OS “SERTÕES” DO RIO PURUS

Rio Purus

O rio Purus é o último grande afluente da margem direita do rio Solimões, que um pouco mais a frente se junta ao rio Negro e passa a ser chamado de rio Amazonas. O rio Purus nasce na região da Floresta Baixa Peruana, atravessando primeiro os departamentos de Ucayali e Madre de Dios naquele país, atravessando depois todo o Estado do Acre e parte do Amazonas, até alcançar sua foz no rio Solimões, depois de percorrer cerca de 3.500 km. O rio Purus é, metaforicamente falando, paralelo ao rio Madeira – os cursos dos dois rios seguem mantendo uma distância constante, sem nunca se encontrarem. A navegação no rio Purus sempre teve uma importância ímpar para as populações do Estado do Acre – até pouco mais de 50 anos atrás, quando foi aberta a Rodovia BR-364, o rio era o principal caminho de acesso ao isolado território. 

A história do Estado do Acre, conforme já comentamos em publicação anterior, está intimamente ligada à exploração do látex. Durante muito tempo, uma extensa faixa territorial da região Amazônica esteve no centro de um litígio entre o Brasil e a Bolívia – a questão foi resolvida diplomaticamente com a assinatura do Tratado de Ayacucho em 1867. Pelo Tratado, o território do Acre pertencia à Bolívia, porém, a busca pelos seringais e a exploração do látex trouxe milhares de aventureiros brasileiros para a região nas últimas décadas do século XIX, o que causou uma forte tensão entre os dois países. A questão acabou sendo resolvida, definitivamente, em 1903 com a assinatura do Tratado de Petrópolis – o Brasil comprou o território do Acre da Bolívia por 2 milhões de libras esterlinas, além de ceder alguns trechos do seu território na divisa com o Estado do Mato Grosso e também se comprometeu a construir a Ferrovia Madeira-Mamoré. 

Logo após a resolução do conflito territorial com a Bolívia, o Governo do Brasil organizou uma comissão técnico-científica, a qual seria responsável pelo mapeamento cartográfico de toda a região, visando agora resolver questões ligada à demarcação da fronteira entre o Território do Acre e o Peru. A missão recebeu o nome de Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus e foi realizada entre 1904 e 1905. Na chefia desta comissão encontraremos um personagem famoso da literatura brasileira: o engenheiro militar, jornalista e escritor Euclides da Cunha, que foi imortalizado a partir dos relatos que fez da Guerra de Canudos (1896-1897), condensados na obra Os Sertões (o título desta postagem é uma referência a esta obra).  

Os relatos que Euclides da Cunha fez dessa expedição ganharam notoriedade pelas denúncias das precárias condições de trabalho dos seringueiros da floresta, formados na maior parte por migrantes nordestinos que fugiram da seca no Semiárido. O jornalista também enfatizou em seus relatos os conflitos criados pelo avanço da exploração do látex em territórios indígenas, especialmente contra a etnia jamamadi, grupo que já estava à beira da extinção. Euclides da Cunha não conseguiu terminar o relatório com as conclusões da expedição – ele morreu em 1909 após uma troca de tiros com o amante de sua esposa, Ana de Assis, fato que foi um verdadeiro escândalo na época. 

Apesar dessa “súbita” preocupação do Governo brasileiro pelo estudo do rio Purus no alvorecer do século XX, várias expedições já haviam vasculhado os confins do Acre décadas antes, a maioria formada por exploradores e cientistas da Europa. Entre as muitas viagens exploratórias realizadas ao longo de todo o século XIX, vale destacar uma expedição ao rio Purus que foi organizada por comerciantes de Manaus em 1860. Havia um relato lendário que falava de uma suposta ligação entre os rios Purus e Madeira no trecho acima das corredeiras, onde a navegação neste rio torna-se impossível – se essa ligação realmente existisse, seria possível atingir os rios Mamoré e Guaporé a partir do rio Purus. Numa época em que o látex havia se transformado no “ouro branco” da floresta, descobrir uma via navegável até as cabeceiras do rio Madeira seria um negócio excepcional para esses comerciantes.  

O comando da expedição foi entregue a um homem de origem simples, com pouca instrução formal, mas possuidor de profundos conhecimentos da floresta e das línguas de muitas das tribos indígenas da região – Manoel Urbano. Sua expedição navegou com relativa facilidade pelo rio Purus até a região do Acre e confirmou que a ligação com o rio Madeira não existia, para a tristeza dos patrocinadores da empreitada. 

Em 1862, o Governo brasileiro financiou uma expedição que tinha como principal objetivo verificar as condições de navegação pelo rio Purus. Essa expedição subiu o rio em uma embarcação à vapor sem encontrar nenhum obstáculo e observando que a calha do rio possuía uma grande profundidade. Por falta de pessoal especializado e de equipamentos de medição topográfica, os relatórios dessa expedição foram pouco conclusivos. Entre 1864 e 1865, foi realizada a mais importante expedição ao rio Purus até então, sob o comando do explorador inglês Willian Chandless. O inglês alugou, com recursos próprios, um barco em Manaus e contratou uma tripulação formada por índios da Bolívia. A expedição conseguiu chegar bem próximo das nascentes do rio Purus no Peru, uma região de florestas densas, cachoeiras e fortes corredeiras, além de encontrar muitos afloramentos rochosos no leito do rio.  

Dotada de instrumentos astronômicos e de medição topográfica, a expedição de Chandless fez um mapeamento preciso e detalhado de todo o rio Purus, confirmando cientificamente que não existia a lendária ligação com o rio Madeira. Os relatórios e mapas de Chandless foram enviados para a Royal Geographical Society em Londres, que publicou as informações em seus boletins – muitas autoridades brasileiras tomaram conhecimento da existência do rio Purus e das riquezas da região a partir desses boletins. Willian Chandless foi condecorado na Inglaterra em 1866 pelas suas explorações no rio Purus, sendo considerado um dos patronos da Royal Geographical Society. 

 A frustação criada pela não existência de uma ligação natural com o rio Madeira colocou o Purus em uma espécie de “segundo plano” na navegação dos rios da Bacia Amazônica. O rio Madeira acabou sendo transformado na principal via de acesso para navegação até o Território do Guaporé, nome antigo do Estado de Rondônia, uma importância que só aumentou com a inauguração da Ferrovia Madeira-Mamoré em 1907. O rio Purus acabou se transformando numa via de navegação dos acreanos e se transformando no principal caminho para o mais novo território do Brasil, que mais tarde seria elevado ao status de Estado do Acre. 

Apesar do relativo desprezo que os comerciantes da cidade de Manaus passaram a nutrir pelo Purus a partir da década de 1860, o rio acabou por encontrar uma forma de se vingar – atualmente, cerca de 40% de toda a produção pesqueira descarregada na cidade de Manaus é capturada pelos pescadores do rio Purus e dos incontáveis lagos de várzea ao longo de suas margens.  

Isso não deixa de ser uma ironia histórica e um tributo à grande importância do rio Purus.

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