O APROVEITAMENTO DO POTENCIAL HIDRELÉTRICO DO RIO TELES PIRES NA BACIA AMAZÔNICA

Rio Teles Pires

A Amazônia é gigantesca, seja qual for o conceito ou a métrica usada para defini-la. 

A Bacia Amazônica, o maior conjunto de corpos hídricos do mundo, abrange uma área total de 7 milhões de quilômetros quadrados em oito países, concentrando cerca de 20% da água doce do planeta. O rio Amazonas tem mais de 7 mil afluentes, e possui 25 mil quilômetros de vias navegáveis. De sua área total, cerca de 3,9 milhões de km² da Bacia Amazônica estão localizados dentro do território brasileiro e ocupam cerca de 45% da área total do país. A Floresta Amazônica, a maior floresta equatorial do mundo, corresponde a uma área com cerca de 5,5 milhões de km² da Bacia Amazônica que é coberta por uma exuberante floresta. Já o Bioma Amazônia, que concentra rios, matas, seres vivos e paisagens da Bacia e da Floresta Amazônica, ocupa cerca de metade do território do Brasil, se espalhando por áreas das Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste.  

Um exemplo dessa grandiosidade da Amazônia é o rio Teles Pires, que em mapas antigos pode aparecer com o nome de São Manuel, é um corpo hídrico com cerca de 1.450 km de extensão, bastante modesto para os padrões da região, mas que é maior que muitos rios famosos do Brasil como o Tietê, Iguaçu, Doce e o Paraíba do Sul. Para que você possa se localizar espacialmente, uma vez que é muito improvável que você já tenha ouvido falar do rio Teles Pires, ele é um dos formadores do rio Tapajós, um importante afluente do rio Amazonas e que tem nas proximidades de sua foz uma das mais belas praias fluviais do mundo: Alter do Chão. 

O rio Teles Pires tem nascentes na Serra de Paranatinga, no Centro-Sul do Estado de Mato Grosso. O rio corre rumo ao Norte, ladeado por imensas plantações de soja, milho e algodão, além de extensas áreas de pastagens, até se juntar como o rio Juruena para formar o rio Tapajós. A navegação é possível em alguns trechos intercalados, porém, inúmeros obstáculos naturais (vide foto) impedem uma integração com o rio Tapajós. Sua bacia hidrográfica possui mais de 141 mil km², tendo como principais afluentes os rios Caiapó, Tabatinga, Parado, Peixoto de Azevedo e Cururu-Açú, na margem direita, e os rios Verde, Paranaíba, Apiacás e Santa Rosa, na margem esquerda.

Nesse grande e desconhecido rio da Bacia Amazônica está em andamento a construção das usinas do Complexo Hidrelétrico do rio Teles Pires. Estudos do potencial hidrelétrico do rio aprovados pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, em 2006, indicaram um potencial de 3,6 mil MW, distribuídos em um total de 6 empreendimentos hidrelétricos: Teles Pires, São Manuel, Colíder, Sinop, Magessi e Foz do Apiacás. Quando todo esse conjunto de empreendimentos estiver pronto, será possível a navegação integrada em diversos rios, formando uma importante hidrovia que unirá os rios Tapajós, Teles Pires e Juruena.

Usina Hidrelétrica Teles Pires é o maior empreendimento de todo o complexo energético, com uma previsão de capacidade instalada de 1,82 mil MW, o que corresponde a 50% do potencial hidrelétrico do rio. As obras de construção foram iniciadas em 2011, entre as cidades de Paranaíta, no Estado do Mato Grosso, e Jacareacanga, no Pará, numa área conhecida como Cachoeira das Sete Quedas. O primeiro grupo gerador, de um total previsto de 5 grupos, entrou em operação em 2015. A barragem da Hidrelétrica formou um lago com cerca de 150 km². 

O segundo maior empreendimento do rio Teles Pires é a Usina Hidrelétrica de São Manoel. A operação da Usina Hidrelétrica teve início em 2018, quando o primeiro grupo gerador, de um total previsto de 4, foi inaugurado. A capacidade instalada total do empreendimento será de 700 MW, suficiente para atender uma população de cerca de 2,5 milhões de habitantes. O empreendimento está localizado no médio curso do rio Teles Pires, a uma distância de cerca de 950 km de Cuiabá e a cerca de 125 km da cidade de Paranaíta. 

