
Eu conheci a soja quando garoto em meados da década de 1970, através de um plantio experimental (salvo falha da minha memória, era coordenado pela Casa da Lavoura, um órgão do governo estadual) que foi feito no sítio de um dos meus tios em Lutécia, cidadezinha minúscula no Oeste Paulista. Eu, meu irmão e minhas irmãs costumávamos passar as férias escolares por lá.
O grão estava perto da época da colheita, com as plantas quase secas, o que dava um aspecto horrível para a plantação. Lembro que minha tia chegou a preparar o grão cozido como se fosse feijão (meus o chamavam de “feijão de soja”) – além de duro, tinha um gosto rançoso e horrível. Já uma espécie de assado de soja que foi feito com o grão batido tinha um sabor um pouco melhor.
Apesar da péssima impressão inicial que tive do grão, a soja foi ganhando espaço nos campos paulistas e de outras regiões do país, tornando o Brasil um dos maiores produtores mundiais, numa disputa palmo a palmo com os Estados Unidos. A safra brasileira 2022/2023 superou a marca de 150 milhões de toneladas.
O produto mais famoso, acho eu, feito a partir da soja é o molho shoyu, que é muito utilizado na culinária do Extremo Oriente. Mas a soja vai muito além disso.
A soja é o que podemos chamar de grão “coringa” com 1001 utilidades. Apenas 5% da soja produzida no país, o que não difere do resto do mundo, é usada diretamente na alimentação humana. A maior parte da produção é destinada a produção de ração para bovinos, suínos, aves e peixes, e também para a produção de óleo vegetal, entre outros usos industriais.
A maior parte do óleo, algo entre 85% e 90%, é usado na produção de biodiesel, um combustível sustentável que vem tendo um uso cada vez maior. O restante do óleo é destinado ao consumo humano como óleo de cozinha, gordura vegetal e molhos tipo maionese.
O óleo de soja também é a matéria prima da lecitina, um emulsificante muito utilizado na produção de frios como salsichas, linguiças e salames; maioneses, sorvetes, achocolatados, barras de cereais, entre inúmeros outros alimentos industrializados.
A soja também é matéria prima de uma série de insumos usados por indústrias de cosméticos, farmacêuticas, veterinária, químicas especializadas em tintas e vernizes, de plástico, entre outras. Subprodutos da soja também são usados na fabricação de adesivos, nutrientes, adubos, espumas, fibras, papéis, entre outros.
Além do Brasil e dos Estados Unidos, China, Argentina e Índia figuram entre os maiores produtores mundiais. De acordo com estimativas da APROSOJA – Associação Brasileira dos Produtores de Soja, a cadeia de produção envolve 243 mil produtores em todo o Brasil e gera 1,4 milhão de empregos. Cerca de 70% da produção é exportada na forma de grãos, farelo e óleo.
Falando de forma bastante objetiva, grande parte da humanidade depende da soja, direta ou indiretamente, para a sua alimentação no dia a dia. É difícil imaginar qualquer tipo de alimento de origem animal como carnes, leite e seus derivados, além de ovos, onde a soja e seus derivados não tenham entrado na cadeia de produção. O óleo de soja também entra na composição de inúmeros produtos alimentícios.
Vou citar um único exemplo de um grande consumidor de soja – a China, o maior consumidor mundial e também um dos países com maior população. Em 2022, o país consumiu 116 milhões de toneladas, um volume que não é coberto por sua produção interna, precisando depender de importações. O Brasil é o maior exportador de soja para a China.
Esse breve resumo ajuda a mostrar a importância do grão e de sua cadeia de produção. Quando a produção em qualquer uma das regiões produtoras pega uma “gripe”, falando de forma figurada, o final da cadeia de consumo pode pegar uma pneumonia.
As perspectivas para este ano de 2023 são boas de acordo com os últimos relatórios do USDA – Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, na sigla em inglês. A produção global do grão é estimada em 383,01 milhões de toneladas, com estoques revistos para 102,03 milhões de toneladas.
A previsão de produção anterior era de 388,01 milhões de toneladas, porém, foi reduzida em função da forte seca que vem assolando a Argentina. A previsão de produção no país hermano era de 45,5 milhões de toneladas e passou a ser considerada como 41 milhões de toneladas.
A América do Sul está sofrendo, pelo terceiro ano consecutivo, os efeitos do fenômeno climático La Niña, tratado em inúmeras postagens aqui do blog. La Niña provoca excesso de chuvas em algumas regiões e secas rigorosas em outras. No ano passado, a “menina malvada” provocou uma forte seca na Região Sul do País e em Mato Grosso do Sul, com grandes prejuízos para a agricultura.
Neste ano, La Niña deve atingir em cheio a Pampa Argentina, o grande celeiro agrícola do país, aumentando ainda mais o calvário econômico vivido pelo país vizinho, onde a soja é um dos seus principais produtos.
Apesar da contabilidade agrícola mundial já estar considerando as perdas na produção da soja argentina para este ano, o mercado está com a “pulga atrás da orelha”. Os mesmos efeitos de La Niña poderão atingir em cheio o Brasil, um dos maiores produtores mundiais do grão.
Dando uma olhada em qualquer mapa da América do Sul é bem fácil observar que a Pampa Argentina está nas mesmas latitudes da Região Sul do Brasil, a segunda maior produtora de soja do País. Também está muito próxima da Região Centro Oeste, o coração da nossa sojicultura.
Na última safra brasileira a seca provocou importantes perdas na produção de soja da Região Sul e em Mato Grosso, porém, essas perdas foram compensadas com folga pela grande produção de outras regiões. A dúvida do resto do mundo é justamente essa: será que La Niña não poderá criar riscos graves para a safra brasileira deste ano?
Conforme estamos apresentando nessa série de postagens, existem problemas generalizados na produção de alimentos em todo o mundo, o que pode colocar a segurança alimentar de centenas de milhões de pessoas em risco. Dentro desse contexto, a situação “estável” da soja é muito preocupante.
VEJA NOSSO CANAL NO YOUTUBE – CLIQUE AQUI
[…] problemas com as culturas dos principais grãos consumidos pela humanidade – trigo, milho, arroz, soja e o milheto, que apesar de ser muito pouco conhecido pelos brasileiros é um alimento essencial em […]
CurtirCurtir