
Acompanhando os noticiários vemos que a Rússia prossegue ferozmente com seu plano de ocupação da Ucrânia. Grandes comboios militares estão cercando grandes cidades como Kiev, numa clara demonstração de força. Do outro lado, os ucranianos resistem bravamente e contam com a solidariedade internacional. O desfecho do conflito ainda continua imprevisível.
Na última postagem falamos dos problemas que o Brasil poderá enfrentar nos próximos meses devido à falta de fertilizantes. Rússia e Belarus, também conhecida como Bielorrússia, estão impedidos de realizar exportações desses produtos devido às sanções comerciais já impostas pela comunidade internacional. Os estoques brasileiros de fertilizantes serão suficientes para atender a demanda por seis meses.
Conforme os dias vão passando, os impactos dessa crise vão começando a ficar mais claros. Acabei de assistir um boletim informativo sobre aviação, onde a principal matéria do dia falava justamente dos impactos do conflito na indústria aeronáutica. A maior parte da estrutura das aeronaves é construída com materiais leves como alumínio e compósitos como a fibra de carbono.
Entretanto, as partes que suportam os maiores esforços nos aviões e as temperaturas mais altas nos motores precisam ser feitas de materiais altamente resistentes como o titânio. Adivinhem só – 90% do titânio usado na indústria aeronáutica mundial vem da Rússia. Muitas fábricas vão parar logo, logo por falta de peças essenciais.
E falando em problemas, acabamos de ficar conhecendo o primeiro setor do nosso agronegócio que foi fortemente impactado pelo conflito – as exportações brasileiras de amendoim. Metade das exportações brasileiras de amendoim tem como destino a Rússia e a Ucrânia, um comércio que gerou um faturamento de US$ 344 milhões em vendas em 2021.
O Brasil ocupa a quinta posição entre os maiores exportadores mundiais de amendoim, ficando atrás da Índia, Estados Unidos, Argentina e China. As exportações – principalmente para a Rússia, começaram a ganhar impulso em 2019, quando a produção da Argentina começou a cair. Nossos exportadores foram rápidos e conquistaram uma boa fatia do mercado no país.
A produção brasileira é da ordem de 700 mil toneladas/ano, sendo que o Estado de São Paulo concentra 93% dessa produção. O produto é muito consumido in natura ou preparado como aperitivo, além de entrar em receitas de doces e de chocolates. Parte é usada na produção de óleo comestível.
De acordo com informações da Câmara Setorial do Amendoim do Governo do Estado de São Paulo, as cargas com o produto que estavam em processo de embarque nos Portos de Santos e Paranaguá e que seguiriam para a Ucrânia e a para a Rússia foram retidas devido ao cancelamento das viagens por parte das empresas de transporte.
As empresas proprietárias dos navios cargueiros foram orientadas a suspender temporariamente as viagens devido ao agravamento do conflito – os militares da Ucrânia informaram que os portos do país estão fechados. No caso das cargas para a Rússia os entraves são as diversas sanções comerciais que foram impostas ao país pela comunidade internacional.
A cotação internacional do amendoim vinha passando por um bom momento. Em 2020, cada saca era vendida por cerca de R$ 85,00 – em 2021, o produto aumentou para pouco mais de R$ 96,00. Com o aumento da oferta do produto nos últimos meses, os preços recuaram para valores entre R$ 65,00 e R$ 70,00. Redução nos preços nunca deixa nenhum vendedor feliz, mas o importante é a continuidade das vendas.
O que produtores e exportadores não esperavam era um bloqueio brusco das vendas. Segundo informações dos exportadores, tanto a Ucrânia como a Rússia fazem compras frequentes do produto durante todo o ano e as empresas mantém um ritmo de produção constante. Agora, dezenas de produtores e exportadores estão com centenas de contêineres carregados em seus pátios sem saber o que fazer.
Muitos exportadores tem problemas ainda maiores – eles não têm certeza se conseguirão receber por produtos já embarcados. Empresas e bancos da Rússia estão com seus recursos em moedas internacionais bloqueados. O país também foi suspenso do Sistema Swift, um mecanismo internacional para o pagamento entre bancos de diferentes países.
Sempre que existe um excesso de oferta de um produto ou serviço num determinado mercado, os preços caem – essa é a famosa “lei da oferta e da procura”. Se não conseguirem exportar esse amendoim, haverá uma enxurrada do produto aqui no mercado brasileiro.
Num primeiro momento, todos vamos nos esbaldar comendo pé-de-moleque, paçoquinha e barras de chocolate com amendoim a preços mais baixos. Porém, os produtores vão ficar desestimulados (muitos terão grandes prejuízos, inclusive) e haverá queda na produção da próxima safra, o que vai elevar, e muito, os preços mais à frente.
O amendoim é uma planta leguminosa que produz sementes de alto teor calórico, gorduras de boa qualidade e alto teor de proteínas. A semeadura das plantas ocorre entre os meses de setembro e outubro, com a colheita sendo feita entre março e abril.
O amendoim se desenvolve embaixo da terra onde, em uma associação com bactérias, fixa nitrogênio atmosférico no solo, uma característica que melhora a fertilidade. Justamente por essas características é que a planta costuma ser cultivada no sistema de rotação com outras culturas.
Num momento em que há falta de fertilizantes nitrogenados no mercado mundial, faria todo o sentido plantar mais amendoim e, assim, preparar os solos para outras culturas agrícolas. Agora, sem ter mercado para vender esses amendoins, a coisa vai ficar complicada.
O conflito na Ucrânia ainda não completou dez dias e já estamos vendo o tamanho do buraco em que o mundo inteiro foi colocado. Mais do que nunca, precisamos torcer para que os Governos (de todo o mundo) se esforcem no sentido de achar uma solução negociável para essa crise entre os dois países.
Além do imenso e cruel sacrifício imposto a todo o povo ucraniano, a insanidade desse conflito está mexendo com toda a economia mundial – da fabricação de salgadinhos de amendoim a produção dos mais modernos aviões…