
Nas últimas décadas o Irã investiu pesado na construção da imagem de superpotência militar do Oriente Médio. Além de fortes investimentos em homens e equipamentos bélicos para as suas forças militares tradicionais, o país passou a se esforçar muito para dominar o ciclo da energia (e porque não dizer das armas) nucleares.
Nos últimos meses essa escalada armamentista desaguou numa guerra aberta contra o Estado de Israel, conflito que só entrou num compasso de espera após uma vigorosa e desproporcional intervenção dos Estados Unidos – os norte-americanos lançaram cargas pesadíssimas de bombas sobre diversas instalações nucleares do país, levando a uma “pausa forçada’” nas agressões.
O discurso belicoso das autoridades iranianas, que dominava as redes sociais e canais de notícias, subitamente foi mudado nas últimas semanas – do ufanismo de uma gloriosa vitória contra os “sionistas”, o país passou a falar de um iminente colapso dos sistemas de abastecimento de água nos próximos meses.
Os mais importantes reservatórios de água do Irã estão com níveis baixíssimos e, caso não cheguem as chuvas, a população do país poderá ficar sem água dentro de poucas semanas. Essa situação é o resultado de uma forte seca que já dura cinco anos e da falta de uma gestão adequada dos recursos hídricos do país.
Em algumas regiões do Irã as temperaturas têm ultrapassado a marca de 50º C nas últimas semanas – na cidade de Shabankareh, localizada próxima da fronteira com o Iraque, os termômetros atingiram a inacreditável marca de 52,8º C. Na capital do país – Teerã, as temperaturas frequentemente vêm superando os 40º C. O volume de chuvas em grande parte do país caiu 50% nos últimos anos.
Com aproximadamente 1,65 milhão de km², o território do Irã é formado em grande parte por regiões áridas e semiáridas. Desde a antiguidade, os iranianos vêm travando uma luta contra a escassez de recursos hídricos. Um exemplo são o qanats, tuneis subterrâneos para o transporte de água. Em tempos modernos, o país investiu pesado na construção de represas – já eram 647 grandes reservatórios de armazenamento de água em 2018.
Um exemplo é a Barragem de Latyan na região de Teerã, projetada para armazenar até 95 milhões de metros cúbicos de água. Atualmente, o complexo está com um volume armazenado de apenas 9 milhões de metros cúbicos, o que mostra o tamanho do problema. Não basta simplesmente ter água – é preciso gerenciar o consumo cuidadosamente.
As fontes subterrâneas não estão em condições melhores. Estudos indicam que o nível do lençol freático em Teerã baixou 12 metros nos últimos vinte anos, um problema que se reverte no afundamento do nível do solo em vários bairros da cidade. Estudos geológicos mais complexos mostram um quadro ainda mais catastrófico.
Os solos do Irã guardavam desde tempos imemoriais um volume equivalente a 500 bilhões de metros cúbicos de água. Desse volume, um total de 200 bilhões de metros cúbicos já foram explorados e a maior parte do volume restante é formado por águas salobras, inadequadas para o consumo humano e agricultura.
O maior consumidor de água no país é a agricultura, que consome entre 70% e 90% da água disponível, nada muito distante da média mundial (no Brasil, o volume corresponde a 70% do consumo global). O problema é o desperdício de água devido ao uso de sistemas e técnicas de irrigação obsoletos, onde volumes de até 70% são perdidos para a evaporação. Alguns cálculos indicam que cerca de 50 bilhões de metros cúbicos de água são desperdiçados pela agricultura iraniana a cada ano.
Outro problema dessa complexa engrenagem é o alto consumo per capita pela população. Em alguns bairros de Teerã, citando um único exemplo, o consumo diário dos moradores chega aos 400 litros. Esse volume é quase três vezes maior que o consumo médio de um paulistano e quatro vezes maior do que o que é recomendado pela OMS – Organização Mundial da Saúde.
A má gestão dos recursos hídricos no Irã não é um problema recente. Um exemplo do descaso com o problema é mostrado pelo caso do Lago Úrmia, localizado na província do Azerbaijão (não confundir com o país vizinho), no nordeste do Irã.
O Úrmia já foi o maior lago de águas salgadas do Oriente Médio, com um espelho d’água que chegava a 6 mil km². Localizado no centro de uma grande depressão cercada por cadeias de montanhas, o lago é alimentado principalmente pela água de degelo de glaciares. A bacia hidrográfica, que é do tipo endorreica (sem saída para o mar) tem aproximadamente 52 mil km².
Assim como aconteceu com outros lagos do mundo, projetos de agricultura irrigada passaram a consumir a maior parte das águas de rios que corriam na direção do Lago Úrmia. Conclusão – em 2013, o espelho d’água estava reduzido a meros 500 km². Para piorar a situação, o sal acumulado no fundo do lago passou a ficar exposto ao vento e foi espalhado por grandes áreas vizinhas, comprometendo a fertilidade dos solos.
Após o caos instalado, as autoridades iranianas resolveram se mexer e diversas medidas foram tomadas para reduzir o consumo de água pelos agricultores locais. Dados de 2020 mostram que o lago está se recuperando gradualmente – o espelho d’água atingiu a marca de 3,1 mil km².
Infelizmente, o zelo tardio que passou a ser dedicado ao Lago Úrmia passou longe da imensa maioria das fontes de água do Irã. O esgotamento das fontes de água é iminente e não existe um plano “B” a vista.
A pergunta é – o que fazer para abastecer uma população de mais de 90 milhões de habitantes do país daqui para a frente?

Não bastasse uma natureza que historicamente é inclemente, o ser humano age como se estivesse num paraíso inesgotável.
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