A AGRICULTURA DA ÍNDIA EM TEMPOS DE COVID-19

No último dia 28 de fevereiro, um foguete indiano lançado a partir do Shar – Satish Dhawan Space Centre, em Sriharikota na Índia, colocou em órbita o Amazônia 1, primeiro satélite de observação da Terra totalmente projetado, construído, integrado, testado e operado no Brasil. O lançamento perfeito mostrou toda a capacidade tecnológica da Índia, uma país que até poucas décadas atrás era sinônimo de pobreza e fome. 

Com uma área total correspondente a apenas 30% do território brasileiro, a Índia abriga a segunda maior população do nosso planeta – são 1,3 bilhão de habitantes espalhados em pouco mais de 3,28 milhões de km². As projeções indicam que, em 2050, o país terá 1,69 bilhão de habitantes e será, disparado, o mais populoso do mundo

Sustentar tanta gente não é tarefa das mais fáceis e, já há várias décadas, sucessivos Governos indianos tem feito importantes investimentos para a segurança alimentar do seu povo. A Índia é o maior produtor mundial de pulses, grãos secos de leguminosas, onde se incluem grão-de-bico, ervilhas, lentilhas, feijão vermelho, feijão Urd, entre outros. A produção anual supera a marca das 19 milhões de toneladas, um pouco abaixo do consumo, que se encontra na casa das 22 milhões de toneladas. 

O país é o segundo maior produtor mundial de arroz, um dos alimentos mais importantes na dieta da sua população. Também é um grande produtor de cana-de-açúcar, amendoim, algodão, soja, legumes e frutas. Em 1950, a produção de grãos era de cerca de 50 milhões de toneladas – em 2020, a produção superou a marca das 295 milhões de toneladas. Para efeito de comparação, a produção brasileira em 2020 ficou próxima das 260 milhões de toneladas. 

O país tem uma posição de destaque na produção de carnes, sendo um dos maiores exportadores mundiais de carne bovina – isso apesar de bois e vacas serem considerados animais sagrados para grande parte da população da Índia. Internamente, as carnes de aves são as mais consumidas, 46% do total, seguido por carnes de búfalos (23%), cabras (13%), suínos (5,5%) e gado bovinos (5%). 

Apesar dos enormes avanços da produção agrícola nas últimas décadas, o número de pessoas subnutridas no país ainda é alarmante. De acordo com dados do Business Monitor International, publicadas em 2017, o número de subnutridos no país era de 213 milhões de pessoas no período 2010-2012, aproximadamente o tamanho da população do Brasil. No período 1993-1995, a situação era ainda pior – existiam 262 milhões de subnutridos na Índia, ou cerca de 1/5 da população. Os números mais recentes informam que o total de subnutridos está na casa dos 194 milhões de indianos

A segurança alimentar e a produção de alimentos estão entre as prioridades do Governo indiano, qualquer que seja o partido que esteja no poder. Nos últimos anos, o Governo do Primeiro Ministro Narendra Damodardas Modi vem se esforçando para modernizar a pequena agricultura e a produção familiar. Cerca de metade da população do país trabalha em atividades agrícolas, grande parte justamente nesses dois segmentos. A agropecuária responde por cerca de 14% do PIB da Índia. 

Essas atividades são fundamentais para um país onde perto de 68% da sua grande população vive em áreas rurais. Ao longo dos anos foram criadas inúmeras linhas de créditos e subsídios para as atividades rurais, incluindo preços reduzidos para a compra de sementes, fertilizantes e outros insumos, contas de água e luz com valores reduzidos, compra da produção garantida a valores de mercado, entre muitas outras “benesses” populistas. 

Entre outros problemas, essa política de fortes subsídios estagnou a produção de diversas culturas, como por exemplo a produção de pulses, que não apresenta qualquer crescimento há quase 10 anos. De acordo com os estudos feitos pelo Governo, essas políticas de subsídios provocam uma acomodação nos pequenos produtores – como eles sabem antecipadamente o quanto vão ganhar com a próxima safra, não fazem qualquer esforço para aumentar a produtividade ou para diversificar as suas culturas

A agenda do Governo inclui a eliminação de diversos subsídios, uma perspectiva que está incomodando importantes grupos e associações de produtores. Diversas manifestações desses opositores vêm ocorrendo por toda a Índia, muitas delas inclusive, terminando em violentos confrontos com as forças policiais. No final de janeiro, uma grande manifestação de agricultores em Nova Déli bloqueou principais ruas da capital com tratores (vide foto) e terminou com um manifestante morto e cerca de 80 policiais feridos. 

Além do clima tenso entre produtores agrícolas e Governo, as atividades rurais da Índia também vêm sofrendo os impactos da pandemia da Covid-19. Em 25 de março de 2020, o Governo decretou um grande isolamento social com vistas a conter o crescimento da doença. Com uma população tão grande e com uma grande parte dos seus cidadãos vivendo em condições sanitárias das mais precárias, o Governo da Índia temia uma grande mortalidade por causa da doença.  

Os números mais recentes indicam que 11,3 milhões de indianos tiveram a doença e cerca de 160 mil pessoas morreram. Apesar de trágicos, esses números são, em termos relativos, muito menos graves do que o de países com populações bem menores como os Estados Unidos e o Brasil, onde a Covid-19 já fez mais de 535 mil e 290 mil vítimas, respectivamente. 

A pressão popular, principalmente das populações mais pobres, acabou forçando o Governo a liberar algumas atividades, em especial nas áreas da agropecuária. Segundo a OIT – Organização Internacional do Trabalho, mais de 92% dos trabalhadores da Índia são informais e dependem dos ganhos do dia a dia para comprar os alimentos que consomem. Muitos desses trabalhadores precisam fazer longas caminhadas até os locais de trabalho – há relatos de pessoas que percorrem até 100 km a pé todos os dias

Apesar da liberação dos trabalhos no campo, os serviços de transporte, distribuição e venda dos alimentos pelos país continuaram parcialmente paralisados, criando toda uma série de problemas de escassez de muitos produtos. Alimentos como a carne de frango tiveram uma forte alta nos pontos de venda nas cidades devido à baixa oferta – muitos produtores, sem condições de escoar a sua produção, tiveram de reduzir os seus preços de venda, em alguns casos em até 6 vezes, para conseguir vender alguma coisa. 

A exemplo de outros países, o Governo da Índia criou uma série de ajudas econômicas para as populações mais pobres do país, que vão da distribuição de cestas básicas ao pagamento de auxílios emergenciais. O grande problema é que essas populações vivem em pequenos vilarejos isolados e a imensa maioria dessas pessoas não possui uma conta bancária – aliás, são poucos os que já entraram em uma agência bancária na vida. 

Em curtos espaços de tempo, essas populações mais pobres conseguem se manter contando com a solidariedade de parentes e vizinhos. O problema é que, com o passar do tempo, todos vão ficando sem recursos para se manterem e as tensões sociais, que já são enormes na Índia, podem se agravar muito. 

Todos esperamos pela chegada de tempos melhores. 

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