AS POUCO CONHECIDAS LONTRAS BRASILEIRAS

Lontra

Na nossa última postagem falamos dos ratões-do-banhado, um grande roedor que já foi muito comum em rios da Região Sul do Brasil e de parte do Estado de São Paulo. Essa espécie foi muito perseguida em décadas passadas por caçadores para o aproveitamento da sua vistosa e macia pelagem. Em nossos dias, os ratões-do-banhado sofrem com a destruição dos seus habitats devido a intensa poluição dos rios e supressão das matas ciliares, locais onde a espécie costuma construir suas tocas. Para piorar a situações dos ratões, a espécie apresenta uma incômoda semelhança com os ratos cinzentos, chamados de ratazanas e gabirus em outras regiões, especialmente pela presença de um grande rabo sem pelos – filhotes de ratões-do-banhado são confundidos com ratos cinzentos e acabam sendo mortos pelas populações. 

A triste situação dos ratões-do-banhado lembra a situação das lontras, uma espécie semiaquática com ocorrência em rios da maioria das regiões brasileiras, que sofre de alguns males parecidos, especialmente a destruição de habitats e a caça predatória para a retirada da sua pelagem. Animais semiaquáticos como as lontras, os ratões-do-banhado, ariranhas e capivaras possuem uma pelagem dupla muito espessa, adaptada para proteger e manter seus corpos aquecidos em suas longas horas passadas em águas frias. Essas peles sempre foram muito procuradas para a confecção de botas, próprias para países com invernos muitos rigorosos.  

No Hemisfério Norte, onde sempre foi comum a caça de animais com características similares como castores, focas e lontras marinhas, a demanda por essas botas “quentes” sempre foi muito grande. A caça de animais silvestres aqui no Brasil era permitida até 1967 e centenas de milhares de animais eram abatidos todos os anos para remoção dos seus couros e peles para exportação. Na lista das espécies mais caçadas encontravam-se as lontras, o que fez a espécie sumir de muitos rios do país. O avistamento de lontras na natureza, que já era muito raro devido aos hábitos noturnos dos animais, ficou ainda mais difícil. 

A lontra é um mamífero carnívoro que pertence à família dos mustelídeos e que é encontrada na Europa, Ásia, África, no Sul da América do Norte e em toda a América do Sul. Existem 13 espécies no total, divididas em 7 gêneros, com inúmeras espécies vivendo em rios e lagos, além de espécies totalmente adaptadas para uma vida em águas marinhas. São exímias nadadoras, com dedos dotados de membranas interdigitais, com capacidade para mergulhos de até 6 minutos e que podem atingir uma velocidade de até 12 km/h. Sua alimentação consiste de peixes, crustáceos, moluscos e répteis, além de aves e pequenos mamíferos com menor frequência. O nome do animal deriva do latim lutra, um epiteto (nome utilizado para qualificar algo) que indica “que tem cauda longa”. 

A lontra neotropical (Lontra longicaudis), que por aqui é conhecida como lontra brasileira, ocupa um extenso território que vai do México até a Argentina e ocorre em praticamente todo o território brasileiro, a exceção das regiões semiáridas do Nordeste. A espécie vive em ambientes aquáticos como rios, lagoas e represas, dependendo da existência de matas ciliares próximas, onde constrói as suas tocas em buracos cavados nos barrancos. Essas tocas costumam ficar a cerca de 150 metros das margens dos rios, o que facilita o acesso fácil à água ao mesmo tempo em que garante uma relativa segurança aos filhotes em momentos de enchentes. 

As lontras podem atingir um comprimento de mais de 1,3 metro de comprimento, incluindo nesse tamanho a sua longa cauda. O peso pode variar entre 5 e 12 kg. Para efeito de comparação, a ariranha (Pteronura brasiliensis), que é um membro gigante da família das lontras, pode atingir até 2 metros de comprimento e um peso entre 25 e 45 kg. Diferente de outros membros da sua grande família que costumam viver em grupos entre 10 e 15 indivíduos, nossas lontras costumam viver solitárias ou em casais somente na época do acasalamento. Geralmente, as lontras apresentam hábitos noturnos, período em que saem das suas tocas para caçar, característica que faz com que os animais raramente sejam avistados na natureza. 

