A Ilha Nauru, no Oceano Pacífico, tem apenas 21 km² de superfície, sendo considerado um dos menores países do mundo. Para que todos tenham uma ideia real da superfície desse país insular, Nauru é menor que o arquipélago de Fernando de Noronha, que tem uma área total de 26 km². A população da ilha é de aproximadamente 13 mil habitantes.
Apesar de ser um pequeno ponto de terra perdido no meio do imenso Oceano Pacífico, o drama social e ambiental vivido na Ilha Nauru é, proporcionalmente, o maior do mundo. A raiz do problema é a mineração do fosfato, um elemento químico essencial para a produção de fertilizantes agrícolas fosfatados. Junto com o nitrogênio e o potássio, o fosfato forma o principal conjunto de nutrientes para as plantas. A extração sistemática de fosfato para exportação já destruiu 80% do território da ilha. Vamos entender como algo dessa magnitude pôde acontecer:
No final do século XIX, exploradores ingleses que estudavam as ilhas do Oceano Pacífico desembarcaram em Nauru e, rapidamente, descobriram que a ilha inteira era um gigantesco bloco de rocha fosfática. Prometendo riqueza e melhoria de vida para toda a população nativa, uma grande empresa de mineração britânica fechou um contrato com os governantes locais para a exploração do fosfato, uma atividade que foi iniciada em 1899.
Como era comum entre as populações das ilhas polinésias, os nauruenses viviam dos recursos pesqueiros e do cultivo da terra, especialmente da produção da batata-doce, um produto fundamental na culinária local. A criação de galinhas e porcos complementava a base da dieta das população. Como a implantação das atividades de mineração foi concentrada na área central da ilha e longe da faixa habitada na linha costeira, a ingênua população nativa não se deu conta do que lhes reservaria o futuro.
Essa relativa “miopia” ante o avanço da mineração sobre os ricos solos de Nauru foi intensificada pela visível melhoria nos padrões de vida da população, graças à chegada dos royalties pagos pelo fosfato. Os antigos casebres cobertos com palhas de coqueiro (vide foto abaixo) passaram a ser substituídos por confortáveis bangalôs; a população passou a ter um acesso mais fácil aos serviços de saúde e as crianças passaram a frequentar escolas com boa infraestrutura. Aparentemente, Nauru havia alcançado o tão sonhado patamar de “paraíso tropical dos mares do sul”.
Uma das formas mais simplificadas de definirmos a mineração seria a escavação dos solos para a retirada de bens minerais – rochas e metais que têm um valor comercial. Também, de forma bastante simplificada, podemos afirmar que o que sobra após o esgotamento desses bens minerais é “um grande vazio no chão”. Uma história que contei em uma postagem anterior e que é bastante conveniente repetir para explicar esses processos – anos atrás, em função do meu trabalho, eu viajava com bastante regularidade até a cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Ao lado da rodovia já bem próximo da cidade, havia um sítio de exploração de minério de ferro, onde se via um grande morro sendo “escavado”. Em um período de dez anos, eu vi esse morro, literalmente, desaparecer.
Em Nauru, as atividades de mineração, fizeram exatamente isso: a ilha começou a desaparecer. A primeira grande vítima foram áreas utilizadas para agricultura. Pouco a pouco, com o avanço das cavas, a produção da batata-doce começou a diminuir e passou a ser necessária a importação a partir de ilhas vizinhas. Depois, as áreas que eram utilizadas para a criação de galinhas e porcos também passaram a minguar, sendo também necessária a importação de carnes para o abastecimento da população.
Os recursos pesqueiros, fonte ancestral de alimentos para os nauruanos, também acabaram afetados pela mineração. Logo no início das atividades na ilha, os ingleses construíram um terminal portuário para o embarque do fosfato. O coração desse terminal era uma grande esteira para o transporte do produto desde os galpões de beneficiamento até os navios cargueiros. Pela vibração da esteira e por força dos ventos, pequenas quantidades de fosfato passaram a cair no mar, destruindo os corais e a espantando os cardumes de peixes e de crustáceos que viviam nas águas rasas ao redor da ilha. Atualmente, todos os alimentos consumidos pela população de Nauru precisam ser importados, especialmente da Austrália.
A mudança no regime alimentar dos nauruenses, com a substituição de alimentos frescos por produtos enlatados e congelados, resultou em inúmeros problemas de saúde. O povo de Nauru é considerado um dos mais doentes e obesos do mundo, com grande percentual de diabéticos, cardíacos e hipertensos. Cerca de 94% da população têm sobrepeso e 72% são considerados obesos. Outro problema de saúde é o diabetes tipo 2, que afeta mais de 40% da população. Doenças renais e cardíacas, além de outras associadas aos problemas de alimentação, também são bastante comuns entre os habitantes da ilha.
A surreal paisagem do interior da Ilha Nauru lembra áreas que sofreram intensos bombardeios em uma guerra – terrenos com uma elevação de até 60 metros e que eram cobertos por matas foram transformados numa sucessão de crateras e de terras arrasadas, despidas de qualquer vegetação. Além dos evidentes impactos sociais e econômicos, essa devastação da ilha provocou uma forte alteração no clima local, que passou a apresentar longos períodos de seca. Isso é muito preocupante, pois Nauru possui uma única fonte de água doce, o Lago Buada, alimentado pela água das chuvas – com a escassez das chuvas, a tendência no longo prazo será o desaparecimento completo do Lago.
As únicas áreas “intocadas” da ilha ficam na orla oceânica, que forma um anel coberto por coqueirais ao redor da grande “cratera” que foi deixada por mais de um século de mineração. E como se toda essa tragédia sócio-ambiental já não fosse muita coisa, há uma outra a porvir: o aquecimento global está provocando uma gradativa elevação do nível dos oceanos em todo o mundo e a faixa costeira da Ilha Nauru poderá acabar submersa dentro de poucas décadas.
Não tardará chegar o dia em que poderemos afirmar, sem sombra de dúvida, que a ganância da mineração e a insensatez humana riscaram um pequeno país insular do mapa mundial – a Ilha Nauru.
A cobiça do ser humano sempre esteve à frente das grandes desgraças. Em nome do empreendimento para melhoria dos humanos, por outro lado, cava a sepultura de outros que não se apercebem do mal que se aproxima.
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Quantos exemplos temos a nossa frente!!!!
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