OS CACAUEIROS E AS MATAS DO SUL DA BAHIA

Cacaueiro

O açúcar foi, por mais de 200 anos, o principal produto agrícola do Brasil colônia. A principal região produtora do país foi a faixa litorânea do Nordeste, entre o Recôncavo Baiano e o Rio Grande do Norte. Outros centros produtores secundários foram o litoral Norte e Leste do Estado do Rio de Janeiro e trechos da Capitânia de São Vicente, embrião do futuro Estado de São Paulo. Conforme já comentamos em postagens anteriores, foi a cultura da cana-de-açúcar a principal responsável pela destruição da Mata Atlântica e de diversos rios no litoral da região Nordeste.

Se você prestou atenção nessas principais regiões produtoras, percebeu que uma extensa faixa litorânea entre o Sul da Bahia e o Norte do Rio de Janeiro ficou fora da zona produtora de cana-de-açúcar. Esse “vácuo” não foi obra do acaso – essas regiões eram habitadas por tribos indígenas ferozes, conhecidas e temidas pelos rituais de antropofagia: os prisioneiros eram mortos e comidos pelos índios em cerimonias. Existem inúmeros relatos de ataques desses índios a engenhos e núcleos habitacionais a partir da região de Ilhéus rumo ao Sul; o rio Doce, que faz a ligação natural entre o Oceano Atlântico e a região mineradora de Ouro Preto, nunca foi usado para o escoamento do ouro das Geraes no período colonial: a região da foz do rio era repleta de tribos desses índios antropófagos.

Essa periculosidade foi determinante para o abandono de diversos planos de colonização nessas regiões, problema que persistiu até o início do século XIX, quando Dom João VI, rei de Portugal refugiado no Brasil, instituiu diversas medidas para o extermínio, puro e simples, dessas tribos. Foi instituída, inclusive, a figura do bugreiro, caçador profissional de índios. Essas lamentáveis páginas de nossa história, que normalmente costumam ficar esquecidas, tiveram ao menos um ponto positivo – uma importante faixa da Mata Atlântica, entre o Sul da Bahia e o Norte fluminense, escapou ilesa da destruição provocada pelo plantio da cana-de-açúcar.

É aqui que prosperou a cultura do cacau (Theobroma cacao), planta nativa das regiões tropicais das Américas, encontrada desde a Amazônia até as florestas do Sul do México. O cacau era apreciado pelas civilizações pré-colombianas da América Central desde tempos imemoriais, onde era considerado uma planta sagrada, a partir da qual se produzia uma bebida amarga, conhecida como chocola’j, chokola’j ou xocolātl, de consumo exclusivo da nobreza. Os índios da região Amazônica também consumiam o cacau sob diversas formas. Os primeiros colonizadores europeus conheceram as propriedades do cacau já nas primeiras décadas após o descobrimento. Há registros de cultivos de cacau no Pará a partir de 1612, região a partir da qual a cultura se irradiou pelo resto do Brasil. Sementes da planta acabaram sendo levadas para outras regiões do mundo, especialmente para o Oeste do continente africano, onde os cacaueiros se adaptaram plenamente. O chocolate se popularizou muito no século XIX, quando se desenvolveram preparos do alimento com açúcar e leite, e quando houve uma explosão o consumo na Europa e nos Estados Unidos – a iguaria conquistou para sempre mercados e paladares em todo o mundo.

As regiões de matas preservadas do Sul da Bahia começaram a receber as primeiras mudas de cacaueiros em meados do século XVIII. Uma característica importante da planta, que foi fundamental para a preservação das áreas florestais, é a necessidade que os cacaueiros têm de sombra para se desenvolver. Diferente de outras espécies de árvores, que necessitam de luz solar direta para se desenvolver e produzir frutos, o cacaueiro necessita apenas da luz solar filtrada pela copa das grandes árvores e do calor úmido para se desenvolver. Esse plantio consorciado com a floresta foi fundamental para a preservação de extensas áreas florestais nessa região até anos bem recentes.

A primeira exportação oficial registrada de cacau baiano data de 1825, quando 26,8 toneladas foram enviadas para a Inglaterra – em 1900, as exportações do produto já atingiriam a marca de 13 mil toneladas. O Estado da Bahia foi, durante décadas a fio, o maior produtor brasileiro de cacau, respondendo por cerca de 90% da produção nacional e por cerca de 20% das receitas do Estado. O Brasil chegou a responder por cerca de 40% da produção mundial de cacau. A região de Ilhéus, no Sul da Bahia, foi durante muito tempo de uma prosperidade ímpar graças ao cacau – os grandes coronéis dos tempos áureos da cultura deixaram as suas marcas por toda a região. Nos romances de Jorge Amado, como Gabriela, Cravo e Canela, encontramos relatos vivos desse apogeu regional.

Crises econômicas internacionais, a II Guerra Mundial e, especialmente, a grande produtividade de países da África, pouco a pouco minaram a prosperidade da indústria cacueira do Sul da Bahia e marcaram o fim do reinado de muitas “dinastias” de grandes produtores baianos. Em anos recentes, o segredo da produtividades dos países africanos acabou revelada por diversas reportagens de grandes revistas internacionais – uso intensivo de mão de obra escrava e infantil; grandes empresas europeias de produtos à base de chocolate tiveram as suas imagens arranhadas por participação ativa nessas infames cadeias produtivas.

Apesar de não apresentar mais o esplendor de tempos passados, o cultivo do cacau sobreviveu no Sul da Bahia e as matas continuaram em pé. Uma praga agrícola originária da bacia amazônica, conhecida popularmente como vassoura-de-bruxa, foi detectada na região de Ilhéus-Itabuna em 1989. A doença é causada por um fungo, o Moniliophtora perniciosa, que destrói tecidos das plantas e reduz imensamente a produtividade dos cacaueiros. Entre 1991 e 2000, a produção de cacau no Brasil caiu de 320,5 mil toneladas para 191,1 mil toneladas por causa da vassoura-de-bruxa. A participação do cacau brasileiro no mercado mundial caiu de 14% para 4% e nossas indústrias de alimentos passaram a depender da importação do produto.

Na próxima postagem, vamos falar dos impactos da vassoura-de-bruxa nas matas e rios do sul da Bahia.

Publicidade

4 Comments

Deixe uma resposta para AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL: OS CACAUEIROS DA FLORESTA AMAZÔNICA | ÁGUA, VIDA & CIA – Fernando José de Sousa Cancelar resposta

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s