OS TRABALHADORES RURAIS E OS AGROTÓXICOS

EPIs na agricultura

O uso excessivo de agrotóxicos de todos os tipos é um dos mais graves problemas ambientais vividos pelo país nas últimas décadas. Diferentemente dos grandes desmatamentos, dos vazamentos de barragens de rejeitos de mineração e de outras tragédias ambientais que são mostradas quase que diariamente pelos meios de comunicação, a contaminação de solos e águas com resíduos de agrotóxicos é um problema silencioso e invisível, que não chama facilmente a atenção das populações e, especialmente, das autoridades. Nas últimas postagens apresentamos alguns dados relativos a essa grande catástrofe ecológica. 

Agrotóxico é uma designação genérica de todo o conjunto de produtos químicos utilizados pela agricultura, onde se incluem defensivos, pesticidas, praguicidas, biocidas, agroquímicos e produtos fitofarmacêuticos ou fitossanitários. Essas substâncias químicas são utilizadas, basicamente, para matar formas de vida animal ou vegetal que são prejudiciais à saúde pública ou às culturas agrícolas. Incluem-se na lista os insetos, ácaros, moluscos, roedores, fungos, ervas daninhas e bactérias, entre outras. Os fabricantes e vendedores desses produtos não costumam informar nos rótulos e folhetos comerciais que esses agrotóxicos também matam pessoas. 

De acordo com algumas estimativas de organismos internacionais da área do trabalho, entre 200 mil e 300 mil pessoas morrem a cada ano vítimas, direta ou indiretamente, da contaminação por agrotóxicos. Esse é um número bastante difícil de se aferir uma vez que os respectivos atestados de óbito de cada uma dessas vítimas não trarão no campo “causa da morte” a expressão envenenamento por agrotóxicos. A causa mortis será algum tipo de câncer, infecção generalizada, falência múltipla de órgãos, pneumonia, entre outras doenças fatais. Os produtos químicos usados na produção dos agrotóxicos, a exemplo do benzeno, vão se acumulando no corpo das pessoas que têm contato frequente com esses venenos, tais como os trabalhadores rurais e as pessoas que vivem próximas das áreas de lavouras onde os agrotóxicos são aplicados, e ao longo do tempo acabam provocando inúmeras doenças. 

Dados do Ministério da Saúde, correspondentes a um período de 7 anos – de 2008 a 2014, indicaram um total de 34.147 notificações de centros médicos de todo o país referentes a pacientes intoxicados pelo uso de agrotóxicos; pelo menos, 2 mil mortes ligadas a esses casos foram confirmadas no período. Apesar de ser um número bastante expressivo e dramático, os dados parecem estar subnotificados – o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, absorvendo cerca de 19% de toda a produção desses produtos químicos. Se consideramos que todo esse volume de agrotóxicos foi manipulado e aplicado por trabalhadores de todo o país, as 5 mil notificações/ano de casos de contaminação nos parece muito insignificante. De acordo com a OMS – Organização Mundial da Saúde, para cada 1 caso notificado, outros 50 são “esquecidos”

Entre os principais problemas que levam à contaminação de trabalhadores rurais com resíduos de agrotóxicos está a manipulação incorreta dos produtos durante a diluição, os erros nas dosagens de produtos químicos necessários para as aplicações e, especialmente, a falta de uso de EPIs – Equipamentos de Proteção Individual, especialmente luvas, botas e respirador/máscara, além de roupas impermeáveis. Na maior parte dos casos, esses trabalhadores não têm a exata noção dos riscos à sua saúde e não recebem ou não têm acesso a orientações com profissionais especializados. Muitos desses profissionais acreditam que estão aplicando “remédios de plantas” e não manipulando venenos. 

Mas o problema é bem mais sério do que aparenta ser – muitos dos EPIs disponibilizados para uso pelos trabalhadores rurais são tecnicamente inadequados para os usos em trabalhos na agricultura. Devido à baixa demanda, quando comparado com outras áreas como a indústria e a construção civil, as empresas fabricantes não fazem investimentos mais pesados em pesquisa e desenvolvimento de equipamentos específicos para uso na agricultura. É comum que se façam simples adaptações das peças usadas, por exemplo, na construção civil, para uso na agricultura. Graças a essas verdadeiras “artimanhas”, esses EPIs, mais ou menos improvisados, acabam expondo os trabalhadores ainda mais aos contaminantes. 

O uso dos equipamentos de segurança, entre outros procedimentos, foi definido pela Norma Regulamentadora 15 do Ministério do Trabalho (mais conhecida como NR-15), onde foram definidas as atividades profissionais ou operações insalubres, que expõem o trabalhador a danos à sua saúde, estabelecendo inclusive o pagamento de adicionais por insalubridade. A finalidade dos EPIs é, basicamente, a de proteger a integridade física dos trabalhadores contra uma série de riscos laborais: frio, calor, radiação, gases tóxicos, agentes químicos e biológicos, poeiras e vibrações, entre outros. Os EPIs utilizados nas atividades rurais muitas vezes não cumprem essa função, especialmente no que se refere à proteção contra agentes químicos. Citando um único exemplo – o trabalhador rural deveria usar uma roupa impermeável ao fazer a aplicação dos agrotóxicos nas lavouras (vide foto).  

Bem, imagine agora que a temperatura ambiente está na casa dos 40° C, algo muito comum nas regiões de Cerrado no Brasil Central, e que este trabalhador deverá usar um traje que, por falta de uma correta adaptação para o uso, fará com que a temperatura do seu corpo ultrapasse, em muito, a zona de conforto – o resultado é que esse trabalhador, simplesmente, vai se recusar a usar esse traje impermeável e fará a aplicação dos produtos químicos com roupas comuns, bem mais confortáveis. É esse o drama desses EPIs – são muito desconfortáveis e pouco práticos para as atividades no campo. E os trabalhadores se recusam a usar muitos desses equipamentos. 

Numa improvável visita de fiscais do Ministério do Trabalho a uma dessas propriedades rurais, se viverá uma situação de absoluta hipocrisia: os fazendeiros alegarão que compraram e distribuíram os EPIs a todos os seus empregados  (um fato bastante provável) e os trabalhadores rurais irão afirmar que, justamente naquele dia, o calor estava muito intenso e que, por causa disso, eles deixaram de usar esses equipamentos de segurança. Já os produtos químicos dos agrotóxicos, esses não dormem em serviço e farão a sua parte, contaminando um pouco mais os organismos desses trabalhadores. 

A situação é muito grave! 

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