Nos últimos posts nós falamos bastante sobre os sistemas de tratamento de esgotos e, imagino, deve ter ficado muito claro que esse tratamento é baseado em atividades biológicas de bactérias anaeróbias e aeróbias. As bactérias consomem a matéria orgânica ao longo de diversas etapas, transformando-a nos materiais inertes que formam o lodo sanitário. Além de alimento, que nesse caso é a matéria orgânica, a sobrevivência desses seres vivos depende da temperatura ambiente e de um volume adequado de efluentes. Esses parâmetros precisam ser continuamente monitorados para o perfeito funcionamento de um sistema de tratamento de esgotos.
As colônias de bactérias necessitam de um meio úmido para a sua sobrevivência – sem a presença de água, as bactérias morrem. Um exemplo prático pode ser encontrado nas colônias de bactérias que formam o biofilme no Filtro Biológico de uma ETE – Estação de Tratamento de Esgotos, que necessitam da circulação contínua de água para a sua sobrevivência. É comum a queda do volume de esgotos bombeados para as ETEs em períodos noturnos ou em feriados. Essa queda no volume de esgotos na entrada da Estação vai resultar numa diminuição dos efluentes lançados no Filtro Biológico, comprometendo a integridade das colônias de bactérias. Para evitar que isso aconteça, as Estações de Tratamento são dotadas de um sistema de recirculação de efluentes. A função desse sistema é a de garantir o retorno de uma parcela do efluente tratado de volta à entrada do Filtro Biológico, garantindo a sobrevivência das colônias de bactérias nesses momentos de redução do volume dos esgotos lançados nos Sistemas.
Por outro lado, caso haja um aumento substancial no volume de efluentes lançados na ETE – por exemplo com o lançamento de águas pluviais na rede de esgotos num dia de chuva muito forte (relembrando que é ilegal lançar águas de chuva nas rede de esgotos, porém isso acontece com grande frequência), essas colônias de bactérias são “lavadas” e removidas pelo forte fluxo de efluentes (nessas situações, todas as comportas da ETE são abertas e a água atravessa todas as instalações em grande velocidade). A posterior recolonização das unidades por bactérias aeróbicas e anaeróbias poderá levar vários dias, o que vai prejudicar a qualidade do tratamento final dos efluentes nesta Estação.
A temperatura influi diretamente na taxa de qualquer reação química, que aumenta com sua elevação, salvo os casos onde a alta temperatura produza alterações no catalisador ou nos reagentes. A velocidade de decomposição dos esgotos aumenta de acordo com a temperatura, sendo a faixa ideal para atividade biológica entre 25 e 35º C, sendo ainda 15º C a temperatura abaixo da qual as bactérias se tornam inativas na digestão anaeróbia. Dentro dos tanques sépticos (fossas), por exemplo, ocorre a digestão anaeróbia – quanto mais alta a temperatura maior será a atividades das bactérias. Em países de clima temperado e com invernos rigorosos, a baixa temperatura dos esgotos praticamente inviabiliza a atividade das bactérias. Em muitos casos, as estações de tratamento de esgotos desses países precisam aquecer os efluentes para estimular a atividade das bactérias antes de iniciar qualquer uma das etapas do tratamento dos esgotos. O clima local de uma cidade ou região é um fator determinante no processo de tratamento e vai influenciar muito na escolha na tecnologia a ser adotada.
No extremo oposto, o uso de altas temperaturas é a forma mais eficiente para eliminar bactérias nocivas à saúde humana, por exemplo em instrumentos cirúrgicos; em aparelhos chamados autoclave, os instrumentos cirúrgicos são submetidos a vapor numa temperatura entre 121° e 134° C e a uma pressão de 1 atm (atmosfera), o que garante a eliminação total das bactérias. Efluentes industriais quentes, por exemplo, podem destruir as colônias de bactérias de uma ETE e é por isso que vão necessitar de controles rigorosos de sua emissão nas fábricas.
Ironicamente, as regiões mais quentes do Brasil, que tecnicamente apresentam as melhores condições para o tratamento dos esgotos, são aquelas que apresentam os menores índices de tratamento. As desculpas usadas pelas autoridades, evidentemente, são outras.
Muito interessante o seu conteúdo. Estaremos acompanhando seus posts. Gostamos muito de ler sobre o tema “esgoto” não só para nos atualizarmos mas também para escrever em nosso blog.
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