CARANGUEJOS NA PISTA DE AEROPORTO IMPEDEM O POUSO DE AVIÃO NO ESPÍRITO SANTO 

Uma notícia inusitada que mostra como os impactos ambientais sempre se refletem em problemas para as populações humanas: 

Na última segunda-feira, dia 20 de março, um avião da empresa aérea Gol, que decolou do Aeroporto Santos Dumont, na cidade do Rio de Janeiro, com destino ao Aeroporto Eurico Aguiar Salles, em Vitória no Espírito Santo, precisou abortar o pouso e arremeter. 

De acordo com o comandante da aeronave, o piloto do avião que acabara de pousar no aeroporto informou que a pista estava tomada por uma grande quantidade de caranguejos, problema que poderia acarretar riscos para o pouso de aeronaves. A torre de controle do aeroporto recomendou que todas as aeronaves em procedimento de pouso permanecessem em espera até que uma equipe de solo confirmasse a informação. 

Em meio a risos, o comandante comunicou aos passageiros que a aeronave estava arremetendo por causa da presença de “uma quantidade absurda de caranguejos” na pista do aeroporto. 

Equipes de solo do aeroporto especializadas no resgate de fauna vasculharam a pista e encontraram apenas um caranguejo no local. O avião da Gol teve seu pouso autorizado cerca de 10 minutos após a confirmação das condições da pista de aterrisagem. 

O caso ganhou uma enorme repercussão nas redes sociais. A empresa privada que administra o aeroporto fez questão de esclarecer que todos os procedimentos previstos para esse tipo de situação foram tomados, de forma a preservar a integridade dos passageiros e dos crustáceos invasores. 

Apesar de provocar risos em muitos dos leitores, essa é uma questão delicada do ponto de vista ambiental, mostrando o quanto a invasão de áreas naturais por infraestruturas e atividades humanas pode ser problemática. 

O Aeroporto Eurico Aguiar Salles foi construído às margens da Baía de Vitória, também chamada da Baía do Espírito Santo. Essa baía se estende entre os municípios de Vila Velha, Vitória, Cariacica e Serra. 

A área é marcada pelo encontro das águas do Oceano Atlântico com o estuário de vários rios, o que resultou na formação de extensos manguezais e também de uma rica fauna. Ao longo da história, essa região abrigou diversos sambaquis, antigos sítios ocupados por povos indígenas. A colonização e ocupação da região por europeus começou no século XVI. 

O Donatário da Capitania do Espírito Santo foi o fidalgo e militar português Vasco Fernandes Coutinho, que se destacou em inúmeras conquistas militares de Portugal na Ásia e na África. Fernandes Coutinho recebeu o foral, o título de posse das terras, em 1534 e no ano seguinte, já no Brasil, fundou a Vila do Espírito Santo (atual Vila Velha), após “desterrar e dizimar” as tribos indígenas que habitavam essa região. O território da sua Capitania compreendia “50 léguas de costa, entre os rios Mucuri e Itapemirim”.   

Os indígenas expulsos pelos portugueses passaram a viver nas matas ao redor da Vila do Espírito Santo e, constantemente, organizavam ataques e tocaias contra os colonos. A Capitania também viria a sofrer com constantes ataques de corsários franceses e holandeses, que tinham como objetivo conquistar seu próprio quinhão de terras no litoral do Brasil. 

Depois de vários anos sob ataque dos indígenas, os portugueses decidiram se transferir para a Ilha de Santo Antônio, na Baía de Vitória, em 1551. Essa ilha era chamada de Guanaani pelos indígenas e possibilitava melhores condições para a segurança e defesa da população. Os portugueses fundaram na ilha a Vila Nova do Espírito Santo, que mais tarde seria conhecida com o nome de Vitória – a antiga ocupação no continente passaria a ser conhecida como Vila Velha.   

Como vem sendo comum em todo o litoral do Brasil, a expansão da mancha urbana das cidades costeiras muitas vezes se dá às custas do aterro de áreas de mangues. Para essas populações, essas áreas alagadas são espaços inúteis, não havendo maiores problemas na sua ocupação. Esse é um trágico engano. 

Manguezais são ecossistemas fundamentais para a vida marinha. Suas águas salobras possibilitam a reprodução de cerca de 70% das espécies marinhas de alto valor comercial, o que coloca os manguezais na posição de “maternidades dos oceanos”. Em regiões onde as áreas de mangue estão bem preservadas, a produtividade da pesca é muito maior que em locais onde essas áreas estão degradadas.  

Além de abrigar centenas de espécies de peixes, crustáceos, moluscos, vermes, insetos, aves, répteis e mamíferos, que encontram abundância de alimentos e abrigos seguros em seus domínios, os manguezais são a principal fonte de proteínas para as populações pobres das áreas litorâneas. Além de encontrar alimentos, essas populações costumam tirar o seu sustento da lama, literalmente, capturando e vendendo caranguejos. 

Os caranguejos são crustáceos da infra ordem Brachyura  e são encontrados em rios e mares de todo o mundo. Esses animais se adaptaram muito bem às áreas alagadiças e de águas salobras dos manguezais, se transformando numa das espécies animais símbolo desse ecossistema. 

Os caranguejos que vivem em manguezais são considerados animais semi-terrestres, ou seja, que dependem da presença da água para reprodução e parte de sua alimentação, mas que podem viver por longos períodos longe da água. 

Isso pode explicar a suposta invasão da pista do aeroporto por uma grande quantidade desses animais – no período de acasalamento e de reprodução, esses animais abandonam seus territórios nos manguezais e saem à procura de parceiros/parceiras em outros lugares. Eventualmente, a pista do aeroporto se transformou numa “rota de passagem” para os animais. 

É provável que essa invasão da pista por caranguejos esteja ocorrendo há muitos anos (talvez desde a construção do aeroporto), porém, com uma quantidade tão pequena de animais que nunca chamou a atenção de ninguém. Se o número de animais aumentou muito, é sinal de que a “saúde” ou a fragmentação dos manguezais atingiu níveis críticos, o que está afetando a vida e o comportamento dos caranguejos. 

Muito mais que um problema para as operações dos aviões no aeroporto, essa “invasão” precisa ser vista como um pedido de socorro dos animais dos manguezais da Baía de Vitória. 

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