Para que você leitor entenda perfeitamente o que é o famoso Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco, incluindo todas as suas implicações técnicas e operacionais, é fundamental que você conheça alguns conceitos de hidrologia, que é a ciência que estuda, entre outros temas, a ocorrência, a circulação e distribuição das diferentes formas de água existentes na superfície terrestre, além de algumas informações de geografia e geologia. Vamos por partes.
Em diversas das postagens aqui publicadas, falamos da bacia hidrográfica do Rio São Francisco – vamos entender melhor o que isso significa:
O termo bacia hidrográfica é utilizado para definir uma área de captação de água, ou seja, a somatória das águas das chuvas e das águas que brotam de inúmeras nascentes subterrâneas de uma determinada região e que correm na direção de um único ponto de saída chamado de exutório. No caso do Rio São Francisco, estamos falando das águas de milhares de riachos e centenas de rios com nascentes em áreas do Cerrado e do Semiárido, e também das águas das chuvas, que correm com a força da gravidade na direção de um canal principal e central. A grande bacia hidrográfica do São Francisco corre primeiro no sentido sul-norte, do Estado de Minas Gerais em direção a Bahia; no Norte da Bahia, a bacia hidrográfica converge na direção Leste, acompanhando inicialmente áreas dos Estados da Bahia e de Pernambuco e, a seguir, de Alagoas e de Sergipe; o exutório da bacia hidrográfica do Rio São Francisco é a foz no Oceano Atlântico. Essa bacia hidrográfica é um sistema considerado aberto, onde há muitas perdas de água ao longo do caminho, ou seja, se você somar todo o volume de água que entrou na bacia hidrográfica, perceberá que não é exatamente o mesmo volume de água que vai ser despejado na foz no Atlântico. Essa diferença se dá pelas perdas de água por evaporação, infiltração de água no solo, interceptação pela vegetação, uso da água pela população para abastecimento e irrigação, entre outros usos. Os limites de uma bacia hidrográfica são estabelecidos pela topografia do terreno, ou seja, pelo relevo. Se tomarmos como exemplo uma montanha ou uma serra, você perceberá rapidamente que as águas das nascentes ou das chuvas correrão pelas diversas faces do relevo, seguindo em direções diferentes – o topo da montanha ou dos morros da serra são conhecidos como divisores de águas ou divisores topográficos da bacia hidrográfica. Como o escoamento da água se dá pela ação da gravidade, e a bacia é definida como o conjunto de áreas que contribuem com os caudais para um ponto central, a água seguirá sempre pelo caminho mais fácil, indo dos pontos mais altos do terreno em direção aos pontos mais baixos – isso acontecerá em cada um dos lados da montanha ou da serra que estamos usando como exemplo, formando bacias hidrográficas distintas em cada um dos lados. De uma forma bem simplificada: observe o telhado de uma casa (vide foto) – toda a água da chuva que cair sobre as telhas (captação da água) vai correr primeiro na direção de uma calha (equivalente a calha do rio) e depois vai descer por uma tubulação (exutório) até o nível do solo; se for um telhado com diversas faces ou lados, cada uma das faces ou lados formará um conjunto equivalente a uma bacia hidrográfica.
E o que significa a transposição de águas de uma bacia hidrográfica para outra? No exemplo da nossa montanha ou serra, ou ainda o exemplo do telhado de uma casa, significa que estaremos retirando água de um dos lados do relevo, ou seja, de uma bacia hidrográfica, e transferindo para o outro lado – para conseguir fazer essa transferência será necessário utilizar algum sistema mecânico de bombeamento que consiga elevar a água por meio de tubulações até o outro lado da montanha ou serra. Existindo um desnível natural entre as bacias hidrográficas, poderá ser escavado um túnel por baixo da montanha ou serra, permitindo que a água corra por gravidade de um lado para o outro, sem a necessidade ou uso de qualquer tipo de bombeamento mecânico.
Um exemplo bastante didático de transposição entre bacias hidrográficas é o Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de grande parte da Região Metropolitana de São Paulo. O Sistema é formado por um conjunto de represas localizadas em diferentes bacias hidrográficas e em diferentes altitudes. A transferência de água entre as represas é feita por túneis de interligação, que usam força da gravidade; entre o ponto mais baixo do Sistema Cantareira e a Região Metropolitana de São Paulo existe um grande desnível – a Serra da Cantareira. Para que se consiga transpor esse desnível, o Sistema conta com um poderoso conjunto de bombas hidráulicas, que eleva a água até uma pequena represa no alto da Serra da Cantareira; a seguir, a água é tratada e distribuída para os consumidores por força da gravidade. Em resumo – para fazer a transposição de uma bacia hidrográfica para outra, você sempre precisará realizar algum tipo de obra de engenharia que permita transpor um obstáculo criado pelo relevo.
No próximo post nós vamos mostrar como a transposição está acontecendo na prática no Rio São Francisco, apresentando todas as obras já executadas e em execução, responsáveis por levar as águas do Rio na direção dos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.