A CAÓTICA EXPLORAÇÃO DO GRANITO VERDE EM UBATUBA

Granito Verde Ubatuba

Ubatuba é um município no litoral Norte de São Paulo que faz divisa com Parati, no Estado do Rio de Janeiro. Com uma população na casa dos 89 mil habitantes e com uma área de mais de 700 mil km², Ubatuba tem 83% de seu território localizado dentro do Parque Estadual da Serra do Mar. Para muita gente, grupo no qual me incluo, Ubatuba tem as praias mais bonitas do litoral paulista. 

A preservação e o cuidado com o meio ambiente que se vê em Ubatuba em nossos dias, esconde um período caótico vivido no município entre o início da década de 1960 e o final dos anos de 1980, quando foi descoberta, acidentalmente, uma raríssima variedade de pedra ornamental – o granito verde de Ubatuba. Vamos contar rapidamente esta história, que mostra que, mesmo na exploração das inocentes rochas ornamentais, existem grandes impactos ambientais: 

Dizem que, entre 1961 e 1962, um fazendeiro de Ubatuba resolveu transformar suas terras em um loteamento. Para realizar a divisão dos lotes e o arruamento da área, esse fazendeiro contratou uma construtora da cidade. Na busca de uma fonte de cascalho para realizar seus trabalhos, a construtora resolveu partir para uma solução caseira – no fundo da fazenda, já no sopé da Serra do Mar, se avistavam grandes blocos rochosos que, aparentemente, poderiam fornecer os agregados para a obra. A construtora abriu uma estrada de serviço até o local e amostras das rochas foram coletadas. Para se certificar da qualidade do material, a construtora solicitou uma análise junto ao IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo. 

Para surpresa geral, o IPT não só atestou a qualidade das rochas para uso como agregado, como alertou que seria um desperdício de dinheiro fazer isso – as amostras de rochas recolhidas eram de um raro granito verde escuro, que até então só era encontrado em uma jazida na Costa do Marfim, na África. 

Antes de prosseguir, deixem-me relembrar uma informação que ajuda a explicar a coincidência da existência do granito verde no Brasil e na África – até aproximadamente 160 milhões de anos atrás, a América do Sul, a Antártida, a África, Madagáscar, a Índia, a Austrália, a Nova Caledônia, Papua-Nova Guiné e algumas ilhas menores, formavam um único super continente – Gondwana. Devido à movimentação das placas tectônicas (pesquise “tectônica global”), esse supercontinente começou a se fragmentar e seus “pedaços” seguiram em diferentes direções e formaram novos territórios e continentes. A costa brasileira já esteve ligada à África, o que explica a existência do mesmo mineral nos dois lados do Oceânico Atlântico.   

Em função dessa inesperada descoberta, ao invés de se instalar uma unidade de britagem de pedras no local e avançar com o projeto de criação de um loteamento na área, o fazendeiro montou a primeira pedreira de granito verde de Ubatuba. Rapidamente, a exploração do granito verde se transformou em uma das atividades econômicas mais importantes do município, com blocos da pedra sendo vendidos em todo o Brasil e também exportados para vários países através do Porto de Santos. Estimativas do DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral (atualmente chamado de ANM – Agência Nacional de Mineração), indicam que, em 1985, as exportações de granito verde de Ubatuba respondiam por 11% das exportações de pedras ornamentais do Brasil

Naqueles tempos idos, ainda não havia sido criado o Parque Estadual da Serra do Mar, apesar da maior parte dos terrenos das encostas já serem terras públicas. Sem muita fiscalização, não demorou muito a surgirem pedreiras clandestinas por todos os lados – documentos oficiais falam de perto de 60 pedreiras nestas condições no início da década de 1980. Essas pedreiras desmatavam, desmontavam imensos paredões rochosos, muitas vezes usando dinamite, abriam estradas e tudo mais o que se fizesse necessário para atingir os locais onde se encontravam os blocos de granito verde, sem que houvesse qualquer controle ou fiscalização das autoridades. 

As formações desse granito são blocos de rocha compacta de forma arredondada, conhecidos popularmente como matacões. Esses blocos tem um volume médio entre 300 e 400 m³, podendo ser encontrados enterrados e semi enterrados. Esses blocos possuem uma superfície rugosa e muito ondulada, de cor verde escura, de muito fácil identificação. Para qualquer aventureiro que quisesse entrar no negócio das pedras ornamentais e que tivesse disposição para entrar na mata, o caminho estava, literalmente, aberto. 

Em meados da década de 1980, a produção anual de granito verde foi estimada em 13 mil m³, o que equivaleria a retirada de cerca de 2.600 blocos com volume médio bruto de 5 m³. Essa intensa exploração mineral, feita da forma mais predatória possível, causou enormes impactos ambientais nas encostas da Serra do Mar na região. Com a remoção de grandes trechos de vegetação, seguido pelo desmonte e remoção de grandes blocos de rochas, as já instáveis encostas ficaram totalmente desprotegidas. Nas fortes temporadas de chuva de verão na região, aconteceram vários deslizamentos de encostadas, com várias vítimas fatais e enormes prejuízos para o município de Ubatuba. Por causa desses e de outros problemas, a extração do granito verde em Ubatuba foi proibida no final da década de 1980. 

Para sorte das empresas do segmento de pedras ornamentais e dos consumidores, em 1972 havia sido descoberta uma jazida de granito com características geológicas semelhantes à do granito verde de Ubatuba. Esse mineral, que foi batizado como granito verde-Labrador, foi descoberto em Alto Mutum Preto, um distrito da cidade de Baixo Guandu, no Espírito Santo. Esse granito verde “genérico” é atualmente o único material similar ao granito verde de Ubatuba a venda no mercado (vide foto). Apesar de ter recebido seu próprio nome de batismo, essa nova pedra ornamental continua sendo chamada de granito verde de Ubatuba. 

Mesmo após a criação do Parque Estadual da Serra do Mar – Núcleo Picinguaba (trecho do Parque em Ubatuba) em 1979 e de todos os esforços para a proibição da exploração do granito verde ao longo da década de 1980, de vez em quando temos notícias do desmantelamento de quadrilhas pegas em flagrante retirando ilegalmente blocos de granitos no interior da área protegida.  

Muita gente não consegue resistir à ideia de valiosos blocos de pedra jogados no meio da Mata Atlântica – em troca de dinheiro fácil, pensam eles, “que se dane o meio ambiente”. 

 

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