
O mosquito Aedes Aegypti é um importante vetor de transmissão de doenças virais, especialmente os chamados arbovírus, há mais de 100 anos aqui no Brasil. De origem africana, esse mosquito chegou às Américas de carona em embarcações mercantis, principalmente nos famigerados navios negreiros, e se disseminou em áreas de clima tropical e subtropical do Norte da Argentina até o Sul dos Estados Unidos.
Em tempos de pandemia da Covid-19, enfermidade que já matou mais de 400 mil brasileiros em pouco mais de um ano, notícias sobre o Aedes Aegypti e das doenças a ele associadas acabaram por ficar em um plano muito secundário e restrito. Aproveitando as informações comentadas na última postagem, vamos falar um pouco mais sobre essas doenças.
De acordo com dados do Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, foram notificados 979.764 casos prováveis de Dengue no Brasil em 2020. Esse número expressa uma taxa de incidência de 466,2 casos para cada 100 mil habitantes. Foram notificadas 541 mortes, sendo que 447 foram confirmadas por testes em laboratório e 93 por exames clinicos-epidemiológicos.
Desse total, 503 mortes ou 92,9% ocorreram entre os meses de janeiro e junho, os mais chuvosos do ano. Outro dado relevante é que, do total dos casos prováveis de Dengue notificados, 887.767 ou 90% dos casos ocorreram nos Estados do Paraná, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Mato Grosso, Espírito Santo e Goiás.
A região com a maior incidência de casos de Dengue em 2020 foi o Centro-Oeste com a incrível marca de 1.200 casos para cada 100 mil habitantes. Na sequência vem a Região Sul, com uma taxa de incidência de 934,1 casos para cada 100 mil habitantes, a Região Sudeste com uma taxa de 376,4 casos, o Nordeste com 261,5 casos e o Norte com 120,7 casos.
Outra importante arbovirose transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti é a febre Chikungunya, com 80.914 casos prováveis em 2020. A taxa de incidência média foi de 38,5 casos para cada 100 mil habitantes. As Regiões brasileiras com as maiores taxas de incidência foram o Nordeste e o Sudeste, com taxas de incidência, respectivamente, de 102,2 casos e 13,1 casos para cada 100 mil habitantes.
O período entre os meses de janeiro e junho concentrou 78,8% dos casos prováveis da doença, repetindo que esses são os meses mais chuvosos do ano e é a época de maior proliferação dos mosquitos Aedes Aegypti. Os Estados com a maior incidência de casos foram Espírito Santo, Bahia e Rio Grande do Norte.
As mortes confirmadas por exames laboratoriais associadas a Chikungunya foram 26 e existem outros 21 casos em investigação. Os Estados com os maiores números de mortos foram Bahia, Paraíba, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Mato Grosso.
Também é relevante o número de casos prováveis de Zika – foram 7.119 casos em 2020, uma taxa de incidência de 3,4 casos para cada 100 mil habitantes. A Região Nordeste é líder em casos de Zika, com uma taxa de incidência de 9,1 casos para cada 100 mil habitantes. Quase metade dos casos prováveis da doença notificados ocorreram no Estado da Bahia. Não houve nenhum caso registrado de morte por Zika no Brasil em 2020.
Diferente do Corona, um vírus que a ciência descobriu há bem pouco tempo e sobre o qual há mais dúvidas do que certezas, os arbovírus que provocam a Dengue, a Zika e a Chikungunya já são bem mais conhecidos pelos médicos e cientistas, o que facilita muito o diagnóstico e o tratamento dos pacientes. Outro ponto importante é que um dos principais vetores – o Aedes Aegypti, tem seu ciclo de vida e os hábitos de reprodução muito bem conhecidos.
O que falta, e muito, é a conscientização das populações para a eliminação de criadouros, o que inclui cuidados com a limpeza dos quintais e a boa destinação dos resíduos sólidos. Evitando o nascimento de “novas gerações” de mosquitos, os riscos de transmissão dos vírus são muito reduzidos.
Uma outra medida muito simples e barata, que vem complementar as medidas já citadas, é a adoção do uso de telas “mosquiteiras” em portas e janelas. Um exemplo da eficiência dessas telas são os Estados Unidos, um país que enfrentou inúmeras epidemias de malária ao longo de sua história. O agente transmissor da malária é o Plasmodium, um parasita unicelular protozoário, que infecta os eritrócitos, causando a malária. Um mosquito que pica uma pessoa com esse parasita é contaminado e pode transmitir a doença para outras pessoas.
A malária chegou aos Estados Unidos junto com os primeiros colonos, muitos dos quais estavam infectados com os agentes Plasmodium vivax e Plasmodium malariae, comuns na Inglaterra. Posteriormente, com a importação dos primeiros escravos vindos do continente africano a partir de 1620, foi introduzido no país o agente Plasmodium falciparum. A doença acabou se tornando endêmica em parte dos Estados da Costa Leste, do Centro e do Sul do País.
O controle e a reversão das epidemias de malária nos Estados Unidos só foram possíveis com a massificação da infraestrutura de saneamento básico a partir das últimas décadas do século XIX, da aplicação de inseticidas para o controle das populações de mosquitos, da drenagem de áreas pantanosas e, principalmente, da obrigatoriedade da instalação de telas nas janelas e portas das residências.
O governo americano também investiu pesadamente em campanhas educativas, mostrando à população quais eram os hábitos e os horários de maior incidência dos ataques dos mosquitos. Por volta do ano de 1950, a malária foi considerada erradicada dos Estados Unidos, restrita a alguns poucos casos anuais em regiões isoladas e densamente florestadas.
Mosquitos existem em nosso mundo há mais de 170 milhões de anos e, por maiores que sejam os nossos esforços em controlá-los, eles sempre continuarão fazendo parte das nossas “paisagens”. Além do “africano” Aedes Aegypti, existem diversos mosquitos silvestres tupiniquins que transmitem os arbovírus.
Com o crescimento das cidades brasileiras e da urbanização cada vez maior da população a partir da segunda metade do século XX, criou-se uma perigosa aproximação entre pessoas e áreas de matas e de remanescentes florestais ao redor dessas cidades. E são justamente nessas matas onde esses mosquitos vivem – essa aproximação cada vez maior entre pessoas e mosquitos aumentou as possibilidades de transmissão dos arbovírus.
O Ministério da Saúde suspeita que o número de casos prováveis dessas doenças em 2020 está subnotificado ou que existem atrasos nas notificações devido aos esforços no combate a pandemia da Covid-19. Apesar dos casos suspeitos de doenças associadas aos arbovírus estarem muito aquém dos mais de 15 milhões de casos de Covid-19, todos precisamos nos cuidar e evitar a alta incidência dessas doenças.
Além dos riscos de morte, essas doenças podem deixar graves sequelas. Citando dois exemplos: a Zika, como muitos devem se lembrar, causou o nascimento de muitas crianças com microcefalia há alguns anos atrás, principalmente em Estados da Região Nordeste. Já a febre Chikungunya, conforme estudos recentes, pode causar o nascimento de crianças com deficiência visual.
Se pudermos evitar mais esses riscos de saúde em nossas vidas, é melhor tomarmos cuidado redobrado com o Aedes Aegypti e com outros mosquitos silvestres.