OS PROBLEMAS AMBIENTAIS E SOCIAIS CRIADOS PELAS OLARIAS

Trabalho Infantil nas Olarias

Na última postagem falamos dos problemas ambientais criados pela extração da argila, matéria prima de toda uma gama de produtos da indústria cerâmica, que vão de peças usadas na construção civil até as panelas de barros e artesanatos de todos os tipos. Para detalharmos um pouco melhor todos esses impactos, vamos falar hoje das olarias, tradicionais unidades de produção de tijolos e telhas.

Conforme detalhamos na postagem anterior, a extração de argila causa uma série de problemas ambientais. A argila é formada por sedimentos finíssimos, erodidos de diversos tipos de rochas. Esses sedimentos se acumularam ao longo de milhões de anos em grandes depósitos, encontrados normalmente nas margens de rios, onde formam camadas com diversos metros de espessura.

Um dos primeiros impactos dessa mineração é a supressão da vegetação e a remoção da camada de solo fértil. A extração da argila é realizada normalmente de forma manual, em cavas com profundidades entre 2 e 4 metros. Com as chuvas e com a infiltração de água do lençol freático, essas cavas costumam ficar inundadas rapidamente, forçando a uma abertura sistemática de novas cavas. Essa água acumulada acaba sendo reaproveitada para uso nas olarias.

Sem a proteção da vegetação, os solos ficam expostos aos processos erosivos nas temporadas de chuva. A força das águas arrasta grandes volumes sedimentos para os rios, comprometendo a qualidade das águas e assoreando a calha de rios e riachos. Parte desses sedimentos acabam sendo carreados para o lençol freático, comprometendo a qualidade da água de poços que são usados para o abastecimento das populações – a esmagadora maioria das olarias fica em áreas rurais, onde não existem redes de abastecimento de água.

Tradicionalmente, as olarias são operadas por grupos familiares, que há várias gerações vem se dedicando a essa atividade. Os trabalhos começam com a extração e pré-processamento da argila. A mistura e a hidratação da argila normalmente são feitas em moendas movidas por tração animal, onde os sedimentos são trabalhados até se atingir o ponto ideal para a moldagem. A etapa seguinte é chamada popularmente de “batida do barro”, etapa em que a argila é moldada em formas de tijolos e de telhas. A argila também pode ser extrusada para a formação dos chamados “tijolos baianos” e das manilhas usadas em redes de esgotos. Esse trabalho é, frequentemente, feito pelas mulheres do grupo familiar, muitas vezes acompanhadas dos seus filhos. Esse trabalho infantil (vide foto), que vale lembrar é proibido por lei, tira as crianças da escola e compromete seus futuros.

As peças cerâmicas são colocadas para secar ao sol por alguns dias antes de serem levadas para os fornos, a lenha onde será feita a queima. De acordo com estudo realizado por pesquisadores da UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a quantidade de lenha necessária para a queima de 1 milheiro de tijolos varia entre 2,2 e 3,2 m³, o que nos dá uma ideia do impacto ambiental em termos de desmatamento.

Os fornos usados nas olarias são feitos de tijolos, com paredes muito finas e sem uso de nenhum revestimento térmico (tijolos refratários, por exemplo). Essas paredes não conseguem reter o calor e ocorrem grandes perdas de energia térmica ao longo do processo da queima da cerâmica. Os fornos precisam ser alimentados continuamente a fim de se manter a temperatura ideal de queima, que se situa na faixa dos 900° C.

Além de necessitar de volumes substancias de lenha, essa perda de calor torna o ambiente de trabalho altamente insalubre. Os trabalhadores precisam alimentar continuamente os fornos sob altas temperaturas, ficando expostos à inalação de grandes quantidades de fumaça e cinzas, além de ficarem expostos a riscos de queimaduras e de quedas por causa do espaço confinado das áreas de queima de madeira. Um outro risco a que esses trabalhadores ficam expostos são as picadas de animais peçonhentos como aranhas, escorpiões e cobras, que costumam se esconder no meio das pilhas de lenha.

Como acontece com a produção de outros tipos de peças cerâmicas, as olarias também geram expressivos volumes de resíduos. As peças de argila moldadas são moles e podem sofrer distorções quando colocadas para secar ao sol. Se esse problema não for detectado antes da queima, o resultado final serão peças tortas e sem valor comercial. Outra fonte de resíduos são as peças que quebram ou trincam durante a queima. Esses resíduos costumam ser descartados sem maiores cerimonias em algum canto da área da olaria e passam a funcionar como abrigos para os animais peçonhentos que citamos acima.

A extração de lenha para uso nos fornos das pequenas olarias familiares é, normalmente, feita em remanescentes florestais, sem qualquer controle das autoridades ambientais. Nas olarias maiores e mais estruturadas, é mais comum o uso de lenha proveniente de plantações comerciais que realizam o reflorestamento. Em função do progressivo desmatamento, os carregamentos de lenha precisam vir de locais cada vez mais distantes e com custos cada vez mais altos, o que reduz progressivamente a margem de lucro das pequenas olarias, que cada vez mais perdem espaço e competitividade no mercado.

Um outro sério problema dessas olarias é a falta de infraestrutura das moradias. Normalmente, as famílias moram na mesma área onde funcionam as oficinas e convivem com todos os tipos de problemas ligados ao saneamento básico, como falta de água tratada e de sistemas de esgoto sanitário, além da falta de coleta de lixo. Outro problema grave, sobre o qual já falamos, é a exposição constante das pessoas à fumaça resultante da queima da lenha. Essa exposição pode provocar, a longo prazo, inúmeros problemas de saúde, especialmente nas crianças e nos idosos.

Além de toda essa gama de problemas, essas pequenas olarias costumam ser empresas informais, onde os trabalhadores não contam com um registro formal de trabalho e onde não há o recolhimento das obrigações trabalhistas previstas em lei (como o FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social, PIS – Programa de Integração Social, entre outros), além de benefícios como plano de saúde. Em casos de acidentes de trabalho, doença ou impossibilidade de continuar trabalhando devido ao avanço da idade, esses trabalhadores viram verdadeiros “órfãos sociais”.

Sustentabilidade, como todos sabemos, é o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico, a equidade social e a preservação ambiental. As pequenas olarias, como não é difícil de se perceber, estão longe disso.

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