
Continuam intensos os trabalhos de resgate e atendimento às vítimas das fortes chuvas no litoral Norte do Estado de São Paulo. Além de São Sebastião, Ubatuba, Ilhabela, Caraguatatuba e Bertioga, municípios do Litoral Norte que desde o último sábado vinham sofrendo fortemente com as chuvas torrenciais, São Vicente e Praia Grande, no Litoral Sul, também entraram para a lista dos mais atingidos.
De acordo com a última atualização oficial, divulgada na tarde desta segunda-feira, dia 20 de fevereiro, foram contabilizadas 41 vítimas fatais, sendo 40 em São Sebastião e 1 em Ubatuba, Ao menos 40 pessoas seguem desaparecidas, além de 1.730 desalojadas e 766 desabrigadas.
De acordo com informações do CEMADEN – Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, o volume de chuvas acumulado no Litoral Norte de São Paulo em 24 horas atingiu a impressionante marca de 682 mm, o maior volume já registrado no Brasil.
Para que todos tenham ideia do tamanho da catástrofe – o evento climático mais extremo registrado anteriormente em São Sebastião se deu em 2014, quando choveu o equivalente a 179 mm em 10 horas. Num período de 24 horas entre o último sábado, dia 18, e o domingo, dia 19, o município recebeu 640 mm de chuva, 3,5 vezes mais chuva que em 2014.
De acordo com as medições pluviométricas do CEMADEN, feitas no mesmo período, foram registrado 680 mm de chuva em Bertioga, 388 no Guarujá, 337 mm em Ilhabela, 335 mm em Caraguatatuba, 234 mm em Santos, 203 mm em Praia Grande e 186 mm em São Vicente.
Os trabalhos de busca e de salvamento estão sendo coordenados pelo Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo com apoio do Exército Brasileiro. Cerca de 14 helicópteros estão sendo utilizados nas operações. Também participam dos trabalhos funcionários públicos e membros da Defesa Civil das Prefeituras, além de milhares de voluntários.
Lamentavelmente, essa nova tragédia está expondo mais uma vez os graves problemas criados pela falta de políticas de construção de moradias populares. As áreas mais fortemente atingidas foram justamente as encostas de morros, ocupadas irregularmente por populações de baixa renda.
Essa é uma realidade já tratada em diversas postagens aqui do blog e que faz parte das paisagens de inúmeras cidades brasileiras. Encostas de morros, áreas de várzea e margens de rio são, na imensa maioria dos casos, as áreas urbanas que apresentam os menores preços de terrenos. Em grande parte dos casos trata-se de áreas públicas que simplesmente foram invadidas.
Pela sua própria natureza, essas áreas deveriam ser mantidas em condições naturais, Encostas de morro, mesmo quando cobertas pela vegetação nativa, estão sujeitas a deslizamentos em períodos de fortes chuvas. Quando eu era adolescente e costumava acampar no trecho da Serra do Mar que fica no extremo sul da cidade de São Paulo, lembro de ter encontrado vários deslizamentos de encostas em áreas de mata fechada.
O maior destes deslizamentos que encontrei ficava nas margens do rio Branco, já dentro do município litorâneo de Itanhaém. Uma faixa nua de terra descia desde uma altura de 300 metros na encosta da serra até a margem do rio, onde uma enorme massa de terra, pedras e troncos de árvore se acumulava.
Quando uma encosta de morro é desmatada e ocupada por moradia, a situação de instabilidade fica ainda mais críticas, Além de perder as raízes das árvores, elementos que ajudam a estabilizar o solo da encosta, os construtores das moradias fazem recortes na forma de grandes degraus para construir sobre uma área plana.
Em períodos de fortes chuvas, esses solos acumulam grandes volumes de água, o que, em muitas situações, acaba liquefazendo os sedimentos e transformando o solo em lama mole. A descida dessa lama morro abaixo acaba erodindo os solos que encontra pelo caminho, levando muitas vezes toda a encosta a ruir. Foi exatamente isso o que se viu em São Sebastião.
Outro grande problema da ocupação desordenada em áreas urbanas são as margens e várzeas de córregos, ribeirões e rios. Em condições naturais, essas áreas recebem todo o excedente de água que transborda do corpo d’água, funcionando como uma área de amortecimento.
Quando essas áreas são ocupadas irregularmente por moradias, o primeiro impacto se dá na destruição da vegetação, conhecida com mata ciliar. Entre as funções dessa vegetação destaco a retenção de material particulado, galhos e troncos de árvore, entre outros resíduos que são arrastados pelas enxurradas na direção da calha dos rios. Isso evita o assoreamento e entulhamento das calhas.
Outra característica importante dessa vegetação é a sua capacidade de absorver parte da energia dos caudais, reduzindo assim a força da correnteza em momentos de cheia. Quando esse delicado equilíbrio natural do sistema é quebrado por ações antrópicas, ou seja, pelas mãos dos homens, a violência das águas foge de qualquer controle.
Como sempre acontece em situações de desastres naturais, estamos assistindo toda uma corrente de solidariedade para com as vítimas das chuvas. Doções de dinheiro e arrecadação de alimentos, água, cobertores e outros itens estão sendo feitos por todos os cantos. Isso é essencial neste momento.
Também está se falando na liberação de verbas para a realização de obras de contenção de encostas, para projetos de moradias populares, comportas, estações de bombeamento, entre outras obras essenciais, que, diga-se de passagem, já deveriam ter sido realizadas há muito tempo.
A pergunta que sempre faço: quando é que vão começar a responsabilizar os gestores municipais e estaduais que deixaram de fazer seu trabalho direito ou que simplesmente se omitiram? Os problemas de ocupação de encostas nesses municípios litorâneos são antigos (para não dizer seculares) e sempre tem problemas – em maior ou em menor escala, ano após ano.
Em uma postagem publicada aqui no blog no último dia 3 de fevereiro, citando só um exemplo do tamanho do problema, comentamos sobre uma reportagem de um grande canal de notícias onde se afirmava que o Governo do Estado de São Paulo não investiu todos os recursos orçamentários disponíveis para o combate das enchentes e obras de contenção de encostas em um período de 12 anos.
Não seria a hora de colocar no banco dos réus todos esses ex-Governadores (um deles, aliás, é o atual Vice-presidente da República) e seus ex-secretários, além de ex-Prefeitos?
O momento é triste e angustiante, mas é preciso dar um basta em todas essas tragédias anunciadas.
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