A Europa é, já há muitos anos, o continente que adota as práticas de segurança mais rígidas para o transporte de petróleo e seus derivados. O último grande acidente envolvendo o transporte de petróleo em águas europeias ocorreu em 1978, quando o navio Amoco Cadiz naufragou nas costas da Bretanha e provocou o maior desastre ambiental da história, só superado pela tragédia com o Exxon Valdez onze anos depois.
O Cadiz era um superpetroleiro da classe VLCC – Very Large Crude Carrier, ou Transportador de Óleo Muito Grande, de propriedade da empresa petrolífera norte-americana Amoco. A embarcação foi construída em 1974 por um estaleiro espanhol localizado em Cádiz, sendo batizado com o nome dessa cidade. Há época do acidente, a embarcação era nova e considerada uma das mais modernas da frota mundial. Com um comprimento total de 334 metros, o Amoco Cadiz tinha capacidade para transportar cerca de 270 mil toneladas de petróleo bruto.
Em sua última viagem, o Amoco Cadiz estava transportando uma carga de petróleo iraniano embarcado no Golfo Pérsico e seguia na direção a uma refinaria na Europa. Na manhã do dia 16 de março, enquanto a embarcação enfrentava uma forte tempestade ao largo da costa da Bretanha, no Noroeste da França, ela foi atingida por uma onda gigantesca. O impacto da onda no casco danificou o sistema do leme, deixando o navio à deriva. Um navio rebocador foi enviado em auxílio ao Amoco Cadiz, porém, devido as más condições do mar, não foi possível realizar qualquer tipo de manobra ou operação. O superpetroleiro encalhou num afloramento rochoso localizado a 3 milhas da costa, próximo do pequeno porto de Portsall.
O grave acidente acabou transformado numa gigantesca tragédia no dia seguinte – atingindo continuamente por fortes ondes, o casco do Amoco Cadiz foi partido ao meio (vide foto), liberando a maior parte de sua carga de petróleo nas águas do Atlântico Norte. Uma grande mancha de óleo foi espalhada ao longo de 1.300 km, atingindo toda a costa Oeste da França e também praias do Nordeste da Espanha.
De acordo com levantamentos realizados pela NOAA – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica na sigla em inglês, instituição ligada ao Governo dos Estados Unidos, o acidente com o Amoco Cadiz liberou 22.280 toneladas métricas de petróleo nas águas do oceano. Durante as operações de limpeza das águas que se seguiram, foram recuperadas cerca de 100 mil toneladas de água misturada com óleo e, desse total, apenas 20 mil toneladas de petróleo foram recuperadas em refinarias. A maior parte do petróleo que vazou acabou sendo dispersada de forma difusa pelo meio ambiente, se acumulando principalmente no leito oceânico.
As consequências desse acidente ao meio ambiente vêm sendo intensamente estudadas por inúmeros cientistas de diversas áreas e existe uma farta quantidade de dados para consulta. Cerca de 300 km de praias de areia, de pedras e de cascalho foram atingidas. O óleo também atingiu paredões rochosos, molhes de pedras de áreas portuárias, além de ter atingido locais de vegetação costeira como lodaçais e sapais. Os locais atingidos pelo óleo tiveram 30% de sua fauna e 5% de sua flora destruídos.
O primeiro grande impacto às comunidades da fauna aquática foi mostrado cerca de duas semanas depois do acidente, quando as praias da região foram cobertas com os restos mortais de milhões de moluscos, ouriços-do-mar, crustáceos e outras espécies marinhas. As praias também foram tomadas por cerca de 20 mil aves marinhas mortas, principalmente de espécies que mergulham para capturar seus alimentos. O óleo presente na água fica impregnado nas penas das aves, que não conseguem mais regular a temperatura corporal e acabam morrendo por hipotermia.
O petróleo também atingiu inúmeras “fazendas” de criação de ostras, vieiras e outras espécies de moluscos de alto valor comercial e bastante usadas na culinária francesa. Cerca de 9 mil toneladas desses produtos tiveram de ser descartados por riscos de contaminação, prejudicando milhares de pequenos produtores e trabalhadores do setor. A pesca de diversas espécies de peixes e também a coleta de algas foram afetados. O turismo em toda a região, uma importante atividade econômica, também ficou seriamente prejudicado.
Durante os processos de limpeza de rochas e paredões rochosos, as equipes utilizaram jatos de alta pressão, onde a água recebe produtos químicos a base de solventes. Apesar de remover satisfatoriamente o óleo que ficou preso na superfície das rochas e melhorar a paisagem das praias e costões rochosos, esse processo apenas transferiu o problema para o fundo do oceano – as equipes de limpeza lançavam pó de giz sobre as manchas de óleo, o que criava aglomerados pesados e que afundavam rapidamente.
No acompanhamento dos impactos ambientais às espécies bentônicas, ou seja, que vivem no fundo marinho, os especialistas perceberam que diversas espécies, principalmente os equinodermos, filo onde se incluem as estrelas-do-mar, e pequenos crustáceos desapareceram completamente de muitas áreas. Foram necessários mais de ano para que essas áreas voltassem a ser colonizadas, o que demonstra a intensidade dos impactos da presença de óleo no fundo oceânico. Essa limpeza com jatos de alta pressão também prejudicou inúmeras comunidades de seres vivos que vivem nas chamadas “zonas de maré”, onde se incluem ostras e cracas que vivem presas nas pedras e costões rochosos – foram necessários vários anos para a recuperação dessas comunidades.
Nas áreas alagadiças da costa, de difícil acesso e limpeza, os impactos da presença do óleo foram sentidos por vários anos. Esses ecossistemas, onde os sapais são os mais importantes, são áreas de terras baixas ao longo da costa que são sujeitas ao alagamento por água do mar durante a maré alta. Nessas águas salobras se encontra uma vegetação características, conhecida como halofítica, ou seja, dotada de grandes raízes adaptadas para a vida na água como os manguezais das regiões tropicais. Algumas dessas espécies de planta crescem sobre uma grossa camada de sal.
Os sapais da Europa, assim como ocorre com os manguezais, são ecossistemas de grande importância ambiental, fornecendo grande quantidade de matéria orgânica para os oceanos. Existem diversas espécies marinhas que se reproduzem e vivem parte do seu ciclo de vida nos sapais e que são fundamentais na cadeia trófica de diversas espécies marinhas de grande valor comercial. Como consequência da contaminação dessas áreas alagadas por óleo, a produtividade pesqueira de uma extensa região da França ficou prejudicada por vários anos.
O Governo da França, em conjunto com pescadores, criadores de moluscos marinhos, empresas da área de turismo, entre outros prejudicados com o acidente, entrou com um pedido de indenização na Justiça dos Estados Unidos, país onde fica a sede da empresa propritária do Amoco Cadiz. Em 1992, as partes chegaram a um acordo, quando foi acertada uma indenização de US$ 200 milhões, menos da metade do valor reinvindicado pelos europeus.
O gravíssimo acidente com o superpetroleiro Amoco Cadiz provocou uma série de mudanças na legislação dos países europeus, tornando muito rigorosas as regras de segurança exigidas para o embarque, transporte, desembarque e armazenamento de petróleo no continente. Graças a todas essas mudanças, nenhum outro acidente de grande porte como o do Amoco Cadiz voltou a ser registrado.
Felizmente, existem lugares do mundo onde as pessoas aprendem alguma coisa a partir de seus próprios erros. Ai que inveja que dá…
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