AVE QUE INSPIROU A ANIMAÇÃO “O PICA-PAU” É DECLARADA EXTINTA NOS ESTADOS UNIDOS 

Uma notícia triste, ao menos para os fãs de desenhos animados, e altamente didática sobre a dramática realidade da degradação do meio ambiente: o Fish and Wildlife Service – Serviço de Peixes e Vida Selvagem dos Estados Unidos, na sigla em inglês, anunciou hoje, dia 29 de setembro, a extinção de 21 espécies animais e de uma planta. 

Entre os animais está o pica-pau-bico-de-marfim, a espécie que inspirou o icônico e malcriado personagem dos desenhos animados – o Woody Woodpecker, ou, Pica-Pau, como o conhecemos aqui no Brasil. Eu cresci assistindo e me divertindo com as aventuras do personagem e lembro que minha mãe comentava que assistia seus filmes nas matines dos cinemas lá pelos idos da década de 1940. 

O último avistamento de um pica-pau-bico-de-marfim foi em 1944, cerca de quatro anos depois do lançamento da animação do Pica-Pau pelos Estúdios Walter Lantz. Há muitos anos, cientistas, pesquisadores, observadores de pássaros e cidadãos comuns vasculham florestas e matas tentando avistar um exemplar da espécie, o que infelizmente nunca aconteceu. 

Fish and Wildlife Service abriu uma consulta pública com 60 dias de duração, prazo destinado a cientistas, pesquisadores e cidadãos comuns fornecerem evidências ou dados relevantes sobre o pica-pau e as outras espécies. Caso não surjam informações que indiquem que ainda existem exemplares vivos dessas espécies, o órgão irá oficializar a extinção desses animais e da planta. 

A razão para o trágico desaparecimento dessas espécies e de milhares de outras são bem conhecidas por todos nós: desmatamentos para a abertura de campos agrícolas e pastagens, extração de madeira, mineração, construção de grandes obras como represas e rodovias, incêndios florestais (muitos deles intencionais), caca ilegal, entre muitos outros. 

O pica-pau-bico-de-marfim (Campephilus principalis) era considerada a maior ave do gênero dos Estados Unidos, podendo atingir uma envergadura de até 53 cm e um peso de 570 gramas. A espécie era encontrada principalmente em áreas de antigas florestas e pântanos do Sudeste do país. 

Um detalhe intrigante que liga a criatura ao personagem: em um dos episódios – Dumb Like a Fox, que foi traduzido como “Esperto contra Sabido”, um museu oferecia uma recompensa de US$ 25 para quem capturasse um Campephilus principalis. O Pica-Pau, é claro, deu um jeito de capturar a si mesmo para conseguir receber a recompensa. 

Além do popular pica-pau, a lista de espécies animais declaradas extintas inclui o Kauai O’o, um pássaro que era nativo das florestas do Havaí e o toutinegra de Bachman, uma ave canora de peito amarelo, além de outras oito espécies de pássaros, duas espécies de peixes, oito mexilhões de água doce e uma espécie de morcego. 

Segundo um estudo recente feito por pesquisadores da Universidade de Tel Aviv e do Instituto Weizmann de Ciência, ambos de Israel, algo entre 10% e 20% de todas as espécies de aves foram levadas a extinção ao longo dos últimos 50 mil anos devido a ações dos seres humanos. A caça dos animais e a coleta de ovos são as principais causas dessa verdadeira tragédia. 

A maior parte dessas extinções ocorreu em ambientes de ilhas, onde um dos mais significativos exemplos foram as moas que existiam na Nova Zelândia. Segundo a pesquisa, 68% das espécies de aves que não voam conhecidas pela ciência, como era o caso das moas, já foram extintas. Desgraçadamente, o pica-pau-bico-de-marfim veio se juntar a essa lista de animais levados à extinção por nós humanos. 

Sempre que uma espécie animal ou vegetal é levada a extinção – por fatores naturais ou por mãos humanas, toda uma jornada evolutiva de milhares, quiçá, milhões de anos, chega ao fim. Essas espécies deixem um vazio em seu nicho ecológico, podendo levar outras espécies interdependentes pelo mesmo caminho como no desmoronamento de um castelo de cartas. 

A evolução e o desenvolvimento de uma única espécie é o resultado de uma enorme combinação de fatores naturais como temperatura, fontes de alimentação, habitat, competição com outras espécies, entre muitos outros. Para cada espécie que consegue se sair vencedora nesse processo de seleção natural, inúmeras outras sucumbiram ao longo do caminho. 

Um caso clássico de como funcionam esses processos evolutivos foi constatado por Charles Darwin durante a sua lendária viagem através do mundo no navio HMS Beagle da Marinha inglesa. Durante uma parada nas Ilhas Galápagos, território pertencente ao Equador, Darwin colheu inúmeros indivíduos da flora e fauna local. 

Entre as espécies coletadas se encontravam diversos tentilhões, pássaros que Darwin imaginou serem de espécies diferentes. Essas aves, recolhidas em diferentes ilhas do arquipélago, apresentavam claras diferenças morfológicas, principalmente no tamanho e no formato do bico. 

Estudos posteriores realizados por especialistas em aves na Inglaterra confirmaram que as aves eram da mesma espécie e que os diferentes formatos dos bicos foram uma adaptação aos diferentes tipos de alimentos encontrados nas diferentes ilhas. Darwin concluiu que, num passado distante, um único grupo de tentilhões chegou voando ao arquipélago e, ao se dispersarem pelas ilhas, os descendentes dessas aves foram se adaptando aos diferentes biomas.  

Essa descoberta foi chave na concepção da teoria da seleção natural apresentada no livro “A Origem das Espécies”, publicado por Charles Darwin em 1859. Essa nova concepção, que foi duramente atacada por grupos religiosos criacionistas, mudou os rumos da ciência e a forma que a maioria das pessoas enxerga o mundo. 

Uma das poucas esperanças que nos restam é a possibilidade de um grupo de pica-paus ter conseguido sobreviver em um recanto remoto, longe das vistas de todos. De quando em vez surgem notícias da descoberta de indivíduos vivos de espécies que estavam na lista de animais extintos. 

Um desses casos foi o do pássaro Malacocincla perspicillata, que foi encontrado por moradores de uma localidade remota da Ilha de Bornéu, na Indonésia, em 2020. Fazia cerca de 170 anos desde o último avistamento de uma dessas aves – os ornitólogos locais a consideravam extinta. Foi uma grata surpresa! 

Para nós, resta por enquanto o consolo de assistir a um ou outro desenho do Pica-Pau e torcer para que o esperto “passarinho” esteja só nos pregando uma peça… 

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