A NOVA “GUERRA” DA CAXEMIRA: ÍNDIA E PAQUISTÃO AFIANDO AS GARRAS

Quem acompanha os noticiários sabe que as, já tensas, relações entre a Índia e o Paquistão galgaram um novo patamar nos últimos dias. No último dia 22 de abril, um ataque terrorista deixou 26 mortos na região turística de Pahalgam, estado indiano de Jammu e Caxemira, região mais conhecida como Caxemira. A polícia local prendeu três suspeitos, sendo que dois deles são paquistaneses. 

Índia e Paquistão disputam a ferro e fogo a posse da região da Caxemira. Atentados e ataques promovidos por grupos ligados e/ou financiados pelo Paquistão são frequentes na região. A disputa já deflagrou três guerras entre os dois países: em 1947-1948, 1965 e 1999, esse último conhecido como conflito de Kargil. Esse novo incidente já colocou os exércitos em alerta e já está ocorrendo um deslocamento maciço de tropas e equipamentos para o front.   

A Caxemira é uma região montanhosa localizada ao Norte do subcontinente indiano, que vem sendo disputada pela Índia e Paquistão desde o fim da colonização britânica em 1947. Muito mais do que a posse de uma grande extensão territorial, essa região da Cordilheira do Himalaia concentra grandes geleiras nas montanhas que alimentam as nascentes do rio Indo, o maior e mais importante rio do Paquistão. 

O rio Indo (ou Indus) tem suas nascentes nas montanhas himalaias e percorre cerca de 3.180 km até atingir sua foz no Oceano Índico. O Indo é o maior e mais importante rio do Paquistão, um país com uma população de 200 milhões de habitantes. Suas águas respondem pela irrigação e nutrição de 90% das culturas agrícolas do país. Sem as águas do rio Indo, grande parte do Paquistão se transformaria em um deserto árido – o restante do país já é hoje uma sucessão de terrenos áridos e semiáridos. 

Em resumo: a disputa entre os dois países é pela posse e uso das águas, uma das mais elementares questões de meio ambiente. Quem dominar essas águas, dominará o poder político e econômico da região. 

Durante os 200 anos de duração da administração inglesa na região, os territórios hoje ocupados pela Índia, Paquistão e Bangladesh formavam, artificialmente, um único país, onde as respectivas populações se toleravam – a população da Índia era majoritariamente hindu; os territórios do atual Paquistão e de Bangladesh tinham uma maioria muçulmana. Sempre ocorreram conflitos religiosos entre as populações dessas diferentes religiões, porém, sob o domínio britânico, havia um claro esforço para se atingir uma convivência “pacífica”.  

Após a independência da Índia em 1947 e o acirramento entre os diferentes grupos religiosos, o território do subcontinente indiano acabou dividido e os muçulmanos assumiram o controle da região do atual Paquistão e de Bangladesh; os hindus se concentraram nas regiões Central e Sul.  

De acordo com um tratado assinado entre os dois grupos nessa época, a população da região da Caxemira deveria votar em um plebiscito, escolhendo a qual dos lados deveria se juntar neste processo. Com perto de 80% da sua população sendo muçulmana, era natural que o resultado da votação fosse favorável à anexação da Caxemira ao Paquistão. A Índia, porém, alegou razões históricas e acabou anexando a maior parte região da Caxemira ao seu território e não permitiu a realização do plebiscito.

De acordo com cânticos e poemas encontrados nos Vedas, conjunto de livros sagrados dos antigos hindus, existia um grande rio, o Ghaggar-Hakra, cujo vale atravessava uma região desértica entre os territórios atuais da Índia e do Paquistão. As águas desse mítico rio alimentavam e nutriam as populações de centenas de cidades. Em determinado momento, a ira dos deuses fez esse rio secar, levando ao súbito desaparecimento de todas essas cidades e populações.  

Desde 1861, arqueólogos vêm trabalhando nesse vale e comprovando que nem tudo é lenda – entre os anos 2.600 e 1.900 a.C., floresceu nessa região a Civilização do Vale do Indus. Ruínas de mais de 1.050 cidades e vilas já foram encontradas e 96 sítios já foram escavados – a mais impressionante dessas cidades é conhecida pelo nome de Mohenjodaro (ou Mohenjo-Daro).   

Estudos arqueológicos, geológicos e meteorológicos recentes comprovaram que já existiu um grande rio na região, que corria através de um vale “paralelo” ao do atual rio Indus, desde os terrenos altos do sopé das montanhas himalaias até um delta no Oceano Índico. Supõe-se que um grande terremoto, ocorrido há 4 mil anos, alterou a inclinação dos terrenos e desviou a maior parte das suas águas na direção do rio Ganges. Mudanças climáticas regionais, desmatamentos e sobrepastoreio de campos também são consideradas entre as causas do desaparecimento do rio.  

É essa mistura de mitologia com fatos históricos comprovadamente reais que tira o sono de muitos paquistaneses. Essa mais recente crise entre os dois países, donos de poderosos exércitos e de arsenais nucleares, poderá descambar para um conflito regional de consequências imprevisíveis. 

Em 1960, a Índia e o Paquistão assinaram um acordo, o Tratado das Águas do rio Indus, o que acalmou muitos ânimos. As desconfianças, porém, continuaram: recentemente, a Índia construiu a Usina Hidrelétrica de Baglihar na região, acendendo uma luz de alerta no Paquistão e acirrando o tom das provocações entre os dois países.   

Um sinal que mostra a que nível a tensão entre os dois países chegou: o Governo da Índia ordenou o fechamento das comportas da barragem de Baglihar poucos dias atrás… 

Os próximos dias serão decisivos. Que Allah e todos os milhares de deuses do panteão indiano iluminem os líderes dos dois países e que se encontre um meio termo aceitável pelas partes! 

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