
Vou começar esta postagem fazendo uma afirmação que, à primeira vista, poderá parecer polêmica: a Austrália é uma espécie de Brasil invertido. Deixem-me explicar.
O Brasil tem uma área total de 8,5 milhões de km², onde se encontram os climas Equatorial, na região da Amazônia, Tropical nas áreas centrais do país e Subtropical na região Sul e em parte do Sudeste. O clima Semiárido é encontrado apenas em uma pequena parte do país – falo aqui do Sertão Nordestino ou Caatinga, que ocupa uma área de menos de 1 milhão de km².
Na Austrália, as coisas são exatamente o inverso. Com uma área de 7,7 milhões de km², a maior parte do território australiano tem climas Semiárido e Desértico. Uma estreita faixa ao longo das costas do Sul e uma grande área no Sudeste do país têm um clima Mediterrâneo, que nada mais é do que um clima temperado. Pequenas faixas ao Sudoeste e Leste do continente tem um clima Subtropical e uma faixa no extremo Norte apresenta características Tropicais (clima quente com uma forte temporada de chuvas de Monção).
Em relação à disponibilidade de água, a situação também é totalmente oposta. O Brasil possui 12% das reservas de água doce do mundo (lembrando que a maior parte dessa água se encontra na Bacia Amazônica), com chuvas regulares na maior parte do território. Já a Austrália é o continente habitado mais seco do mundo, com cerca de 1% das reservas mundiais de água doce.
Grande parte do território australiano sofre com a falta de chuvas, que além de irregulares, caem em volumes muito pequenos. Como se não bastassem todos esses problemas, o país convive com fortíssimos ciclos de estiagem generalizada a exemplo da chamada Seca do Milênio ocorrida há alguns anos atrás..
Apesar do clima, aparentemente, jogar contra o país, a Austrália é um grande produtor de alimentos e um dos maiores exportadores de carne do mundo. A área agricultável total do país é, percentualmente, bem menor do que a de grandes países como o Brasil, mas os australianos utilizam com maestria os recursos naturais que tem a sua disposição.
Um exemplo dessa eficiência se vê na produção de carne bovina. De acordo com informações do USDA – Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, na sigla em inglês, a Austrália tem uma produção anual da ordem de 2,15 milhões de toneladas, o que coloca o país como o sétimo maior produtor mundial. Como exportador de carne, o país salta para a terceira posição mundial, só ficando atrás do Brasil e da Índia. Nada mal para um país “seco”!
O país também “faz bonito” quando se fala de produção agrícola. Uma das principais regiões produtoras da Austrália é o Sudeste, mais especificamente na bacia hidrográfica dos rios Murray e Darling. Ocupando uma área de 1,061 milhão de km², o que corresponde à metade do Cerrado brasileiro, essa região concentra 40% da área agrícola e 85% de toda a área irrigada do país.
Essa região é responsável por 75% da produção de grãos da Austrália e ocupa áreas dos Estados de Queensland, Nova Gales do Sul e Vitória. Não por acaso, as cidades mais importantes da Austrália ficam nessa região: Sidney, Adelaide, Brisbane, Melbourne e Camberra, a capital do país. Um dos destaques é a produção de trigo, que supera fácil a marca das 25 milhões de toneladas. Também se destacam a cevada, o sorgo e frutas como as uvas – para quem não sabe, a Austrália é um grande produtor de vinhos.
Muitos antes da chegada da epidemia da Covid-19, que desorganizou completamente a economia do país como fez em todo o mundo, a Austrália já convivia com problemas bem próprios como os fortes ciclos de seca e os grandes incêndios florestais, além de enchentes em algumas regiões. Essas grandes tragédias, sistematicamente, criam enormes desafios para os incansáveis australianos.
Um exemplo recente foram os violentos incêndios florestais que devastaram grandes áreas dos Estados australianos de Nova Gales do Sul e Queensland no final de 2019. Apesar de serem relativamente frequentes, os incêndios nessa ocasião foram considerados os mais ferozes já vistos no país. As chamas devastaram, pelo menos, 4 milhões de hectares de matas e podem ter provocado a morte de meio bilhão de animais, entre espécies domésticas e selvagens.
