RATÃO-DO-BANHADO: UM ROEDOR SUL-AMERICANO QUE ESTÁ CAUSANDO GRANDES PROBLEMAS NA EUROPA

O ratão-do-banhado (Myocastor coypus), que também é conhecido como nútria, caxingui e ratão-d`água, é um roedor semiaquático encontrado em todo o Sul da América do Sul. No Brasil, a espécie se distribuiu em áreas de clima subtropical desde o Sul do Estado de São Paulo até o Rio Grande do Sul. Indivíduos da espécie podem ser encontrados, inclusive, nadando nas águas poluídas dos rios Tiete e Pinheiros na capital paulista. A espécie também é encontrada na Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile. No total são quatro subespécies. 

Como é comum em espécies de mamíferos semiaquáticos, os ratões-do-banhado possuem uma pelagem dupla e muito densa, característica que tornou o animal alvo de caçadores de pele ao longo da história. A espécie pode atingir até 1 metro de comprimento, incluindo a grossa cauda, e um peso de até 15 kg. 

Os habitats da espécie são as áreas alagadiças dos banhados, encontrados principalmente nas regiões dos Pampas, bioma que se estende desde o Rio Grande do Sul até a Argentina e o Uruguai, além das margens de rios e lagoas. Sua alimentação é diversificada e inclui capins, raízes e plantas aquáticas, herbáceas, tubérculos, folhas, grãos, carne e peixe. 

Os ratões-do-banhado são exímios nadadores, possuindo dedos com membranas interdigitais. Em terra, o animal não tem a mesma destreza e caminha devagar. Grande parte de suas “horas vagas” são dedicadas ao cuidado com sua bela pelagem. O animal possui glândulas no canto da boca que liberam uma substancia gordurosa que é esfregada com as patas na pelagem, funcionando como uma camada de proteção na água. Além dos seres humanos, seus os principais predadores são as onças e os jacarés. 

A saga dos ratões-do-banhado como espécie invasora começou ainda no século XIX, quando o uso de peles de animais pela indústria da moda estava em alta. Grandes grupos de animais foram capturados vivos e levados para os Estados Unidos, Europa e Ásia para tentativas de criação da espécie em cativeiro, como é feito com as chinchilas originárias dos Andes. Essa experiência acabou não sendo muito bem-sucedida e muitos ratões-do-banhado acabaram fugindo desses criatórios, invadindo florestas e rios desses países, e passando a competir com espécie locais como os castores norte-americanos e lontras europeias.   

Um exemplo disso foi o que aconteceu nos Condados de Norfolk Suffolk, na Inglaterra, onde ratões-do-banhado colonizaram a região de Yare Valley. Animais fugiram de uma fazenda da região em meados da década de 1940 e pouco a pouco foram ocupando as áreas alagadiças e as margens dos rios da região, onde passaram a competir com espécies as cambaleantes populações de espécies semiaquáticas locais. 

A Itália é um dos países da Europa mais afetados pela invasão dos ratões-do-banhado. Os animais estão invadindo plantações, destruindo a vegetação das margens dos rios e atacando os ninhos de aves aquáticas, que não possuem uma “programação genética” para se proteger dessa espécie exótica. Sem grandes predadores naturais, os ratões seguem expandindo seus territórios no país. O Governo italiano declarou guerra à espécie e tem liberado dezenas de milhões de Euros anualmente para o financiamento de ações para a erradicação dos animais. 

A falta de predadores locais é um fator chave para a vida fácil dos ratões-do-banhado em terras europeias. Lobos, raposas e linces, antigas espécies predadoras que no passado abundavam nas florestas da Europa, são cada vez mais raras. A Europa, que já foi o continente mais “florestado” do mundo, já estava completamente devastada por volta do ano 1000 da Era Cristã. De lá para cá, foram necessárias inúmeras ações de reflorestamento para garantir o fornecimento de madeiras e produtos florestais, além da recuperação de importantes florestas. 

Um dos casos mais interessantes foi o reflorestamento de extensas áreas na região dos Pirineus na França no início do século XIX. Napoleão Bonaparte (1769-1821), então imperador dos franceses, tinha grandes planos de invasão e conquista de territórios por toda a Europa. Além de depender de um forte exército, os franceses também precisariam construir uma poderosa armada. É foi justamente com o objetivo de garantir o fornecimento de madeiras para essa empreitada que foi ordenado o plantio de dezenas de milhares de mudas de árvore. As guerras ficaram no passado e as florestas prosperaram. 

Na Itália atual, apenas 35% do território é coberto por florestas, o que coloca o país na singela 18ª posição entre os países com maior cobertura florestal do continente. Com poucas áreas florestais, é claro, restaram poucos habitats para a sobrevivência dos predadores naturais – os ratões-do-banhado “surfam” nessa onda e se sentem à vontade para procriar e expandir seus territórios nas margens dos rios e lagos do país. 

Além da falta de predadores naturais, a espécie invasora também se beneficia da falta de espécies animais da fauna local que ocupavam o mesmo nicho ecológico, especialmente lontras e castores, desaparecidos há muito tempo da maioria dos corpos d`água do continente. Quando espécies diferentes compartilham os mesmos recursos naturais, especialmente os alimentos, a escassez limita o crescimento das populações. No caso dos ratões-do-banhado, essa competição é muito insipiente e a espécie praticamente monopoliza os recursos naturais em muitos biomas. 

Além dos inúmeros problemas ambientais e econômicos decorrentes do aumento da população da espécie, o Governo da Itália teme a proliferação de doenças como a leptospirose. Os ratões-do-banhado, assim como outras espécies de roedores, são hospedeiros da bactéria Leptospira, a responsável pela transmissão da doença.  

Conforme já tratamos em uma postagem anterior sobre a proliferação dos ratos pelo mundo, a leptospirose é uma doença infecciosa febril aguda que é transmitida pela urina de animais infectados pela bactéria. A partir do contato com águas contaminadas, por exemplo durante enchentes, a bactéria penetra no organismo humano por lesões presentes na pele ou através das mucosas. Com o aumento das populações de ratões e com sua proximidade cada vez maior de comunidades, vilas e cidades, os riscos de contágio aumentam significativamente.  

Existem comunidades de ratões-do-banhado espalhadas por rios e áreas pantanosas de toda a Europa, onde se repetem os mesmos problemas vividos pelos italianos. E a mesma dúvida de sempre se repete – o que fazer para conter o avanço da espécie invasora? 

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