
Com pouco menos de 22 mil km², Sergipe é o menor Estado do Brasil. Existem alguns municípios brasileiros com área maior que esse Estado – Altamira, no Pará, tem 159 mil km²; Corumbá, em Mato Grosso, tem 64 mil km² e Porto Velho, em Rondônia, tem 34 mil km², entre muitos outros. A população de Sergipe também é pequena – são aproximadamente 2,3 milhões de habitantes.
Com apenas 210 km de extensão, o rio Sergipe consegue a façanha de ser o mais importante do Estado. Metade da população de Sergipe depende das águas dessa bacia hidrográfica para o seu abastecimento e múltiplos usos na agricultura e indústrias, entre muitos outros. Como citado no título, o nome do rio vem do tupi siri ‘ype, que significa “rio dos siris”.
A história colonial de Sergipe remonta ao final do século XVI, quando o militar português Cristóvão de Barros atacou os indígenas tupinambás do cacique Serigy e do seu irmão Siriri, que dominavam as terras entre a foz dos rios Sergipe e Vaza Barris. Após vencer os indígenas, Cristóvão de Barros fundou uma vila na foz do rio Sergipe – São Cristóvão. Esse assentamento depois seria transferido para as margens do rio Poxim e, depois, para a região do rio Paramopama, um dos afluentes do rio Vaza Barris.
Por volta de 1699, teria surgido um pequeno povoado às margens do rio Sergipe – Santo Antônio de Aracaju. Essa pequena cidade só ganharia relevância em meados do século XIX, quando as lideranças políticas da Província decidiram transferir a capital para a região. Estruturada como uma cidade planejada, a moderna Aracaju foi inaugurada oficialmente em 1855. Uma reunião da Assembleia Legislativa da Província nesse mesmo ano oficializou a mudança da capital de São Cristóvão para Aracaju.
Um ponto que pesou bastante para essa decisão foi a grande embocadura da foz do rio Sergipe, que favorecia imensamente as atividades de operações portuárias. Apesar de bastante extenso, o litoral brasileiro carece de boas áreas para a construção de portos – a foz de grandes rios sempre foi uma das melhores alternativas para a instalação dessas infraestruturas. Desde então, a história do rio Sergipe e de Sergipe se confundem.
O rio Sergipe tem parte de suas nascentes na Serra Negra, em Pedro Alexandre na Bahia e parte na localidade conhecida como Lagoa das Areias, região que pertence a Monte Alegre de Sergipe. Ambas regiões ficam dentro dos domínios do Semiárido Nordestino. O rio atravessa todo o território do Estado de Sergipe no sentido Leste-Oeste até desaguar no Oceano Atlântico.
A bacia hidrográfica do rio Sergipe ocupa uma área total de pouco mais de 3,6 mil km², o que corresponde a quase 17% da superfície do Estado e onde são abrangidos 26 municípios, sendo que 8 deles ficam totalmente inseridos dentro da bacia hidrográfica. Mais de 1 milhão de sergipanos dependem diretamente das águas da bacia hidrográfica do rio Sergipe, o que permite colocar em perspectiva a sua importância.
De acordo com dados da SEPLANTEC – Secretaria de Estado do Planejamento e da Ciência e Tecnologia de Sergipe, cerca de 46% do território da bacia hidrográfica do rio Sergipe é ocupada por pastagens para a criação de animais e 18,5% por atividades agrícolas. As áreas florestais correspondem a apenas 5,1% do território e também há menção de “matas pouco densas” ocupando 22,5% do território.
Conforme comentamos na postagem anterior, quando falamos do sofrido rio Vaza Barris, Sergipe pode ser classificado com um dos Estados campeões em desmatamentos no Brasil. Originalmente, a Mata Atlântica, com seus mais diferentes subsistemas florestais, cobria aproximadamente 2/3 da superfície do Estado. Com os desmatamentos para abertura de campos para o plantio de cana, essa vegetação foi praticamente dizimada, restando pouco mais de 8% da sua cobertura original.
Nas áreas do Semiárido, os desmatamentos ocorreram em função da expansão da pecuária – grandes extensões de caatingais foram queimados para o aumento artificial das áreas de pastagens. Destruição de cobertura vegetal e recursos hídricos são duas coisas de não combinam nenhum pouco – a bacia hidrográfica apresenta atualmente uma série de problemas ambientais, grande parte deles decorrentes desses desmatamentos históricos.
A destruição de extensas áreas da Mata Atlântica e da vegetação do Semiárido resultou na diminuição dos caudais dos rios da bacia hidrográfica. O rio também sofre com o lançamento de esgotos sem tratamento, assoreamento, mineração, retirada de grandes volumes de água por sistemas de irrigação, despejos de resíduos sólidos, destruição de remanescentes florestais, entre outros problemas. A receita dessa tragédia ambiental é a mesma “aplicada” em muitos outros rios brasileiros.
De acordo com estimativas recentes, a bacia hidrográfica do rio Sergipe possui a capacidade de fornecer um volume diário de 180 mil m³ de água para todos os seus usuários, onde se inclui o abastecimento de populações humanas e animais, além dos usos na agricultura e na indústria. O problema é que a demanda atual se aproxima dos 440 mil m³/dia, onde perto de 66,5% do volume é necessário apenas para o consumo das populações humanas.
Para suprir o atual déficit de água na bacia hidrográfica do rio Sergipe vem sendo necessário a captação de água em outras fontes. Uma adutora transporta diariamente perto de 12 mil m³ a partir do rio São Francisco, água que é usada principalmente por indústrias. Também entram na conta grandes volumes de águas captados em rios próximos como o Poxim, Pitanga e Jacarecica, entre outros. Outra parte substancial dos recursos hídricos vem de poços artesianos, retirados principalmente de aquíferos como o Terra Dura.
Além de problemas ligados diretamente aos volumes de água, o rio Sergipe apresenta comprometimentos da sua qualidade físico-química. Análises feitas pelo ITPS – Instituto de Tecnologia e Pesquisas de Sergipe, vem encontrando grandes níveis de coliformes fecais nas águas, o que indica claramente o despejo de esgotos domésticos e efluentes de origem animal nas águas da bacia hidrográfica sem qualquer tipo de tratamento. Coliformes fecais são bactérias encontradas nos intestinos de animais de sangue quente como bois, cavalos e seres humanos, e presentes em grande quantidade nas respectivas fezes.
Um outro problema importante a ser considerado é a intrusão de águas salina na região do baixo curso do rio Sergipe. Nas regiões de foz dos rios junto ao mar existe um delicado equilíbrio entre os caudais de águas doces e as águas salinas. Sempre que um rio apresenta a diminuição dos seus caudais, a água salgada consegue invadir a calha do rio, deixando as águas salobras e impróprias para o consumo humano e para dessedentação animal, além dos usos na agricultura e na indústria.
Em 1978, quando já se notava o crescimento desse problema, foi construído um vertedor de concreto cortando o rio Poxim, afluente do rio Sergipe, onde é feita a captação de parte importante da água usada no abastecimento de Aracaju e cidades próximas. Essa obra foi executada justamente para impedir a propagação da salinidade das águas do baixo curso do rio Sergipe, algo que seria impensável em épocas passadas quando o rio “vendia saúde’.
A situação complicada do rio Sergipe se junta à de tantos outros rios importantes da faixa litorânea do Nordeste Brasileiro, onde a Mata Atlântica imperava num passado já bem distante. Felizmente, ainda existem fontes alternativas para a captação de água em Sergipe. A pergunta é – até quando essas fontes alternativas vão conseguir garantir a complementação do abastecimento da população?