A EROSÃO E A COMPACTAÇÃO DE SOLOS EM REGIÕES DO CERRADO

Vossoroca no Cerrado

O Cerrado é, atualmente, um dos biomas mais ameaçados do Brasil. Considerados improdutivos durante muito tempo, os solos do Cerrado, de uma hora para outra, se transformaram nos principais produtores de grãos do país. É claro que não houve nenhum milagre nesse processo – no final de década de 1970, a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, desenvolveu variedades de soja adaptadas ao clima e aos solos do Cerrado, o que abriu inúmeras possibilidades para a expansão das frentes agrícola por todo o bioma, que ocupa uma área total com aproximadamente 20% do território do Brasil. Pesquisando em postagens anteriores, você poderá encontrar informações bastante detalhadas desse processo.

Algumas projeções indicam que perto de 50% da área original do Cerrado já cedeu lugar para campos agrícolas – em algumas regiões, como no Estado de Minas Gerais, o grau de devastação do Cerrado já ultrapassa os 60%. Essa perda intensa de vegetação nativa está se refletindo na diminuição e até em ameaças de extinção de inúmeras espécies animais e vegetais. Outro problema, esse gravíssimo, se vê nitidamente na redução dos caudais de inúmeras bacias hidrográficas importantes como a dos rios Tocantins e Araguaia e do São Francisco. A vegetação nativa do Cerrado possui raízes desproporcionalmente longas, uma característica que contribui para a infiltração das águas das chuvas nos solos, recarregando assim aquíferos e lençóis subterrâneos, cujas águas são fundamentais na alimentação de nascentes de inúmeros cursos d’água.

A somatória de todos esses problemas e agressões ambientais tem um lado que é muito pouco explorado pelos meios de comunicação – esse avanço violento e rápido contra a vegetação do Cerrado já está criando imensos problemas de perda de solos por processos erosivos e também de compactação de muitas áreas. Em tempos onde a quebra sucessiva de recordes na produção de grãos, notadamente da soja, uma das commodities agrícolas de maior sucesso em nossa pauta de exportações, não é muito conveniente que as populações fiquem sabendo que a “galinha dos ovos de ouro da agricultura” está perdendo penas.

Os solos aráveis, conforme já apresentamos em postagens anteriores, são o resultado de um longo processo geológico, onde as rochas sofrem fragmentação e desgaste devido à ação do sol, das chuvas, do gelo e dos ventos, entre outros elementos. Os fragmentos de rocha se acumulam em partes baixas do terreno e com o crescimento de pequenas plantas, especialmente dos líquens, tem início um processo de acúmulo de restos de matéria orgânica. É a combinação dessas partículas de rocha, matéria orgânica, água e ar que vai permitir a formação do que chamamos de solo arável. Esse processo é extremamente lento – falamos aqui de centenas de milhares ou de milhões de anos.

Porém, caso a cobertura vegetal de uma determinada região seja retirada para a formação de campos agrícolas ou para exploração de madeira, os solos passam a ficar expostos às intempéries, as chuvas no caso do Brasil, e todo esse trabalho da natureza pode ser perdido em poucos anos. Tamanho o volume e a velocidade da destruição do Cerrado, são muitas as regiões do bioma que estão apresentando grandes problemas de perdas de solos, algumas já apresentando gigantescas vossorocas (vide foto). Os sedimentos carreados pelas chuvas estão assoreando e contaminando inúmeros rios e nascentes destas regiões.

Uma pesquisa realizada por um doutorando do CENA – Centro de Energia Nuclear na Agricultura da ESALQ – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, indicou uma forma bastante interessante para analisar as perdas de solo, de acordo com os diferentes tipos de manejo: um caminho que abre inúmeras possibilidades para a correta gestão de áreas agrícolas.

O pesquisador Robson Clayton Jacques Arthur percebeu que, ao analisar as quantidades de Césio-137 presentes no solo, era possível determinar o volume de perdas ou de danos nos solos. O Césio-137 é um elemento químico radioativo liberado em testes e detonações de armas nucleares. Nas décadas de 1950 e 1960, as grandes potencias mundiais realizaram inúmeros desses testes, liberando grandes quantidades de Césio-137 na atmosfera. Os ventos se encarregaram de espalhar o elemento por toda a superfície do planeta e as chuvas levaram o elemento a ser depositado sobre os solos – ou seja, o Césio-137 está presente em solos de todo o mundo e medindo-se sistematicamente as quantidades do elemento em uma determinada área, é possível determinar o volume de perdas e de danos no solo.

Na pesquisa realizada foram colhidas amostras de solos em diferentes profundidades – 20, 40 e 60 cm, em intervalos de 3 anos, As áreas de onde foram retiradas essas amostras se dividiam em áreas de pastagens, de plantio convencional e de plantio direto. O acompanhamento dos níveis do Césio-137 nas amostras indicou claramente que as áreas de pastagens e aquelas usadas para o plantio convencional eram as que mais apresentaram variações, indicando que são essas as áreas mais propensas a erosão e perda de solos, além de problemas de compactação dos solos. Solos compactados, entre outros problemas, não permitem a infiltração da água das chuvas, problema que causa perda na produtividade agrícola.

Uma descoberta importante da pesquisa e que poderá ajudar na conservação e na gestão de áreas agrícolas é que o uso do plantio direto minimiza as perdas e a compactação dos solos. No plantio direto, toda a palha e resíduos de plantas produzidos no momento da colheita são depositados sobre o solo – o plantio é feito logo após a colheita e esses resíduos vão proteger os solos das intempéries até que as plantas cresçam. Uma ideia simples, que demonstra que, mesmo funcionando como o grande celeiro do país, os solos do Cerrado, se bem utilizados e protegidos, poderão produzir muito e com baixas perdas,  menor compactação, entre outros problemas.

Ou seja – quando a agricultura usa técnicas racionais e cuida bem dos solos, a natureza e o meio ambiente agradecem.

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