Fortes ciclos de estiagem, que nós brasileiros conhecemos bem no Semiárido Nordestino, também costumam assolar grandes regiões da Austrália. Um dos mais impactantes das últimas décadas assolou o país por quase dez anos e ganhou a alcunha de “Seca do Milênio”. Esse intenso fenômeno climático atingiu grande parte do país entre os anos 2000 e 2009. Os impactos econômicos para a produção agropecuária foram imensos. Como exemplos podemos citar a produção do trigo, que sofreu uma redução de 50%, e a do arroz, que caiu 98%.
A exemplo do que ocorreu no Brasil, o ano de 2020 foi excepcional para a agricultura australiana apesar da pandemia da Covid-19. As condições climáticas foram as mais favoráveis dos últimos anos e houve quebra de recordes na produção de diversas culturas agrícolas. A recém concluída colheita do trigo, por exemplo, teve a maior produção em 31 anos e atingiu a marca de 33,3 milhões de toneladas.
Mesmo vencendo sucessivos desafios econômicos ano após ano, a Austrália sofre de um mal difícil de ser solucionado a curto e médio prazo: apesar de ter uma área apenas 10% menor que a do Brasil, a população australiana é 8,5 vezes menor que a brasileira e se encontra na casa dos 25 milhões de habitantes.
Um exemplo fácil para demonstrar os problemas de um mercado consumidor interno muito pequeno: perto de 70% de toda a carne bovina produzida aqui no Brasil é consumida pelos brasileiros; na Austrália, mais de 80% da produção é exportada. Falando de forma figurada: caso o mercado internacional da carne “pegue uma gripe”, para os australianos isso resultará numa “grave tuberculose”.
Com esse mercado consumidor interno extremamente pequeno – falamos aqui de uma população que é pouca coisa maior que a da Região Metropolitana de São Paulo com seus 21,5 milhões de habitantes, a Austrália é fortemente dependente das exportações. Entre seus principais mercados estão o Japão, a Coreia do Sul e, principalmente, a China – a economia australiana é fortemente dependente da China.
Entre todos os grandes países do mundo, a Austrália foi um dos que mais se beneficiou com o grande boom econômico da China que teve início em meados da década de 1980. Além de consumir quantidades expressivas de grãos e carnes produzidas pelos australianos, os chineses passaram a importar volumes cada vez maiores de minério de ferro, carvão e outros minerais da Austrália. O grande mercado consumidor da China se converteu no grande impulsionador do crescimento da economia da Austrália – o país cresceu ininterruptamente por mais de três décadas.
Essa dependência quase “umbilical” da economia da Austrália em relação à China trouxe uma série de vantagens, mas, por outro lado, criou uma perigosa situação de dependência que, mais cedo ou mais tarde, poderá cobrar um alto preço. Um caso recente e que ilustra bem os riscos vividos pelo país – a Austrália aderiu à Parceria Transpacífica, o que irritou profundamente os chineses.
A TPP – Trans-Pacific Partnership, é um acordo de livre-comércio que envolve doze países da região do Oceano Pacífico, e que tem características muito similares à União Europeia. A inciativa foi lançada em 2005, sendo assinada inicialmente por Brunei, Nova Zelândia, Chile e Singapura. A partir de 2008, a TPP passou a receber novas adesões: Canadá, Japão, Malásia, México, Peru, Estados Unidos, Vietnã e Austrália. Além dessa iniciativa, a Austrália tem se aproximado cada vez mais de outros países com os quais já tem uma longa ligação histórica como o Canadá e a Inglaterra
O receio da China é que essas parcerias econômicas transnacionais resultem, num futuro próximo, numa aliança militar entre esses países a exemplo da OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, força militar que reúne países da Europa e os Estados Unidos. A China vem desenvolvendo uma política espancionista muito forte e que tem desagradado muitos países como a Índia, o Japão e, especialmente, os Estados Unidos. Mais cedo ou mais tarde, esses países poderão se reunir com o objetivo de tentar colocar um freio nas ambições dos chineses.
Os chineses, que já há um bom tempo vem desenvolvendo uma espécie de “mania de perseguição” por parte de alguns países, não tem visto essa política “adesionista” da Austrália com bons olhos e tem mandado recados através de diversas sanções econômicas a produtos australianos. Exemplos: as tarifas para importação dos vinhos australianos pela China, seu maior mercado, foram elevadas em 200% e o fluxo de turistas chineses para a Austrália, que respondem por mais de 80% do total de visitantes estrangeiros, despencaram.
Moral da história: nos dias atuais, não basta ser apenas competente no agronegócio e contar com condições climáticas favoráveis – é preciso ser “amiguinho” dos chineses!