
Na última postagem fiz uma rápida apresentação da ancestral convivência entre os seres humanos e os ratos, um animal que acabou sendo “domesticado” involuntariamente. Descobrindo as comodidades da vida próxima aos assentamentos humanos, onde podiam comer as sobras e também atacar os estoques de alimentos, os ratos passaram a acompanhar as migrações e depois se “estabeleceram” nos subterrâneos das cidades que foram surgindo.
Foram inúmeros os problemas causados pelos ratos ao longo da história, indo desde o consumo de grandes volumes dos alimentos produzidos e estocados aos casos de grandes epidemias como a Peste Negra do século XIV. A proliferação dos ratos ao redor do mundo, onde chegavam como clandestinos em navios, também causou enormes problemas ao meio ambiente, especialmente a extinção de várias espécies animais como as aves terrestres de várias ilhas – os ratos atacavam os ninhos para comer os ovos e os filhotes.
Para não ficarmos relatando apenas fatos do passado, hoje gostaria de citar o caso da grande infestação de ratos que, neste exato momento, está tomando conta de várias regiões da Austrália, principalmente no Leste e Sudeste do país. Milhões de ratos da espécie Mus musculus, os famosos camundongos, estão invadindo áreas urbanas e rurais, onde atacam plantações e silos de armazenagem de grãos, celeiros, moinhos, locais de armazenamento de água, além de invadir casas e tirar o sono, literalmente, de milhares de pessoas.
Durante dezenas de milhões de anos, o Continente Australiano foi um dos mais isolados do mundo, sem ligações terrestres com outras áreas continentais ou ilhas. Isso possibilitou uma evolução de espécies animais e vegetais de forma completamente isolada, levando ao surgimento de espécies únicas e bem diferentes daquelas encontradas em outras partes do mundo. Entre essas espécies destacam-se marsupiais como os cangurus e os coalas.
Uma das primeiras espécies invasoras da Austrália foram os cães que acompanhavam as expedições dos navegadores polinésios ao continente entre 4 e 5 mil anos atrás. De animais domésticos, esses cães voltaram a uma vida selvagem e originaram os dingos (Canis lupus dingo ou Canis dingo), os cães selvagens australianos da atualidade.
Entre os estragos causados por esses animais pode estar a extinção do tilacino ou lobo-da-Tasmânia, uma espécie de marsupial semelhante a um lobo que no passado era encontrada em toda a Austrália, passando depois a ficar restrita apenas ao território da Tasmânia, uma grande ilha ao Sul do Continente. Os tilacinos sobreviveram na Tasmânia até a década de 1930 – os criadores de ovelhas caçavam o animal devido a fama injusta de ser um predador de ovelhas, levando à sua extinção completa.
Com a descoberta da Austrália no século XVI (portugueses e holandeses foram os primeiros a desembarcar no continente, mas não se interessaram pela colonização) e com o início da sua ocupação pelos ingleses no século XVIII, diversas outras espécies animais foram introduzidas, com destaques para animais domésticos como ovelhas, cabras, bois e vacas, cavalos e burros. Colonos saudosos de sua vida na Grã Bretanha também passaram a introduzir animais silvestres de caça como raposas, coelhos e lebres. Sem predadores locais, muitas dessas espécies passaram a ter ciclos sucessivos de superpopulação e causaram enormes problemas ambientais.
Entre as espécies invasoras, é claro, não poderiam faltar os ratos, animais que gradativamente passaram a ocupar nichos ecológicos da “grande ilha”, competindo com larga vantagem com espécies locais. Com grande disponibilidade de alimentos e poucos predadores autóctones, a Austrália passaria a conviver com ciclos sucessivos de superpopulação de ratos – esses ciclos normalmente ocorrem de dez em dez anos.
A atual explosão da população de ratos é creditada às boas temporadas de chuvas regulares dos últimos anos, que têm resultado em safras recordes de grãos e outros alimentos. Uma boa oferta de comida é sempre um bom motivo para o crescimento de uma família de ratos. Um casal da espécie Mus musculus pode gerar até 500 filhotes em um único ano.
Os pesquisadores também vêm afirmando que as mudanças climáticas que estão ocorrendo no país podem ter contribuído para a explosão do número de ratos. A Austrália vem apresentando invernos cada vez mais quentes, especialmente na faixa Sul, região onde o clima era mais temperado. Com temperaturas altas durante praticamente o ano todo, os ratos passaram a contar com uma oferta mais constante de alimentos.
O clima mais quente gera um temor generalizado entre os especialistas da manutenção da população de ratos em altos patamares daqui para a frente. Em “epidemias” anteriores, o grande número de ratos acabava consumindo todos os recursos alimentícios disponíveis e, de uma hora para outra, os animais começavam a morrer de fome aos milhares. Uma nova explosão populacional só voltava a ocorrer cerca de dez anos depois.
Se os leitores pesquisarem na internet, poderão encontrar dezenas de vídeos mostrando como está sendo a vida em meio a tantos ratos. Os gatos domésticos e selvagens da Austrália, que figuram entre os grandes predadores dos roedores, estão fartos de tanto caçarem e comerem os camundongos, passando a condição de meros espectadores dos invasores. Embaixo de qualquer móvel, veículo, caixa ou pedaço de madeira em que se olhar, se escondem dezenas de ratos.
Os animais também são encontrados aos milhares nos forros sob os telhados das casas – muitos australianos não conseguem mais dormir por causa da algazarra que os ratos fazem tanto de dia quanto de noite – muitas pessoas já desenvolveram sérios distúrbios psicológicos e psiquiátricos, sendo que muitos dos casos são considerados irrecuperáveis pelos médicos. Há inúmeros relatos de pessoas que são acordadas no meio da noite com ratos andando sobre o travesseiro ou sob as cobertas. Não é exagero afirmar que muitos australianos estão “enlouquecendo” por causa dos ratos.
Entre os maiores problemas causados pelos ratos estão os ataques às plantações, aos estoques de grãos, aos alimentos armazenados em despensas e geladeiras, a destruição de roupas e sapatos, danos na fiação elétrica e nos encanamentos. A grande proximidade entre os animais e as pessoas também tem resultado em ataques e mordidas, um risco extra à saúde da população.
Os ratos também costumam frequentar as caixas e outros depósitos de água das casas, inviabilizando seu consumo pelos moradores. Outra grande fonte de reclamações é o mal cheiro deixado nas casas e quintais pelas fezes e urina dos ratos, além do odor da putrefação de animais mortos. Uma piada de mal gosto que costuma circular entre a população local diz que “quando um rato morre, centenas de familiares comparecem para o seu velório e funeral“.
Ratoeiras e armadilhas de todos os tipos estão sendo usadas largamente, sem conseguir os melhores resultados. Os australianos estão utilizando cada vez mais iscas e produtos químicos venenosos, uma prática que também pode atingir os animais domésticos, além de criar riscos de contaminação em corpos d’água, o que pode prejudicar também animais da fauna silvestre.
A situação na Austrália está desesperadora, principalmente para aqueles que, como eu, tem pavor a ratos.
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