A primeira vez que ouvi falar do grande rio da cidade do Recife, o Capibaribe, foi numa aula ainda no ensino fundamental, quando um grupo de alunos apresentou um trabalho sobre a cidade e alguém leu a poesia Evocação do Recife, de Manuel Bandeira (1886-1968). Um trecho:
“… Capibaribe
— Capibaribe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras”
Como acontece com a maioria dos topônimos brasileiros, Capibaribe é uma expressão com origem em língua indígena – provém da junção dos termos em tupi kapi’wara ou kapi’bara, nome que os índios davam ao grande roedor “comedor de capim”; ‘y, que significa “água” ou “rio”; e pe, um advérbio de lugar que significa “em”. Capibaribe significa, literalmente, “o rio das capivaras”. Em tempos antigos, as capivaras eram encontradas em grandes bandos ao longo das margens e áreas alagadas do Capibaribe; nos dias atuais é bastante raro encontrar algum destes animais nadando nas águas do rio. Muitos atribuem o desaparecimento dos animais ao crescimento da Região Metropolitana do Recife e ao alto grau de poluição das águas do rio Capibaribe.
Eu discordo deste diagnóstico e acredito que isto só explica uma parte do problema: nas margens dos rios Tietê e Pinheiros, os campeões brasileiros absolutos em poluição, encontramos grandes bandos de capivaras pastando e nadando tranquilamente nas águas sujas dos rios e em áreas dentro da cidade de São Paulo. A foto que ilustra este post mostra um simpático grupo de capivaras tomando sol nas margens do super poluído Rio Pinheiros, ao lado da Estação Santo Amaro do Metrô de São Paulo. Logo, eu incluiria a caça predatória e o consumo da carne pelas populações mais pobres dos alagados entre as causas do desaparecimento destes animais das águas e margens do rio Capibaribe.
O rio Capibaribe tem uma ligação histórica e íntima com a cidade do Recife – é difícil até saber onde termina a cidade e onde começa o rio, uma vez que a maioria dos caminhos ou começam ou terminam em algum lugar próximo das águas do rio. Mas estas águas vêm de muito longe – as nascentes do Capibaribe ficam na Serra de Jacarará, no município de Poção, em pleno Agreste pernambucano, a 250 km da cidade do Recife. O nome do município faz referência ao grande poço de onde as águas brotam de dentro do solo – porém, a secura do Agreste cobra seu preço e o rio Capibaribe só apresenta as suas águas superficiais no trecho inicial durante três meses por ano, no período das chuvas: na maior parte do ano, um trecho de 60 km do seu leito não passa de um caminho seco de areia e pedras. As águas do rio fluem abaixo do solo e, para conseguir água, a população precisa cavar poços ao longo do leito do rio.
Conforme o “rio” avança em direção da Zona da Mata, ele passa a receber contribuições de inúmeros afluentes e passa a ser um curso de águas perenes. O rio Capibaribe percorre aproximadamente 270 km, atravessando 44 municípios, entre eles Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe, Toritama, Limoeiro, Carpina, Paudalho e São Lourenço da Mata, quando finalmente cruza toda a cidade do Recife – aqui, como brincam os recifenses, “o Capibaribe se junta com o Beberibe para formar o Oceano Atlântico”.
A fartura de águas e de solos férteis, cobertos pela luxuriante Mata Atlântica, foram fundamentais para a formação do primeiro núcleo habitacional, que no futuro seria transformado na cidade do Recife. Ao longo das margens do rio Capibaribe foram sendo instaladas as grandes plantações de cana-de-açúcar e os primeiros engenhos, que a depender das fonte consultada somarão entre 14 a 16 unidades produtoras. O açúcar produzidos por esses engenhos das margens do Capibaribe, somado à produção de outras dezenas de engenhos ao longo da costa, dentro de poucos anos transformariam a Capitania de Pernambuco na maior produtora mundial de açúcar.
As águas da foz do rio, protegidas da violência do mar pela extensa linha da arrecifes, origem do nome da cidade, chamariam a atenção dos primeiros governantes instalados nas colinas de Olinda, onde o acanhado porto só permitia a atracação de pequenos veleiros. Não tardou muito para o porto da Capitania ser transferido para as águas do rio Capibaribe.
A fertilidade dos solos nas margens e várzeas do rio, a utilidade das suas águas para o transporte da produção e a existência de um porto na sua foz para o embarque do açúcar rumo aos mercados da Europa, transformaram o rio Capibaribe no sangue que corria através do coração da cidade do Recife. O célebre médico e escritor recifense Josué de Castro (1908-1973), autor de um dos maiores clássicos da literatura social do Brasil – A Geografia da Fome, resumiu de forma poética essa simbiose entre a cidade e a cultura da cana:
“O Recife viveu, desde suas origens, sempre atraído por duas seduções opostas: a do vasto mar salpicado de caravelas e a do ondulado mar dos canaviais espalhados nas grandes várzeas. De um lado, pelo azul das águas e de outro pelo verde das canas”
A prosperidade econômica vivida nas margens do rio Capibaribe e em toda a costa da região Nordeste não tardou a despertar a cobiça de nações estrangeiras – algumas décadas após a fundação da cidade do Recife, a região acabou invadida pelos holandeses, um período que acabou sendo fundamental para o desenvolvimento da cidade do Recife e para uma série de mudanças nas águas do rio Capibaribe.
Para entender como o Capibaribe se transformou num dos rios mais poluídos do Brasil, é necessário fazer uma rápida viagem pela história da cultura da cana-de-açúcar e do desenvolvimento da cidade do Recife.
Contaremos um resumo desta história no próximo post.
[…] rio. Já a palavra “pe” é um advérbio de lugar. Capibaribe significa, literalmente, “o rio das capivaras”. Qualquer um que navegar pelas águas do rio Capibaribe atualmente, vai encontrar um corpo […]
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[…] espécies de animais como veados, antas, capivaras, cotias, gambás, macacos e incontáveis espécies de aves e pássaros desapareceram, empobrecendo […]
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Só que essa foto são das capivaras no Rio Pinheiros, na cidade de São Paulo. Essa foto foi tirada próximo à estação Santo Amaro. Ao fundo vê-se os prédios do Centro Empresarial São Paulo.
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Sim, mas o texto explica isso. Grato.
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[…] a maior parte da água das chuvas. A cidade do Recife nasceu justamente no trecho final da bacia hidrográfica do rio Capibaribe e virou uma espécie de ”terra das […]
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