REDUÇÃO DO NÍVEL DO MAR PROVOCOU A MORTE DE 40 MILHÕES DE ÁRVORES EM MANGUEZAL NA AUSTRÁLIA ENTRE 2015 E 2016

Pesquisadores australianos conseguiram explicar cientificamente um “mistério” que vinha intrigando especialistas há mais de seis anos – a morte de cerca de 40 milhões de árvores de mangue em uma faixa de quase 2 mil km no Golfo de Carpentária, no Norte da Austrália. 

Entre os anos de 2015 e 2016, essa região sofreu com uma severa seca e uma área com cerca de 7.400 hectares de floresta de mangue morreu, literalmente, de sede. Um estudo publicado no Journal of Marine and Freshwater Research em 2017, já havia afirmado que a área enfrentou temperaturas recordes no período e que houve uma redução de 20 cm no nível do oceano, muito provavelmente por causa do fenômeno El Niño

Esse estudo se valeu, entre outras fontes de pesquisa, de imagens aéreas e de satélites captadas a partir de 1972. Essas informações foram comparadas com dados climáticos e de temperaturas da região, o que permitiu a montagem de um cenário detalhado da dinâmica do meio ambiente regional. O evento foi considerado sem precedentes até então. 

O Continente Australiano é considerado o mais seco do mundo, tendo grande parte do seu território formado por áreas desérticas. A faixa Norte do país, entretanto, possui um clima tropical úmido bastante similar ao do Sudeste Asiático. Essa região é coberta por florestas tropicais e toda a faixa costeira é ocupada por extensos manguezais, considerados os mais bem preservados do mundo. 

Novos estudos realizados por pesquisadores da Universidade de Duke, da Austrália, confirmaram que o responsável pela tragédia no manguezal foi mesmo o El Niño, que naquele ano foi particularmente intenso. O fenômeno provocou uma redução de 40 cm no nível do oceano no Golfo de Carpentária, evento que durou cerca de 6 meses

Relembrando,  manguezais ou mangues, como são chamados popularmente, são ecossistemas costeiros de transição entre os ambientes marinhos e terrestres. São encontrados nas regiões tropicais e subtropicais de todo o mundo, sendo comuns em enseadas, barras, lagunas, foz de rios, baías e em outras formações costeiras onde as águas doces de rios e lagos se encontram com as águas marinhas, formando um ambiente de águas salobras.   

As áreas de mangues possuem uma vegetação adaptada ao regime das marés. São plantas com raízes bem desenvolvidas, conhecidas como halófilas, e perfeitamente adaptadas às águas salobras. Os solos dos manguezais recebem e acumulam grandes quantidades de sedimentos e de matéria orgânica em decomposição, sendo considerados um dos mais férteis do planeta.   

Essa característica transforma os manguezais em importantes “exportadores” de matéria orgânica, algo essencial para a produtividade das áreas costeiras. Esse ecossistema rico em alimentos abriga centenas de espécies de peixes, moluscos, crustáceos, vermes, aves, mamíferos e, também, populações humanas.    

Segundo estudos científicos, cerca de 70% das espécies marinhas utilizadas para alimentação humana, onde se incluem peixes, siris, camarões, lagostins, caranguejos, entre outras espécies, dependem das áreas de mangue para a sua reprodução.   

Um exemplo são os alevinos de diversas espécies de peixes, que passam a fase inicial de suas vidas abrigados entre as raízes do mangue, só migrando para as águas abertas dos oceanos após atingirem um tamanho maior e mais adequado para fugir dos predadores. Em regiões onde as áreas de mangue foram destruídas ou ocupadas, a produtividade pesqueira é cada vez menor. 

A combinação de seca regional e forte calor no Golfo de Carpentária no período reduziu fortemente a disponibilidade de água doce, por um lado, e a redução do nível do oceano por causa do El Niño, por outro lado, afastou a água salgada. Foi esse verdadeiro “cerco” a essa extensa faixa de manguezal que matou as árvores de sede. 

O El Niño (o “menino” em espanhol) é um fenômeno caracterizado por um aquecimento anormal de uma extensa área do Oceano Pacífico em alguns anos. Em outros anos essa área apresenta um resfriamento anormal, fenômeno que passou a ser chamado de La Niña (a “menina”). Juntos, esses dois fenômenos, que eu costumo chamar de “los chicos malos” (as “crianças malvadas”) causam alterações climáticas e problemas em diferentes partes do mundo.  

O ano de 2015, particularmente, foi caracterizado por um intenso El Niño, que prejudicou lavouras de cacau, chá e café em toda a Ásia e África. Também provocou uma forte seca no Sudeste Asiático, favorecendo o surgimento de vários incêndios florestais – foi essa seca que se estendeu até o Norte da Austrália. Naquele ano também se observou o inverno mais quente já registrado nos Estados Unidos. 

A ocorrência do fenômeno La Niña varia muito. Sua frequência ocorre em intervalos de 2 a 7 anos, com uma duração de 9 a 12 meses – em alguns casos, pode ter uma duração de até 2 anos. O El Niño têm uma frequência tão irregular quanto a da La Niña, ocorrendo também em intervalos de 2 a 7 anos, porém, com uma duração de 10 a 18 meses.   

Os efeitos desses dois fenômenos no clima mundial sempre foram observados pelas populações, porém, só em décadas recentes e com o uso de sofisticados sistemas de monitoramento meteorológico e imagens de satélite é que foi possível estabelecer os mecanismos climáticos que formam os fenômenos. 

Para completar, a cereja do bolo – as mudanças climáticas globais, como sempre, podem estar amplificando ainda mais os efeitos do El Niño e da La Niña. Os eventos dramáticos observados nos manguezais do Golfo de Carpentária parecem comprovar isso. E se aconteceu uma vez, é muito provável que possa acontecer outras vezes em diferentes regiões do mundo. 

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