A GRANDE MAÇÃ E O RIO 2, OU A SAGA DA ÁGUA DE NOVA YORK CONTINUA

Bronx

No post anterior mostramos o grande desafio enfrentado pela cidade de Nova York para superar a maior crise hídrica de sua história com muito pouco dinheiro em caixa. A preservação e a recuperação das áreas dos mananciais produtores de água nas montanhas do interior do estado de Nova York foram as prioridades zero do conjunto de ações implementadas pelo Departamento de Proteção Ambiental. A segunda frente de batalha deste desafio focou no combate ao desperdício e nas perdas de água do sistema.

Foi realizada uma grande pesquisa entre os consumidores a fim de se determinar quais dentre os usos de água apresentavam os maiores desperdícios – a vilã do consumo eram as antigas descargas de parede, sendo que alguns modelos encontrados eram do início do século XX. Essas descargas apresentavam um consumo médio por acionamento da ordem de 19 litros, sem contar as perdas por vazamentos contínuos. Para efeito de comparação, sistemas de descarga modernos do tipo caixa acoplada possuem dois botões de acionamento, sendo liberado 3 litros de água na opção econômica e 6 litros na opção descarga forte.

Numa decisão das mais ousadas, o Departamento de Proteção Ambiental de Nova York decidiu premiar os moradores com um cheque de US$ 125.00 para cada privada/descarga econômica instalada em substituição às antigas. Na cidade inteira, um milhão e meio de privadas/descargas foram substituídas, especialmente nos bairros pobres como o Queens, Bronx e partes do Brooklin. Só para efeito de comparação, na recente crise hídrica que assolou a Região Metropolitana de São Paulo, a Sabesp, companhia local de abastecimento, anunciou a distribuição de 25 mil caixas-d’água como medida contra o racionamento – consta que foram entregues 700 unidades. Esses números mostram, ao mesmo tempo, falta de ousadia para pensar grande e uma total incompetência operacional.

Uma outra frente de trabalho buscou identificar e taxar com um fator de consumo (quanto maior o valor da conta mais alto o valor cobrado) as contas de água de grandes consumidores, fazendo o bolso falar mais alto na busca pela economia de água. No segmento dos hotéis, só para citar um exemplo, houve uma redução de 10% no consumo de água. Também foi feito um mapeamento para identificar em quais bairros aconteciam os maiores vazamentos nas tubulações da rede. Apenas com essas duas medidas, o índice de economia de água chegou a 25% em três anos.

A cidade de Nova York acabou criando um programa de substituição progressiva da rede de tubulações, onde a cada ano 90 km de tubulações são trocadas. O índice de perdas de água na rede caiu para 10%, o que equivale a um terço das perdas nas redes de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

Nas escolas públicas, a cidade incentivou ações de educação ambiental, distribuindo vídeos educativos e promovendo concursos sobre o uso consciente da água e a preservação dos recursos naturais. Numa sociedade habituada ao consumismo e ao desperdício, trabalhar o consumo consciente das novas gerações é uma garantia do sucesso futuro da iniciativa do Departamento de Preservação Ambiental.

Atualmente, a cidade de Nova York concentra uma população de 8 milhões de habitantes (1 milhão a mais do que em 1990), porém com um consumo de água 25% menor do que em 1990. E, como foi mostrado, trabalhando basicamente com a redução do consumo e do desperdício do lado dos consumidores, além de um esforço gigantesco na valorização e proteção dos mananciais produtores de água. O custo de toda essa operação foi de apenas US$ 500 milhões – aqueles que tem boa memória lembrarão que o custo somado da reforma dos estádios do Maracanã, no Rio de Janeiro, e Mané Garrincha, em Brasília, para a Copa do Mundo de Futebol em 2014 foi maior do que isso.

Passada a fase emergencial e superada a crise hídrica que ameaçava o abastecimento, a cidade passou a desenvolver um projeto ambicioso, que prevê a modernização de toda a rede de adutoras de grande porte da metrópole. As obras foram iniciadas há 3 anos e tem previsão de término em 2023. Quando essas obras estiverem concluídas, o sistema de abastecimento de água evitará uma perda diária de 125 milhões de litros ou um volume equivalente a 50 piscinas olímpicas. Orçada em US$ 1 bilhão, essa obra vem sendo realizada sem provocar nenhuma interrupção no abastecimento da população e está preparando a estrutura de abastecimento de água da cidade para os próximos 50 anos.

Com planejamento, muita competência e uma ousadia do tamanho da “capital do mundo”, Nova York provou que, mesmo com um orçamento que seria considerado pequeno por autoridades brasileiras, foi possível vencer uma crise hídrica monumental, muito semelhante àquele vivida recentemente pela Região Metropolitana de São Paulo.

Enquanto isso, nós aqui no Brasil, estamos preocupados se o volume de água acumulado em nossos reservatórios vai durar até o próximo verão, quando recomeça o período das chuvas. Vê-se que estamos muito longe do padrão de excelência na gestão dos recursos hídricos aqui em nossas paragens.

Desde muito tempo atrás gostamos de imitar os hábitos, costumes e a moda criados pelos norte-americanos – faço votos que possamos imitá-los mais uma vez na competência gerencial demonstrada pela cidade de Nova York na gestão da crise hídrica.

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