AFINAL DE CONTAS: A ÁGUA DESSALINIZADA É A ”SALVAÇÃO DA LAVOURA”?

Água em casa

Ao longo de uma série de postagens, apresentamos algumas experiências internacionais sobre o uso de usinas de dessalinização que tornam a água do mar potável. Aqui no Brasil, falamos do caso de Fernando de Noronha, um arquipélago marinho isolado e sem fontes naturais de água potável – a ilha principal, a única habitada, conta com uma usina de dessalinização desde o ano 2000, que vem suprindo parte do abastecimento da população. Outro exemplo é o caso da Região Metropolitana de Fortaleza que, a depender do andamento de um processo de licitação pública, poderá estar utilizando água dessalinizada a partir de 2022. 

Analisando esses diferentes casos, será possível afirmar que o uso da água dessalinizada pode ser a solução para o abastecimento de grandes cidades litorâneas, especialmente da região Nordeste, que sofrem frequentemente com problemas de escassez de água?  

Vamos pensar a respeito disso; 

A tecnologia de dessalinização e potabilização da água do mar para consumo por populações e para uso em agricultura evoluiu muito nas últimas décadas. Um dos maiores avanços se deu com o desenvolvimento das membranas de osmose reversa na década de 1960. Essas membranas são construídas usando polímeros que possuem furos microscópicos, que permitem a passagem das moléculas de água e retém as partículas de sal e outras impurezas encontradas na água marinha. Os processos de dessalinização por osmose inversa consomem entre 10 e 15 vezes menos energia que os antigos processos de destilação térmica, um fator determinante para a redução dos custos de operação das usinas de dessalinização. O custo médio para a produção de 1 m³ de água dessalinizada é de US$ 1.00; em Israel, esse custo está na ordem de US$ 0.60

À primeira vista, esse custo pode não parecer muito alto, mas ele pode elevar muito o valor da conta de água de uma família de baixa renda. Uma família com cinco pessoas tem um gasto diário médio de 1 m³ de água ou 1.000 litros. Se considerarmos, hipoteticamente, que toda essa água foi produzida por uma usina de dessalinização, teremos um custo de produção mensal de US$ 30.00 – ao câmbio de hoje (24 de janeiro de 2019 – R$ 3,77), serão R$ 113,10 de acréscimo no valor da conta. Esse valor se refere apenas ao custo da água, que se somará aos custos de distribuição da empresa de saneamento; em locais onde já existe rede coletora de esgotos e ETEs – Estações de tratamento de Esgotos, existe ainda a cobrança pelo tratamento dos esgotos, o que, normalmente é o mesmo valor cobrado pelo fornecimento de água.  

Sem nos prendermos a muitos detalhes, o valor total da conta de água de uma dessas famílias poderá mais do que dobrar. Felizmente, na maioria dos casos, a água dessalinizada é usada para complementar a água captada em outras fontes de abastecimento. No caso de Fortaleza, a expectativa do Governo local é suprir apenas 12% do consumo com água dessalinizada, um volume que vai ter pouco impacto nas contas de água da população. 

A exceção de Teresina, a capital do Piauí, todas as capitais nordestinas ficam localizadas no litoral e, praticamente todas, apresentam problemas no abastecimento de água das suas populações. Todos os mananciais produtores de água têm suas nascentes em áreas interioranas, especialmente na chamada Zona da Mata, que apesar de ser uma região mais úmida que as áreas do Agreste e do Semiárido, ela também sofre os efeitos de períodos de seca mais intensa. A implantação de usinas de dessalinização nessas capitais criaria fontes alternativas para o abastecimento das populações dessas áreas urbanas, o que minimizaria sensivelmente a carência de recursos hídricos. 

Porém, o uso de água dessalinização só resolve uma parte do problema – existem diversas frentes a serem trabalhadas com o objetivo de aumentar a oferta de água para a população. Vejam: 

reuso da água é uma das melhores alternativas para se reduzir a necessidade de novas fontes de água. Em Israel, um dos países com a maior utilização per capita de água dessalinizada do mundo, toda a água utilizada nas casas e industrias passa por estações de tratamento. O efluente tratado é transportado para as áreas rurais, onde é usado em sistemas de irrigação agrícola. Esse reuso da água poupa, todos os anos, dezenas de milhões de metros cúbicos de outras fontes, como o lendário rio Jordão e de poços. Essa água que foi “poupada” poderá ser usada por pequenas cidades e vilas em locais remotos, longe do oceano e das usinas de dessalinização. Também é importante citar aqui as EPAR – Estações de Produção de Água de Reúso, unidades que transformam os esgotos em água potável, que pode ser distribuída para o abastecimento da população.

Uma outra importante fonte de água que ainda não está sendo totalmente utilizada em regiões semiáridas aqui do Brasil são as águas pluviais. Na Ilha de Malta, no Mar Mediterrâneo, cerca de metade da água usada para o abastecimento da população e, especialmente, para irrigação agrícola vem de cisternas de armazenamento de águas da chuva. Conforme apresentamos em uma postagem anterior, Malta é um dos países mais secos do mundo e, desde a antiguidade, sempre dependeu do uso da água das chuvas. O uso da água dessalinizada na ilha é relativamente recente e cobre a outra metade das necessidades de abastecimento da população. 

Um dado que vai intrigar muita gente e que demonstra que falta um bom gerenciamento dos recursos hídricos na região do Semiárido brasileiro: no interior do Nordeste existem reservatórios com capacidade para acumular 37 bilhões de metros cúbicos de água – nenhuma outra região semiárida do mundo possui tal capacidade de armazenamento. O problema é que não existem sistemas de tubulações que interliguem esses reservatórios, permitindo assim a gestão e a transferência eficiente dos recursos hídricos entre as regiões. É comum vermos cidades sofrendo com a falta de água, mesmo tendo um reservatório cheio nas proximidades. 

Também não podemos deixar de falar da má gestão dos recursos financeiros. Muitas obras contra as secas não começadas e não são concluídas. Cito aqui o exemplo do Sistema de Transposição das Águas do Rio São Francisco, que foi vendido por políticos como sendo a “salvação do Nordeste”. As obras sofreram várias paralisações, os custos até agora são bem maiores do que no orçamento original e só parte do sistema já está funcionando. Enquanto isso, dezenas de cidades localizadas nas proximidades do rio São Francisco não possuem sistemas de tubulações que lhes permitam usar as águas do rio. São obras relativamente pequenas e de baixo custo, que resolveriam a vida de milhares e milhares de pessoas. 

Enfim, as usinas de dessalinização são muito bem vindas em cidades e regiões litorâneas com problemas de abastecimento. Porém, antes de se pensar em construir qualquer uma delas, existe muita “lição de casa” para administradores públicos, Prefeitos e Governadores fazerem. 

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