Unidos – entre 1848 e 1852 houve a chamada “Corrida do Ouro na Califórnia”, quando foram descobertas as minas de Sutter’s Mill (uma espécie de Serra Pelada californiana), o que atraiu mais de 300 mil pessoas para o Estado.
Durante as penosas caravanas através do deserto, esses aventureiros observaram que, apesar de muito áridas, as terras do Imperial Valley eram extremamente férteis. Os solos da região foram formados a partir de sedimentos carreados por antigas cheias do rio Colorado. Para transformar esse grande vale em um celeiro agrícola bastava levar água até lá, algo que foi realizado na virada do século XIX para o XX.
Em 1901, o Governo dos Estados Unidos inaugurou o Canal do Rio Álamo, uma obra que passou a permitir o transporte de água a partir do rio Colorado utilizando um antigo leito de um rio seco. Em 1942, esse canal seria substituído por outro de maior capacidade – o All-American.
Com a chegada da água e a construção de uma complexa rede de canais de irrigação a partir dos primeiros anos da década de 1900, o antigo deserto foi transformado em milhares de hectares de terras cultiváveis, criando uma das regiões agrícolas mais produtivas dos Estados Unidos.
No total, o Imperial Valley passou a contar com mais de 2.300 quilômetros de canais de irrigação e 1.800 quilômetros de tubulações para o transporte de água. Esse sistema passou a distribuir um volume de água correspondente a 83% da cota de água do Rio Colorado a que tem direito o Estado da Califórnia (os Estados da bacia hidrográfica do rio Colorado possuem cotas de consumo de água).
Com fartura de água, terras férteis e muito sol, a região acabou transformada na principal fornecedora de frutas e de vegetais de inverno dos Estados Unidos, produzindo duas colheitas a cada ano, feito raro em um país de clima temperado. A região também é grande produtora de alfafa, vegetal utilizado na alimentação do gado, especialmente nos meses de inverno quando as pastagens naturais ficam cobertas por grossas camadas de neve ou secam.
O sucesso agrícola do Imperial Valley, entretanto, teve um alto custo ambiental – um uso cada vez mais abusivo de água. A intensa utilização de água na irrigação das terras do Imperial Valley, especialmente através do dispendioso processo de inundação de valas, criou um “subproduto” inesperado já nos primeiros anos do século XX – a percolação dos excedentes de água na direção de uma depressão ao Norte levou à formação do Lago Salton, transformado em uma atração turística no meio do deserto.
Apesar de toda a beleza cênica, a água formadora do Lago Salton sempre apresentou altos níveis de contaminação por agrotóxicos e fertilizantes utilizados nas plantações, formando uma grossa camada tóxica no fundo de areia. Durante décadas, a lâmina de água do lago manteve estes resíduos tóxicos longe da população. Com a redução do consumo de água na agricultura, esse lago teve seu volume reduzido e essas areias tóxicas passaram a prejudicar a saúde da população local.
Durante todo o século XX, o Imperial Valley foi sinônimo de produção farta e o alto lucro no meio de um deserto – enquanto as águas desviadas do Rio Colorado escorriam em abundância através dos canais e tubulações dos sistemas de irrigação, a terra respondia com colheitas crescentes. A partir do ano 2000, todo o Sudoeste dos Estados Unidos passou a enfrentar uma severa seca que, de acordo com especialistas, foi a maior seca na região em 1.200 anos e a Califórnia seria o Estado que mais sofreria as consequências entre os anos de 2010 e 2014.
A forte seca regional começou a afetar os rios formadores dos reservatórios de armazenamento de água de todo o sul do Estado da Califórnia, reduzindo fortemente a oferta de água pelos sistemas produtores e, consequentemente, a disponibilidade de água para abastecimento de cidades importantes como Los Angeles, San Diego e San Bernardino. A partir de 2010, quando a seca atingiu seu auge, grandes cidades do Sul da Califórnia foram obrigadas a impor uma redução compulsória de 25% no consumo de água das famílias, medida inédita na história americana.
Sem fontes de abastecimento alternativas, estas grandes cidades voltaram sua atenção para as águas do Rio Colorado, que desde muito tempo já chegavam ao Sul da Califórnia através de sistemas de transposição e alimentavam parte dos sistemas de abastecimento e distribuição. Porém, entre o Rio Colorado e as cidades havia o Imperial Valley e seus organizados agricultores, que já estavam tendo seus próprios problemas com a redução dos volumes de água disponíveis e que não estavam dispostos a ceder nem mais um mísero litro de água para o abastecimento das cidades.
A cidade de San Diego, por exemplo, conseguiu chegar num acordo com os produtores, financiando investimentos em novas tecnologias de irrigação mais eficientes como o micro gotejamento. A contrapartida negociada previa que toda a água economizada nos sistemas financiados pela cidade de San Diego seria revertida para o uso pela população da cidade.
Como metade da irrigação usada nos campos utilizava o sistema de inundação de valas, volumes substanciais de água puderam ser revertidos para San Diego, apesar dos inúmeros protestos de agricultores que achavam que a cidade deveria pagar um valor adicional pelo uso das águas. Los Angeles e San Bernardino fizeram acordos emergenciais próprios com os agricultores.
Nos últimos anos os agricultores do Imperial Valley foram obrigados a produzir gastando menos água. Mesmo assim, os gastos locais estão muito acima daqueles obtidos pelos agricultores de Israel, um sinal claro de baixa eficiência e produtividade dos yankees. Ainda dá para melhorar muito!
[…] IMPERIAL VALLEY: UM SINÔNIMO DE DESPERDÍCIO DE ÁGUA NA AGRICULTURA […]
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