AS GRANDES INUNDAÇÕES EM VENEZA. CULPA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS?

Veneza

A maravilhosa cidade de Veneza, na Itália, não tem saído dos noticiários nessas últimas semanas. Infelizmente, as notícias que vem de lá não tem nada a ver com o inestimável patrimônio artístico e cultural, cada vez mais ameaçado pelo turismo descontrolado. Veneza está vivendo, mais uma vez, o drama das enchentes, um evento que faz parte da história da cidade, mas, que dessa vez, está com uma intensidade muito acima do normal . A cidade passou vários dias completamente inundada, com grande parte de suas construções históricas sob ameaça.

A Lagoa de Veneza foi ocupada originalmente por tribos de pescadores, chamados de incola lacunae (habitantes da lagoa) em documentos romanos do início da era cristã. Existiam nessa lagoa mais de 110 pequenas ilhas e inúmeros canais. A formação da cidade, muito provavelmente, começou por volta do século V da Era Cristã, quando moradores de cidades romanas como Pádua, Aquileia, Altino e Concórdia fugiram dos invasores Germânicos e Hunos, passando a se refugiar nas ilhas da Lagoa de Veneza. Poucos séculos mais tarde, Veneza se transformaria numa das cidades mais poderosas e importantes da Europa. 

Com sua localização pouco comum e graças a grande riqueza acumulada com o comércio marítimo, Veneza foi transformada em uma cidade com uma arquitetura diferenciada, cortada por inúmeros canais e repleta de construções monumentais como a Praça de São Marcos e sua famosa basílica, diversos palácios góticos e bizantinos, a Torre do Campanário, a Ponte dos Suspiros, entre outras. O Carnaval de Veneza também é famoso em todo o mundo e costuma atrair verdadeiras multidões. A cidade é o terceiro maior destino turístico da Itália. 

O fenômeno das enchentes na cidade é chamado pelos venezianos de “acqua alta” e geralmente está associado às altas marés do Mar Adriático. Oficialmente, a “acqua alta” ocorre quando o nível da maré supera a marca de 90 mm acima do nível normal do mar. Na grande maioria dos casos, a “alta” afeta as partes mais baixas da cidade, criando apenas alguns transtornos para a circulação dos pedestres e alagando algumas casas e lojas. Porém, em casos mais graves, a “acqua alta” pode atingir a maior parte de Veneza. 

Um dos casos mais graves já documentados de enchentes em Veneza aconteceu em 1966, quando a maré atingiu a marca de 180 mm acima do nível normal e mais de 96% da cidade ficou inundada. Em outubro de 2004, a maré atingiu a marca de 135 mm e inundou 80% da cidade. Um outro evento marcante aconteceu em 2008, quando fortes tempestades no Mar Adriático provocaram uma forte elevação da maré, que atingiu a marca de 156 mm

No último dia 13 de novembro foi registrada a maior enchente de Veneza nos últimos 50 anos – o nível da maré atingiu a marca de 187 mm. A mundialmente famosa Praça de São Marcos ficou encoberta com uma lâmina de água com altura de 144 mm. A inundação também atingiu a Basílica de São Marcos, que ficou com uma lâmina de água com altura de 110 mm. Essa foi a sexta vez em 1.200 anos que a Basílica foi inundada, sendo que quatro dessas inundações ocorreram nos últimos 20 anos

Nos dias que se seguiram, as condições no Mar Adriático não se alteraram e a “acqua alta” se manteve forte e foram registrados níveis de 144, 154 e 150 mm, o que manteve Veneza inundada por quase uma semana. De acordo com informações do Prefeito da cidade, Luigi Brugnaro, as inundações dessa temporada já provocaram prejuízos da ordem de 1 bilhão de Euros, além de ter colocado em risco os importantes patrimônios arquitetônicos e históricos da cidade. 

O fenômeno da “acqua alta” é comum entre o final do outono e o começo do inverno na Europa. As altas marés são influenciadas por uma combinação do ciclo lunar, de tempestades no Mar Adriático e também pelos ventos de siroco, fortes correntes de ar quente que vêm da região do Deserto do Saara, no Norte da África. Os cientistas suspeitam que mudanças climáticas associadas ao aquecimento global podem estar por trás do aumento das intensidades das altas marés que invadem Veneza. O assoreamento da Lagoa de Veneza também pode estar contribuindo para a intensificação do fenômeno

Apesar dos transtornos criados pela multidão de turistas que invadem a cidade diariamente, essa atividade é de vital importância para a economia de Veneza. Os poucos turistas que estão visitando a cidade neste momento estão sendo obrigados a se deslocar sobre passarelas de madeira improvisadas (vide foto). As águas invadiram hotéis, restaurantes e lojas, prejudicando imensamente a infraestrutura de atendimento aos visitantes. Os vaporettos, os barcos de transporte público, e as tradicionais gôndolas estão com sua circulação limitada por razões de segurança. A população local também está sendo muito prejudicada pelas enchentes, sofrendo com cortes de energia, no sistema de abastecimento de água potável e também com a falta de produtos nos mercados da cidade. As escolas estão com as aulas suspensas até a melhoria da situação. 

Desde 2003, a Prefeitura de Veneza vem tentando implementar o Projeto Mose, que consiste em um conjunto de comportas móveis que terão a função de fechar a ligação entre a Lagoa de Veneza e o Mar Adriático. Quando esse sistema estiver totalmente concluído, as comportas poderão ser acionadas sempre que se detectar a formação da “acqua alta”, protegendo a cidade de Veneza das enchentes. O grande problema é que as obras, estimadas em US$ 7 bilhões, estão cercadas de suspeitas de superfaturamento e há enormes indícios de corrupção, algo muito parecido com muitas obras que conhecemos aqui no Brasil. De acordo com as últimas projeções, as obras só serão concluídas em 2021.  

Como se toda essa situação de Veneza já não fosse suficientemente dramática, violentas tempestades estão assolando o Sul da França, o Norte da Itália – inclusive a região do Vêneto, e o Oeste da Grécia desde o último final de semana. Até o dia 25 de novembro, as autoridades desses países já haviam contabilizado sete mortes por causa das enchentes e dos desmoronamentos de construções. Essas fortes chuvas aumentaram os problemas em Veneza. 

De acordo com informações do Météo France, o serviço de meteorologia do Governo da França, essas tempestades estão associadas a um fenômeno recorrente no Mar Mediterrâneo, chamado de cévenols em francês. De acordo com as informações divulgadas, esse fenômeno ocorre de três a seis vezes por ano, levando à formação de fortes chuvas entre os meses de setembro e outubro – algumas vezes, as chuvas se estendem até novembro. O serviço francês garante que essas forte chuvas são normais e que não tem qualquer relação com as mudanças climáticas globais.

O aquecimento global está sendo provocado pelo aumento da quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre, que acabam por provocar um lento e gradual aumento da temperatura média do planeta.  Entre os principais responsáveis por esse efeito está a queima de combustíveis fósseis como o carvão e os derivados de petróleo, as queimadas em florestas, entre outras atividades humanas. O aumento do nível dos oceanos é uma das principais consequências do aquecimento global e muitas cidades costeiras poderão, em um futuro não muito distante, enfrentar problemas semelhantes ao que Veneza está sofrendo atualmente. 

Apesar de fortes evidências que essa elevação dos níveis dos oceanos já está acontecendo, ainda tem gente que não acredita no aquecimento global. 

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