
Em 2018, pesquisadores da NOAA – Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos, na sigla em inglês, publicaram um preocupante estudo sobre tartarugas marinhas da ilha Ingram, no Norte da Austrália. Os pesquisadores suspeitavam que as mudanças climáticas poderiam estar interferindo no sexo das tartaruguinhas que estavam nascendo no local.
O sexo de uma tartaruga marinha depende da temperatura da areia da praia onde o ovo foi incubado. Esses animais passam a maior parte de suas vidas dentro da água, porém, quando chega a hora de procriar, as tartarugas-marinhas fazem viagens incríveis até a mesma praia em que nasceram. As fêmeas saem da água e buscam uma área fora do alcance das águas, onde cavam um buraco para depositar seus ovos.
Os ovos que ficam mais próximos da superfície, onde é mais quente, tendem a gerar animais fêmeas. Já os ovos que ficam mais embaixo, onde é mais frio, tendem a gerar animais machos. Esse mesmo mecanismo é visto na reprodução de jacarés, crocodilos, iguanas e em algumas espécies de peixes.
Partindo da premissa que o aquecimento global está elevando as temperaturas da atmosfera e das águas dos oceanos, os pesquisadores imaginavam que um número maior de tartarugas marinhas fêmeas deveria nascer na ilha Ingram. Como é complicado identificar o sexo de uma tartaruga recém nascida, os pesquisadores coletaram o sangue e amostras de DNA dos filhotes.
Para espanto dos pesquisadores, o número de fêmeas que nasceram naquele ano foi muito, muito maior que o número de machos. Para ser mais preciso, a proporção foi de 116 tartarugas fêmeas para 1 tartaruga macho nascida. Entre os questionamentos levantados há época destaca-se uma grande preocupação com o futuro da espécie – com um número extremamente reduzido de machos, a geração de descendentes poderia estar ameaçada.
Passados quatro anos desde a publicação desse estudo, pesquisadores do Turtle Hospital Zirkelbach da Flórida, nos Estados Unidos, identificaram uma verdadeira explosão no nascimento de tartarugas marinhas fêmeas no Estado.
Estudando ovos e filhotes de tartarugas marinhas em áreas de praias reservadas para a reprodução das diferentes espécies ao longo dos últimos quatro anos, os pesquisadores só encontraram filhotes fêmeas. Não por acaso, a Flórida vem enfrentando os verões mais quentes de sua história nos últimos anos.
A origem da reprodução sexuada é um dos maiores mistérios da biologia evolutiva. Existem inúmeras teorias diferentes, mas nenhuma delas pode ser comprovada na prática até hoje. O que se pode afirmar com certeza é que esse mecanismo vem funcionando bem a centenas de milhões de anos e a maioria das espécies se reproduz sexualmente.
O que está sendo observado com as tartarugas marinhas é algo simplesmente dramático e poderá levar ao rápido declínio das populações dentro de poucas décadas. Assim como acontece com suas parentes terrestres, as espécies marinhas tem uma vida longa, que pode passar dos 100 anos, o que garantirá a possibilidade de parcerias sexuais para reprodução por alguns bons anos. Mas o que acontecerá no futuro?
Existem atualmente 7 espécies de tartarugas marinhas, 5 delas com ocorrência no litoral do Brasil. São elas a tartaruga-cabeçuda ou mestiça, a tartaruga-verde ou aruanã, a tartaruga-de-pente ou legítima, a tartaruga-de-couro ou gigante e a tartaruga-oliva. Todas as espécies estão ameaçadas de extinção.
A poluição dos oceanos, especialmente por resíduos plásticos, é uma das maiores ameaças às tartarugas marinhas. Sacos plásticos – especialmente as famosas sacolinhas de supermercado, são hoje uma das maiores causas de morte desses animais – a tartaruga confunde o plástico com as águas vivas, uma de suas presas favoritas, e o que seria um petisco se transforma na causa da sua morte.
Outra causa comum de morte de tartarugas marinhas são as redes de pesca. Os animais se enroscam nas redes e morrem afogados. Estimativas falam da morte de cerca de 40 mil animais por anos em redes de pesca. Também é importante citar que em muitas regiões do mundo é comum o consumo da carne e dos ovos de tartarugas marinhas.
A ocupação e urbanização cada vez maior dos terrenos ao longo das praias também é uma grave ameaça às espécies. Conforme já comentamos, as tartarugas marinhas nadam de volta para a mesma praia onde nasceram para colocar seus ovos. Qualquer mudança nas características ambientais dessa praia poderá afetar a postura e a incubação dos ovos, ou até mesmo ameaçar a sobrevivência da fêmea.
É comum que áreas costeiras sofram mudanças em sua estrutura para atender melhor as populações que vivam em seu entorno. Entre outros “melhoramentos” é comum a construção de calçadões e muretas ao longo das praias, o que muitas vezes acaba destruindo os melhores locais para a postura dos ovos pelas tartarugas.
Outro problema sério para os animais é a iluminação pública instalada ao longo das praias. Quando os filhotes de tartaruga eclodem dos seus ovos, eles instintivamente seguem o brilho do mar. Quando a jornada dos filhotes ocorre a noite, o brilho da lua pode ser confundido com a iluminação artificial das lâmpadas elétricas das ruas e casas. A luz atrai as pequenas tartaruguinhas, que acabam por seguir na direção errada e acabam morrendo atropeladas ou predadas por animais.
Como se nota, a situação desses magníficos animais, que conseguiram sobreviver aos mais diferentes desafios ao longo de dezenas de milhões de anos, não anda nada fácil. Esses novos problemas criados pelo aquecimento global só complicam mais as coisas para as tartarugas marinhas.