Na postagem anterior falamos de um dos mais graves problemas ambientais da Índia – os altíssimos níveis de poluição do ar nas grandes cidades do país. De acordo com estudos realizados pela OMS – Organização Mundial de Saúde, 14 das 15 cidades com o ar mais poluído do mundo estão na Índia, onde se inclui Nova Déli, Mumbai, Calcutá, Chennai, Bangalore, Hyderabad, entre outras.
Além dos conhecidos problemas criados pelas emissões de veículos automotores, de fábricas e de centrais de geração termelétrica a carvão, as queimadas realizadas em propriedades rurais, especialmente em canaviais, também geram um substancial volume de gases poluentes.
A cana-de-açúcar é, há milhares de anos, uma das culturas agrícolas de destaque na Índia e a queima da sua palha nos momentos de colheita é feita para facilitar o corte das plantas. O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, usada como matéria prima para a produção de açúcar e de etanol (álcool combustível), entre outros produtos. A produção brasileira de cana-de-açúcar é da ordem de 720 milhões de toneladas.
A Índia vem na segunda posição, com uma produção anual de 320 milhões de toneladas, seguida pela China com 112 milhões de toneladas. Nesses dois países, a produção é destinada quase que exclusivamente para a produção do açúcar. Brasil, Índia e China produzem dois terços de toda a cana-de-açúcar do mundo. Cada indiano consome mais de 40 kg por ano e são os maiores consumidores de açúcar per capita do mundo. A média de consumo mundial é de 23 kg por habitante; nos Estados Unidos e na Europa o consumo é mais alto, da ordem de 32,5 e 35,1 kg, respectivamente.
Diferente do que acontece aqui no Brasil, onde grande parte da produção é feita em grandes propriedades, na Índia o plantio da cana-de-açúcar é realizado por pequenos produtores rurais em áreas com um tamanho médio de 1,8 hectares. Segundo estimativas do Governo central do país, são 30 milhões de propriedades produtoras, onde o plantio e a colheita manual são feitos por famílias. A queima de tantos canaviais ao mesmo tempo, assim como é feito em muitas regiões aqui no Brasil, gera enormes problemas ambientais.
A queima da palha de 1 tonelada de cana gera a emissão de 9 kg de CO2 (dióxido de carbono), além de outros gases como o monóxido de carbono (CO), o óxido nitroso (N2O), o metano (CH4). A queima da palha também contribui para a formação do ozônio (O3). Outro problema sério é a geração de fuligem – quem mora próximo de regiões produtoras de cana conhece bem o drama dos períodos de queima dos canaviais e da fumaça e da fuligem que invadem as casas dos moradores.
Um dos grandes problemas ambientais criados por esses gases é a chuva ácida, que contamina fontes de abastecimento de água, o que pode comprometer a biodiversidade, provocar a destruição de áreas florestais e induzir mortandades de peixes. Atingindo populações humanas, esses gases diminuem a resistência do organismo, causam infecções e irritação nos olhos, além de problemas cardiorespiratórios.
A cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) é originária da Índia e resulta da hibridização de diversas espécies nativas do Sudeste Asiático, incluindo espécies do Subcontinente Indiano, China, Nova Guiné, Filipinas e Malásia, entre outras. Estudos indicam que o cultivo da planta começou por volta do ano 6 mil a.C, quando os indianos desenvolveram o processo de refino e produção do açúcar, que em sânscrito é çakkara. Os árabes adaptaram a palavra para súkkar e, posteriormente, os gregos usaram a palavra para sákcharon, raiz da conhecida palavra sacarose.
A produção do açúcar vem sendo uma atividade econômica fundamental para os indianos desde o passado remoto. Além de constituir uma parte importante da cultura e da culinária indiana, o açúcar sempre foi um importante produto de exportação. Mercadores indianos vendiam o açúcar em portos de todo o Oceano Índico, popularizando o seu consumo como remédio e alimento.
A partir da Índia, a cultura da cana-de-açúcar se estendeu para a Pérsia meridional e depois para a Península da Arábia. Os primeiros europeus a conhecer a cana-de-açúcar e a experimentar o açúcar foram provavelmente os soldados gregos que acompanhavam Alexandre III da Macedônia (356-323 a.C.). Mercadores árabes se encarregaram de espalhar o açúcar por todo o Oriente Médio, Norte da África, Ásia Central e Europa. Os primeiros canaviais na Europa surgiram no Sul da Espanha em 711 e na Sicília, ilha do Sul da Itália, em 827. Em Portugal, as primeiras mudas de cana-de-açúcar foram plantadas na região do Algarve a parte do ano de 1159.
Nas principais línguas da Europa Ocidental e dos países nórdicos é bastante fácil perceber que a palavra árabe seguiu o caminho dos mercadores: açúcar, azúcar, azucre, sucre, azucre, sucre, suggar, siúcra, zucchero, suiker, zucker, sukker, socker, sukke, sykur e sokeri, respectivamente, em português, espanhol, galego, catalão, basco, francês, inglês, irlandês, italiano, holandês, alemão, dinamarquês, sueco, islandês, norueguês e finalndês.
A cana-de-açúcar chegou ao Brasil na década de 1530, nos mesmos navios que transportaram os primeiros colonizadores, escravos e bois. Desde a alta Idade Média, o açúcar se transformou em um dos produtos mais cobiçados do mundo, sendo vendido em gramas e a “peso de ouro” nas boticas da Europa. Durante os nossos três primeiros séculos de história, o plantio da cana e a produção do açúcar refinado para exportação foram as atividades econômicas mais importantes do Brasil. Essa cultura também foi a principal responsável pela destruição do trecho Nordestino da Mata Atlântica.
As principais regiões produtoras de açúcar no mundo se encontram nas zonas de clima tropical e subtropical, especialmente em países pobres e em desenvolvimento. Além dos problemas ambientais criados pela derrubada de matas para a abertura de campos agrícolas e da poluição gerada pela queima da palha na época das colheitas, a cultura do açúcar também é famosa pelo uso de mão de obra infantil e exploração dos trabalhadores. As famílias dos agricultores são pobres e as crianças são obrigadas a ajudar os pais desde a mais tenra idade.
Na Índia, onde 68% da população vive em áreas rurais, mais de 100 milhões de pessoas dependem, direta e indiretamente, das atividades ligadas à produção da cana-de-açúcar. A imensa maioria é oriunda das camadas mais pobres da sociedade. Por mais problemas que a queima da palha possa gerar nas grandes cidades, a dependendência que essa imensa massa de pessoas tem da cultura da cana-de-açúcar coloca os Governantes contra a parede.
Em várias regiões do mundo, a queima dos canaviais não é mais necessária, uma vez que a colheita é feita por máquinas agrícolas. Aqui no Brasil, grandes esforços vem sendo feitos para minimizar esse problema. No Estado de São Paulo, citando um exemplo, as grandes usinas produtoras de açúcar são proibidas de queimar os canaviais desde 2017 e vem utilizando maquinário nas colheitas. Apesar dos enormes ganhos ambientais, essa mudança obrigou a requalificação de cerca de 400 mil trabalhadores que trabalhavam no corte da cana e que ficariam desempregados. Imaginar algo do tipo na Índia é quase impossível.
O grande dilema da Índia: escolher entre o doce sabor do açúcar e o combate aos graves efeitos da poluição em suas grandes cidades. Difícil escolha.