A barragem da Hidrelétrica formou um lago com uma área total de 66 km², uma área relativamente pequena para uma usina desse porte, mas que foi suficiente para desencadear um forte conflito com os indígenas da etnia mundurukus. De acordo com os indígenas, a área de influência direta da Hidrelétrica invadiu um local sagrado da tribo, onde estão enterradas urnas funerárias com os restos mortais de seus antepassados. Conforme já comentamos em outras postagens, as margens dos rios da Bacia Amazônica são repletas de encantarias e locais sagrados, que nem sempre são percebidos pelos profissionais envolvidos nas obras

Em julho de 2017, os mundurukus ocuparam o canteiro de obras da Hidrelétrica e exigiram que o Consórcio construtor providenciasse a transferência das urnas funerárias para um novo local dentro da Terra Indígena Sawré Muyubu. Essa transferência das urnas deveria ser acompanhada por pajés da tribo e o local escolhido não poderá ser conhecido pelos demais membros da tribo. Mesmo depois de cumprida essa exigência, os mundurukus fizeram um novo protesto junto ao canteiro de obras da Usina no mês de outubro, alegando que toda a área onde se encontra a obra é terra sagrada. Os indígenas pediram ao IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, para cancelar a licença ambiental do empreendimento. Isso demonstra que as dificuldades para a implantação de qualquer um desses empreendimentos na Amazônia vão muito além de questões sociais e ambientais. 

Usina Hidrelétrica de Colíder teve suas obras iniciadas em 2011 e a sua primeira unidade geradora entrou em operação no último mês de março de 2019. A Usina terá um total de 3 grupos geradores, com uma potência total instalada de 300 MW. O reservatório da Hidrelétrica alagou uma área com aproximadamente 170 km² e se estende entre os municípios de Colíder, Nova Canaã, Itaúba e Cláudia. 

Distante cerca de 70 km da cidade de Sinop, no Estado do Mato Grosso, a Usina Hidrelétrica de Sinop teve suas obras iniciadas em 2014. O empreendimento terá uma potência total instalada de 401,88 MW, a partir de 2 grupos geradores, e fica localizado no rio Teles Pires entre os municípios de Cláudia e Itaúba. O reservatório ocupa uma área de 337 km² e se estenderá por áreas dos municípios de Cláudia, Itaúba, Ipiranga do Norte, Sinop e Sorriso. O enchimento do reservatório da Usina Hidrelétrica foi concluído em meados de abril de 2019. 

Além dessas usinas hidrelétricas já concluídas e/ou em fase de conclusão, está prevista a construção de mais dois empreendimentos no rio Teles Pires: a Usina Hidrelétrica Magessi, com uma potência instalada prevista de 53 MW, e a Usina Hidrelétrica Foz do Apiacás, que terá uma potência instalada prevista de 275 MW. 

Além da geração de energia elétrica, a construção de toda essa sequência de barragens e a formação dos respectivos reservatórios poderá viabilizar a construção de um grande sistema de hidrovias nos rios Teles Pires, Juruena e Tapajós. Estimativas de entidades ruralistas de Mato Grosso, estimam que o rio Juruena tem potencial para o transporte de mais de 38 milhões de toneladas de soja e 31 milhões de toneladas de milho; no rio Teles Pires, o potencial para o transporte de cargas é ainda maior: o volume de soja pode superar o total de 53 milhões de toneladas e o de milho 43 milhões de toneladas. Essas entidades estimam que essa hidrovia poderá escoar uma parte considerável da produção de grãos do Mato Grosso através dos portos de Santarém e Vila do Conde, com uma redução de 50% no custo do frete

O desconhecido rio Teles Pires representa, como nenhum outro, o grande dilema vivido por toda a Amazônia: a conservação da natureza e o avanço das frentes agrícolas e dos empreendimentos hidrelétricos nos rios de toda a região. 

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