Essa raridade de avistamentos de lontras em rios e corpos d’água aqui no Brasil faz com que a maioria das pessoas não saiba que ela é uma animal típico da fauna brasileira. Eu mesmo sou obrigado a dar a mão à palmatória – em diversos livros e materiais pedagógicos que escrevi e ilustrei, sempre fiz questão de colocar animais típicos de nossa fauna silvestre entre os personagens. Macacos, capivaras, jabutis, jacarés-do-papo-amarelo, gatos-maracajás e papagaios-do-peito-roxo são frequentes nas minhas historinhas – já as simpáticas lontras, não sei por que, nunca sequer foram cogitadas. 

As perseguidas lontras agora estão enfrentando um novo desafio – em diversos países do Extremo Oriente, em especial Japão, Indonésia, Tailândia e Malásia, os animais passaram a ser adotados como animais de estimação. Está se tornando cada vez mais comum se verem pessoas andando em centros comerciais e cafés com lontras no colo – as selfies com a espécie também estão sendo muito frequentes nas redes sociais. A espécie que está abastecendo a maior parte desse mercado é a lontra-de-garras-pequenas, encontrada em rios da China e de países do Sudeste Asiático. Em menor escala, estão sendo vendidas as espécies lontra-eurasiática, lontra-sul-indiana e lontra-de-nariz-peludo. Cada exemplar desses animais é vendidos por milhares de dólares, o que estimula a caça ilegal e o contrabando.

A lontra-de-garras-pequenas é uma das menores espécies da família dos mustelídeos, com carinha rechonchuda, pelos macios e olhos grandes e muito brilhantes, e que está fazendo a alegria de muita gente nesses países. Apesar de estar concentrada hoje no outro lado do mundo, essa moda tem grande chance de se espalhar por outros países e passar a pressionar a nossa espécie local. Apesar da caça de animais silvestres ser proibida aqui no Brasil, nada impede que caçadores de países vizinhos invadam o nosso território para capturar filhotes de lontras brasileiras, que depois serão vendidas como “autênticas” lontras paraguaias ou bolivianas. A caça dos jacarés-do-pantanal, que quase levou a espécie a extinção décadas atrás, é um grande exemplo da facilidade dessa modalidade de caça.

A moda com esses animais silvestres tem tudo para dar errado – filhotinhos fofinhos que são comprados com um comprimento de 30 ou 35 cm e um peso de pouco mais de 4 kg, um dia vão crescer e ficar com mais de 1,3 metro e mais de 12 kg de peso. E assim como aconteceu com muitas outras espécies silvestres como iguanas, cobras, aranhas caranguejeiras e “mini” porcos, esses animais crescem demais e perdem a graça – muitos acabarão sendo abandonados em matas, o que pode criar uma competição predatória com as espécies nativas da região. 

Uma característica dos mustelídeos que também poderá comprometer essa moda das lontras de estimação é o cheiro forte dos animais. Como é comum em espécies semiaquáticas, as lontras possuem uma glândula que libera uma gordura, que o animal espalha sobre os pelos com as patas. Essa gordura deixa os pelos brilhantes e impermeáveis a ação da água – porém, essa gordura também possui um odor forte, que é usado pelos animais para a demarcação dos territórios. Conviver com esses animais fofinhos e “fididinhos” em casas e apartamentos fechados pode se transformar em um grande problema a longo prazo, o que poderá levar muita gente a sair desovando lontras exóticas em habitats selvagens alheios. 

Perseguidas ao longo dos séculos por causa da sua pelagem, sofrendo com a devastação e perda dos seus habitats naturais e poluição dos rios e lagos, as lontras agora são vítimas dessa moda dos “pets” exóticos. Vida de lontra nunca foi fácil… 

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