A “DESEXTINÇÃO” DO TIGRE-DA-TASMÂNIA

Os filmes de ficção científica estão cheios de exemplos de animais extintos que voltam a vida depois de intensa manipulação genética de restos do seu DNA. Um exemplo fácil de lembrar é o da franquia cinematográfica Jurassic Park, onde cientistas conseguem extrair resíduos de sangue de um mosquito que ficou preso em âmbar, uma resina vegetal fossilizada. Pouco antes de morrer, esse mosquito havia picado um dinossauro. 

Os “cientistas” da ficção desenvolveram uma tecnologia que permitia a reconstrução de segmentos do DNA do animal extinto usando genes de anfíbios. O resultado de todos esforços foi o retorno à vida de toda uma série de répteis pré-históricos como velociraptores, triceraptores, pterodontes, além do temível Tiranossauro Rex. A ideia dos criadores do projeto era de criar um parque para visitação dos dinossauros em uma ilha, o que acabou não dando muito certo. 

No mundo real existem vários projetos científicos onde se busca trazer de volta a vida algumas espécies animais extintas em períodos bem mais recentes. Um exemplo é o mamute lanoso siberiano – diversos espécimes congelados vêm sendo encontrados presos em blocos de gelo na Sibéria há várias décadas. Os cientistas esperam extrair e manipular o DNA do animal extinto e inserir no óvulo de um elefante, um parente relativamente próximo dos mamutes. 

O que pareceu relativamente simples de se fazer nos filmes de ficção científica é infinitamente mais complexo na vida real. Extrair DNA em boas condições, mesmo a partir do corpo bem preservado de um animal congelado, e conseguir combiná-lo com o material genético de animal vivo requer uma série de tecnologias que ainda vão necessitar de muitos anos de estudo e de pesados investimentos. 

Além desses “pequenos problemas” técnico-científicos, existem grandes questões éticas a serem consideradas. No caso dos mamutes, sua extinção foi provocada por bruscas mudanças ambientais em seus habitats de origem natural. A espécie seguiu por um caminho evolutivo ao longo de milhões de anos e, repentinamente, entrou num “beco sem saída” evolucionário. Faz sentido trazer de volta a vida esse animal? 

Por outro lado existem dezenas de milhares de espécies contemporâneas que sofrem todo o tipo de ameaças, sendo que muitas delas estão a caminho da extinção. Para a maioria dos pesquisadores faz muito mais sentido usar os recursos disponíveis para tentar salvar essas espécies, deixando espécies já extintas para algum outro momento histórico.

Existem alguns casos, entretanto, onde espécies animais foram levadas a extinção devido a impactos criados pelos seres humanos e até poderia fazer sentido empenhar grandes esforços científicos para o seu renascimento. Podemos citar o caso das moas da Nova Zelândia, espécies de aves gigantes que foram levadas à extinção menos de dois séculos depois da chegada dos seres humanos a essas ilhas no final do século XIII. 

Um desses projetos, que caminha a largos passos, é o do tigre-da-Tasmânia (Thylacinus cynocephalus), também chamado de lobo-da-Tasmânia e tilacino. O último avistamento de um exemplar da espécie na natureza se deu em 1932 – o último animal mantido em cativeiro morreu em 1936 no Zoológico de Hobart, capital da Tasmânia. 

Pesquisadores da Escola de Biociências da Universidade de Melbourne, no Sul da Austrália, vem se dedicando há vários anos no trabalho de “desextinção” da espécie. Recentemente, o grupo de pesquisa recebeu um aporte de US$ 5 milhões de uma fundação filantrópica, recurso que poderá acelerar os trabalhos. 

O primeiro passo foi o sequenciamento completo do genoma do tigre-da-Tasmânia, concluído em 2017. Os cientistas retiraram amostras de tecido de filhotes desses animais que foram conservados em formol. O próximo passo será a construção de um laboratório de ponta, onde os trabalhos seguirão em três frentes: a compreensão completa do genoma da espécie, o desenvolvimento de técnicas para uso de células-tronco de marsupiais e, por fim, a criação de um embrião pronto para transferência para um útero hospedeiro. Entre as espécies cogitadas para gestar os animais estão o diabo-da-Tasmânia e o canguru. 

Os pesquisadores acreditam que todo o processo poderá estar completo dentro de dez anos. Além da possibilidade de trazer de volta a vida uma espécie desaparecida há mais de 80 anos, todos os conhecimentos acumulados poderão ser usados em processos de regeneração de outras espécies de marsupiais em risco iminente de extinção. 

Os marsupiais fazem parte de uma infra classe de mamíferos que se distinguem dos demais por sua fisiologia e anatomia reprodutiva. As gêmeas não possuem uma placenta completa – os filhotes nascem precocemente e terminam o seu desenvolvimento dentro de um marsúpio, uma espécie de bolsa provida com glândulas mamárias. Exemplos de marsupiais são os cangurus, os gambás e as cuícas. 

Apesar de sua aparência lembrar muito um lobo (o nome tigre foi dado por causa das listas no pelo do animal), o tigre-da-Tasmânia é um desses marsupiais. Sua aparência foi o resultado do seu processo evolutivo, algo que é conhecido em biologia como evolução convergente, ou seja, quando duas espécies sem relações e sem um ancestral em comum, apresentam uma característica semelhante. 

Um exemplo atual que ilustra esse processo são as fossas (Cryptoprocta ferox) da Ilha de Madagascar. Trata-se de um mamífero carnívoro com aspecto que lembra muito um felino, porém, as relações de parentesco estão mais próximas das fuinhas, uma espécie de furão. 

Num passado remoto, os tigres-da-Tasmânia ocupavam todo o território da Austrália. A saga da espécie começou a mudar há cerca de 65 mil anos, época em que os primeiros grupos humanos começaram a chegar ao grande continente insular. Esses humanos vinham acompanhado de cães domésticos, que depois se transformaram em animais selvagens – os dingos. 

Os dingos (Canis lupus dingo ou Canis dingo) gradualmente foram expandindo o seu território e passaram a ocupar o mesmo nicho ecológico dos tigres-da-Tasmânia. Há cerca de 3 mil, os animais desapareceram da Austrália e passaram a ficar restritos ao território da Tasmânia, uma grande ilha localizada no Sudeste australiano. 

Desde o início do processo de colonização da Tasmânia no século XIX, os “tigres” passaram a serem vistos como uma séria ameaça aos rebanhos de ovelha, algo que nunca foi comprovado. Os animais foram caçados impiedosamente até a sua extinção completa na natureza no início da década de 1930. Se tudo correr bem, quem sabe veremos novamente os tigres-da-Tasmânia correndo livremente pelas matas e campos da ilha dentro de poucos anos. 

Essa espécie de “acerto de contas” dos australianos com seu passado poderá ser benéfica para outras espécies ameaçadas, especialmente dos marsupiais. Pelo passado geológico da América do Sul, que durante milhões de anos formou um único continente junto com a África, Antártida, Índia, Ilha de Madagascar, Austrália, Nova Zelândia, entre outras ilhas – o famoso continente de Gondwana, existem diversas espécies de marsupiais aqui no Brasil. 

São gambás e cuícas entre outras 60 espécies nativas. Muitos desses animais estão ameaçados pelos desmatamentos e avanços das frentes agrícolas. Quem sabe, toda essa tecnologia genética que está sendo desenvolvida para “desextinção” do tigre-da-Tasmânia possa vir a ser usada para salvar nossas espécies da extinção. 

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