
A colonização das ilhas do Oceano Pacífico pelos polinésios é, de longe, a maior saga das migrações oceânicas da história da humanidade. Partindo do Sudeste Asiático em canoas primitivas repletas de pessoas, animais domésticos e plantas, os polinésios iniciaram por volta do ano 1200 a.C, a colonização das ilhas isoladas do maior oceano do mundo.
Sem mapas, instrumentos náuticos ou conhecimentos das correntes oceânicas e do regime de ventos, esses pioneiros navegadores se lançaram rumo ao horizonte azul seguindo as estrelas, as aves migratórias e as nuvens. Ao longo de dois milênios, os polinésios desbravaram o maior de todos os oceanos, com uma área total equivalente a um terço da superfície terrestre. Evidências arqueológicas e linguísticas sugerem o contato entre polinésios e povos sul-americanos séculos antes da chegada das expedições de Cristóvão Colombo, João Vaz Corte Real e Pedro Álvares Cabral.
A origem dos polinésios remonta a algo como 33 mil anos atrás, quando populações que viviam numa faixa de terras entre o que é hoje a Malásia e o Vietnã passaram a navegar de ilha em ilha nas áreas de mares entre o Sudeste Asiático e a Austrália. Essa grande saga durou cerca de 30 mil anos, quando os polinésios chegaram ao Arquipélago de Bismark no Extremo Leste dessa região, fechando a primeira fase da colonização polinésia.
Foi por volta do ano 1200 a.C., que os polinésios voltaram a sua atenção para o gigantesco Oceano Pacífico. Observando as migrações das aves marinhas, os polinésios entenderam existir outras terras além mar e organizaram expedições exploratórias. Suas referências para navegação eram, além das aves, as estrelas e as grandes massas de nuvens no horizonte, uma clara indicação da presença de terra firme.
A cada ilha descoberta, uma nova colônia era formada. As expedições eram formadas por homens e mulheres, além de toda uma gama de animais domésticos como galinhas e porcos, além de plantas comestíveis como os cocos e hortaliças. De tempos em tempos, grupos de exploradores voltavam até suas ilhas de origem, mantendo assim um contínuo intercâmbio cultural e comercial.
Um dos arquipélagos mais distantes alcançados pelos navegadores polinésios foram as Ilhas do Havaí, descobertas entre o ano 300 a.C e 600 da Era Cristã. De acordo com as lendas da tradição oral, o nome dado ao arquipélago vem de Havaí Loa, nome do descobridor das ilhas. Outra hipótese é ser uma derivação da palavra polinésia para casa – Hawaiki.
Outro marco nessa exploração foi a descoberta do arquipélago da Nova Zelândia pela tribo dos maoris, um dos muitos grupos polinésios, por volta do ano 1280 da Era Cristã . Conforme comentamos em uma postagem anterior, os maoris encontraram uma fauna bastante diferente nessas ilhas, inclusive as moas, grandes aves terrestres. Em cerca de 200 anos, a caça intensiva levou as moas a extinção.
O território conquistado pelos polinésios pode ser delimitado por um grande triângulo com uma área equivalente à do Brasil. Nos vértices desse triangulo encontramos ao Norte as Ilhas do Havaí, a Leste a Ilha de Pascoa e ao Sul a Nova Zelândia. Cada um dos lados desse triângulo tem cerca de 10 mil km de comprimento.
A origem dos polinésios intrigou os pesquisadores ocidentais por muito tempo. Segundo os relatos de muitos navegadores dos séculos XVIII e XIX, era muito comum encontrar entre os nativos das ilhas pessoas com um tom de pele mais claro e também com olhos claros, muito provavelmente de ascendência europeia. Essa evidência coincide com algumas lendas de povos da América Central e do Sul sobre a chegada de homens brancos e barbudos em embarcações na costa do Oceano Atlântico num passado remoto.
No México, a lenda fala do deus branco Quetzalcotl (“serpente emplumada”), que veio navegando do Oceano Atlântico. Entre os povos incas, da porção ocidental da América do Sul, foi Viracocha (“mar tempestuoso”) que veio do mar ocidental. Entre os maias, o estrangeiro semelhante a um deus era Kukulkan e, em outras tribos maias, o estrangeiro era Gucumatz. Entre os índios brasileiros era Sumé, Tumé ou Maíra, homem branco barbado que caminhava sobre as águas, deixava rastros na pedra e que teria ensinado muitas coisas aos índios. De acordo com todas essas lendas, esses homens voltaram para o mar e desapareceram.
Uma das evidências mais intrigantes dessa conexão entre as Américas e as ilhas polinésias no Oceano Pacífico é o culto ao deus Tiki existente entre os povos pré-incaicos do Peru e da Bolívia e também em diversas ilhas espalhadas ao longo de milhares de quilômetros no Oceano Pacífico. Outra evidencia, essa bastante apetitosa, é o consumo da batata-doce pelos polinésios, uma planta originária dos Andes sul-americanos e cuja cultura foi disseminada pelas ilhas do Pacífico há centenas de anos.
A batata-doce (Ipomoea batatas) passou a ocupar uma posição de destaque como item alimentar polinésio, semelhante ao da mandioca entre os indígenas brasileiros e ao do milho entre os povos centro-americanos. Considerando que exista qualquer fundo de verdade nessas antigas lendas, não é nada difícil imaginar que foram esses homens barbudos os responsáveis pela disseminação das batatas-doces por algumas das ilhas do Oceano Pacífico.
Uma outra provável origem dessa espécie de planta invasora nas ilhas polinésias pode ser encontrada em antigas lendas transmitidas pela tradição oral, que falam de um rei havaiano que visitou a costa Oeste da América do Sul num passado distante. Esse rei comandava uma flotilha com centenas de jangadas polinésias – as pai-pai. Teria sido nessa viagem que os polinésios conheceram e se encantaram pelas nossas deliciosas batatas-doces. Entre as cargas levadas na viagem de volta até a Ilhas do Havaí, se encontravam grandes quantidades da raiz.
A partir das ilhas havaianas, as batatas-doces teriam sido levadas para as ilhas mais distantes por sucessivas expedições dos navegadores. Todas essas hipóteses são fundamentadas em meras especulações lendárias. Porém, considerando a grande capacidade de navegação dos povos antigos, como é o caso dos próprios polinésios, nenhuma delas pode ser considerada improvável.
Estudos recentes feitos com o DNA de diversas espécies de batatas-doces colocaram essa hipótese da disseminação das plantas por esses antigos navegadores em cheque. De acordo com esses estudos, a planta surgiu há cerca de 800 mil anos e as espécies encontradas nas ilhas do Oceano Pacífico divergiram das espécies sul-americanas há cerca de 100 mil anos atrás, muito tempo antes das navegações dos polinésios.
Serão necessários ainda muitos anos e inúmeras novas pesquisas até se encontrar algum fundo de verdade dentro de tudo isso. Para finalizar, deixo uma outra questão curiosa: a palavra polinésia para batata-doce é kuumala e entre as populações Quechua da costa Oeste da América do Sul é kumara. A semelhança entre as palavras de povos tão distantes não parece ser uma mera coincidência.