GERAR ESGOTOS É FÁCIL. DIFÍCIL É SE LIVRAR DELES…

Esgoto a céu aberto

Algo entre 70 e 75% do corpo humano é composto por água. Descendentes que somos de criaturas que, nos primórdios tempos do início da vida no planeta, eram aquáticas e que depois evoluíram para viver em terra seca, nunca abandonamos completamente a água. Dependemos da água retida no interior de todas as nossas células e do sangue líquido que corre em nossas veias para nos mantermos vivos, da ingestão de boas quantidades de água pura e de alimentos com um bom percentual do líquido em sua composição. Nossos filhos são gerados dentro de uma “bolsa” cheia de líquido amniótico (essencialmente, água). O funcionamento normal de nosso organismo libera toxinas através da urina e os resíduos da nossa digestão, onde há muita água na sua composição. Usamos essa mesma água em nossa higiene pessoal e na limpeza de nossas habitações – praticamente todas as nossas atividades dependem do uso da água. E, quando usamos a água, geramos o chamado esgoto.

De acordo com recomendação da OMS – Organização Mundial da Saúde, todo ser humano tem direito a, no mínimo, 100 litros de água para o seu consumo diário. No Brasil, em média, cada habitante utiliza aproximadamente 150 litros de água todos os dias – água pura para o consumo, para preparação de alimentos, para limpeza e higiene, para as descargas no vaso sanitário, etc. E esse uso gera aproximadamente 150 litros de esgotos por habitante a cada dia. Como dito no título – gerar todo esse esgoto é muito fácil: basta que se use a água. Os problemas começam com a eliminação desse efluente.

Quem mora em cidades ou bairros com uma boa urbanização, dificilmente encontrará uma sarjeta com um fio de esgotos correndo a céu aberto, e, por isso mesmo, pode não perceber a gravidade do problema. Contando com uma infraestrutura de afastamento de esgotos adequada, seus lares são facilmente limpos e higienizados, ficando livres do mal cheiro e dos incômodos de esgotos correndo a céu aberto na sua porta de entrada. Agora, aqueles pobres indivíduos que habitam em comunidades carentes, naqueles imóveis classificados nos critérios dos Censos como “habitação subnormal”, sabem exatamente do que eu estou falando e das agruras que isso produz no dia a dia, particularmente nos dias quentes, quando a decomposição da matéria orgânica presente nos efluentes é mais acelerada.

Poucos dias atrás, após a divulgação de uma série de estatísticas sobre o crescimento do número de assassinatos em grandes cidades brasileiras, percebí um nítido desconforto dos meios de comunicação com essa situação, com editoriais exigindo providências das autoridades de todos os níveis de governo. Silenciosamente, sem contar com a indignação dos meios de comunicação, de políticos e da população, doenças provocadas por águas contaminadas por esgotos ou diretamente pelo contato com esgotos ceifam, silenciosamente, dezenas de milhares de vidas nas populações mais carentes, ano após ano, em números talvez superiores aos da violência urbana e rural. Um exemplo dramático dessa condição sub-humana de vida e moradia é a mortalidade de crianças vitimadas pela diarreia. A diarreia é a segunda causa de morte entre crianças com menos de 5 anos em todo o mundo. No Brasil, 80% dos casos são provocados pelo consumo de água contaminada, retirada de poços, cacimbas e riachos. Em 2011 o país registrou 1,6 milhão de ocorrências – dados oficiais indicam que a doença matou mais de 3.000 crianças com menos de 5 anos no Brasil naquele ano – provavelmente, o número real de mortes é bem maior que isso: em regiões rurais, os pais demoram a fazer o registro civil de nascimento das crianças – sem esse documento não é possível emitir as certidões de óbito. Uma das faces mais tristes dessa estatística mostra que crianças a partir de um ano de idade são as mais vulneráveis aos efeitos devastadores da diarreia. A causa é muito simples: é a partir dessa idade que as crianças começam a engatinhar pelo chão das casas e são expostas aos patógenos que foram trazidos para dentro das casas na sola dos sapatos dos moradores, solas estas impregnadas pelos esgotos que correm a céu aberto nas ruas e calçadas das chamadas “comunidades carentes”. Quem já viu uma criança engatinhando sabe que elas alternam as mãos entre o chão e a boca – havendo patógenos no piso, a contaminação será inevitável.

Apesar de receber algumas “críticas” de amigos que parecem não gostar das postagens onde eu trato dos problemas ligados aos esgotos, acho importante divulgar essas informações, alertando o maior número de pessoas sobre os perigos que uma inocente poça ou filete de esgotos correndo por uma rua de periferia nas ditas “comunidades” pode representar para as populações mais carentes – sempre elas. Como a geração diária de grandes volumes de esgotos e sem sistemas adequados para a coleta e o transporte dos efluentes, é inevitável que a população continue sendo obrigada a improvisar “soluções” para os despejos.

Todos saem perdendo. Os mais pobres, porém, são os que sempre perdem mais – algumas vezes com a perda da própria vida.

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