
Uma outra grande capital europeia que já sofreu muito e que, vez ou outra, ainda sofre com as grandes enchentes é Paris. A cidade é cortada pelo famoso Sena, um rio que drena quase 20% do território do país. Normalmente tranquilo, o Sena sofre com os grandes volumes de chuva na sua grande bacia hidrográfica e, como todo bom rio, é obrigado a extravasar as águas excedentes, inundando grandes áreas das cidades localizadas ao longo de suas margens, especialmente Paris.
No início de 2018, a cidade de Paris enfrentou as piores enchentes em 30 anos, com o nível do rio Sena chegando muito próximo dos 6 metros. Centenas de pessoas tiveram de ser retiradas de suas casas como medida de precaução e muitas das atrações turísticas da cidade ficaram fechadas. Os administradores do Museu do Louvre ficaram em alerta – em 2016, devido a uma outra grande enchente, cerca de 35 mil obras de arte tiveram de ser removidas às pressas dos depósitos nos subterrâneos do museu.
Ao menos 13 Departamentos (o equivalente francês aos nossos Estados) entraram em estado de alerta por conta das inundações do rio Sena e dos seus afluentes em 2018. Segundo as autoridades da França, os volumes de chuvas no país vêm crescendo de forma contínua nas últimas décadas, o que em parte vem anulando os esforços em obras para o controle das cheias no rio Sena.
Além de precipitação de neve, o inverno na França costuma apresentar fortes chuvas na região central do país entre os meses de dezembro e janeiro. Sem contar com grandes áreas cobertas por matas para ajudar na absorção dos excedentes de águas pluviais (os franceses destruíram a maior parte de suas florestas nativas há centenas de anos atrás), grandes volumes de águas da chuva correm diretamente para o canal do rio Sena, que vê seu nível aumentar descontroladamente.
Grandes obras de infraestrutura vêm sendo implementadas ao longo dos anos de forma a conter essas águas excedentes. Uma das principais apostas dos franceses são os depósitos subterrâneos de águas pluviais, conhecidos entre nós como piscinões. Outro foco é uma permeabilização cada vez maior dos solos das cidades mediante a substituição de pisos de concreto e asfalto por pisos permeáveis e áreas verdes.
Uma das maiores enchentes já registradas em Paris foi a de 1910, quando o nível do rio Sena atingiu a marca de 8,62 metros. A cidade ficou quase dois meses inundada e mais de 14 mil imóveis foram atingidos. Bairros distantes das margens do rio Sena como o bulevar Haussmann e a Estação de Saint-Lazare também foram afetados pelas enchentes. O metrô de Paris, que teve suas operações paralisadas por causa das águas, só foi reaberto em abril daquele ano.
Os serviços essenciais da cidade como o abastecimento de água e distribuição de gás e eletricidade foram paralisados, lembrando que essa enchente se deu no inverno europeu. A polícia e o corpo de bombeiros passaram a depender do uso de barcos para atender as ocorrências em grande parte da cidade.
Um exemplo do caos criado pelas enchentes pode ser visto da Rue Jacob, no centro da cidade, que era famosa por concentrar um grande número de livrarias. Milhares de livros foram destruídos pelas enchentes e eram encontrados aos montes boiando nas águas.
Também merecem registro as grandes enchentes de 1955 e de 1982. Na primeira, o nível do rio Sena atingiu um pico de 7,1 metros – em 1982 atingiu a marca de 6,15 metros. Desde meados do século XIX, os parisienses costumam acompanhar as enchentes do rio Sena através da estátua do zuavo, um soldado da antiga artilharia da Argélia, que fica junto da Ponte de L’Alm, no centro de Paris.
Quando o nível do rio Sena atinge os pés da estátua, é sinal que o rio está prestes a transbordar e a população precisa ficar em estado de alerta. Na grande enchente de 1910, as águas atingiram o pescoço desta estátua.
Além de afetar e complicar a vida de centenas de milhares de pessoas na região de Paris e seus arredores, as enchentes no rio Sena costumam atingir outras dezenas de cidades ao longo de suas margens e também dos seus principais afluentes como os rios Aube, Marne, Oise, Epte, Andelle, Yonne, Eure e Risle. Como é bem fácil perceber, os franceses tem problemas muito parecidos com os nossos quando o assunto é enchente.
O rio Sena tem cerca de 776 km de extensão e tem sua nascente na região de Côte-d’Or, no Centro Leste da França, de onde corre no sentido Noroeste até desaguar no Canal da Mancha, formando uma bacia hidrográfica com aproximadamente 75 mil km². Devido à sua extrema importância para Paris, a nascente do rio foi declarada propriedade da cidade em 1864.
Desde os primeiros tempos do Império Romano e de Lutetia Parisiorum, o assentamento que deu origem a Paris, o rio Sena vem sendo utilizado como uma importante via para o transporte de cargas e de pessoas. Através da hidrovia do rio Sena são transportados materiais de construção como areia, pedras e cimento, carvão para uso nas centrais termelétricas e trigo – importantes moinhos da França estão localizados às margens desse rio.
O rio também é um importante destino turístico em Paris, onde as principais atrações e monumentos da cidade se encontram dentro de uma faixa até 500 metros de suas margens. Os passeios nos bateaux mouches, as tradicionais barcaças do rio, atraem milhares de turistas a cada ano.
As autoridades da França ganharam nos últimos anos uma motivação maior para trabalhar ainda mais intensamente pelo rio Sena – Paris sediará os Jogos Olímpicos de 2024 e a cidade quer sair ainda mais “bonita” na foto. Além das preocupações com possíveis enchentes (o que seria um grande vexame), os franceses querem mostrar um rio Sena limpo.
Até a década de 1960, o Sena era considerado um rio altamente poluído e biologicamente morto. De lá para cá foram feitos grandes investimentos na recuperação da qualidade das águas e no controle das diversas fontes de poluição. As coisas melhoraram muito, mas as águas do rio ainda não podem ser consideradas limpas – de acordo com as análises mais recentes, cerca de 70% das espécies de peixes encontradas no rio ainda são consideradas impróprias para o consumo.
Um dos grandes problemas da cidade de Paris na área de saneamento básico era o antigo sistema de esgotos da cidade, que começou a ser construído ainda na Idade Média e que foi muito ampliado em meados do século XIX. Muitas das redes recebiam tanto esgotos quanto águas pluviais, efluentes que acabavam sendo jogados misturados e de forma difusa nas águas do rio Sena. A maior parte desses problemas já foram corrigidos.
Outra fonte importante de poluição na bacia hidrográfica do rio Sena são os resíduos de defensivos agrícolas e de fertilizantes usados pela poderosa agricultura do país. Os níveis de contaminação das águas do rio por esses resíduos estavam entre os mais altos do mundo. Importantes trabalhos vêm sendo feitos junto aos agricultores para reduzir ao máximo esse tipo de poluição.
Desde o início de século XX é proibido nadar no rio Sena – para as Olimpíadas, a Prefeitura da cidade espera instalar diversas piscinas flutuantes abertas ao público. Essas piscinas serão instaladas ao longo das margens do rio Sena e alimentadas pelas próprias águas do rio. Isso seria um verdadeiro marco na história do rio.
Vamos torcer para que tudo dê certo.