
Prosseguem os trabalhos de busca às vítimas das chuvas no Litoral Norte de São Paulo. De acordo com informações da Defesa Civil, já são 54 o número de vítimas fatais já confirmadas e, pelo menos, 30 pessoas ainda estão desaparecidas.
Até o momento, os trabalhos de escavação dos escombros vinham sendo feitos de maneira manual e controlada, sempre com a esperança de se encontrar vítimas soterradas ainda vivas. Passados seis dias desde os desmoronamentos das encostas, essa esperança é cada vez mais reduzida e os trabalhos deverão passar a ser feitos por máquinas pesadas.
Na última postagem aqui do blog eu fiz um breve resumo da origem dos bairros populares dos municípios atingidos pelos desmoronamentos das encostas. A valorização dos terrenos a beira mar, especialmente após a construção de rodovias de acesso como a Rio-Santos, empurrou as populações caiçaras para o “pé-das-serras”.
Conforme apresentamos, os chamados caiçaras são as antigas populações do litoral da faixa entre o centro do Estado do Rio de Janeiro e o Litoral do Paraná. Essas populações se formaram a partir da mestiçagem entre os primeiros europeus a desembarcar no Brasil e as mulheres indígenas.
Com o passar do tempo, esse grupo passou a também incorporar africanos, especialmente escravos fugitivos das grandes fazendas de cana-de-açúcar e de café. Isolados entre o mar e as montanhas, esses grupos preservaram os costumes e os hábitos religiosos dos primeiros colonizadores do país.
Com a enorme valorização dos terrenos a beira mar, corretores de imóveis e especuladores de terras passaram a assediar as antigas vilas de caiçaras, oferendo baixos valores pelas terras – muitas vezes eram oferecidos objetos como ferramentas, roupas, sapatos ou outros itens banais em troca das terras. Sem maiores informações, grande parte desses nativos acabaram caindo no “canto da sereia”.
Em municípios do litoral Sul de São Paulo como Peruíbe, Itanhaém e Mongaguá, onde existe uma antiga estrada de ferro que ligava o Porto de Santos ao Paraná, a divisão territorial que foi criada é bastante nítida. Todos os antigos caiçaras passaram a viver do lado da ferrovia ao largo da serra e o trecho entre a linha férrea e o mar ficou reservado para as casas de fim de semana e de veraneio das “gentes de fora”.
Com o passar dos anos, esses bairros populares começaram a receber migrantes pobres vindos de outras regiões do país – especialmente nordestinos, que buscavam oportunidades de uma vida melhor. Felizmente, graças aos terrenos planos dessa região, essas populações correm menos riscos de desmoronamentos de encostas.
No litoral Norte, onde o relevo é bem mais acidentado devido a Serra do Mar praticamente se encontrar com a faixa de areia do Oceano Atlântico, essa divisão entre as áreas de casas e prédios de veraneio e os bairros populares não é tão nítida. Esses bairros populares se dividem em diversos bolsões de casas nas encostas íngremes da serra. Quanto mais longe esses pobres ficarem da faixa de areia, melhor.
Um exemplo dessa verdadeira divisão entre ricos e pobres nas disputas pelas areias das praias do Litoral Norte pode ser visto em uma espécie de pedágio que foi instituído pela Prefeitura de Ubatuba recentemente. Trata-se da Taxa de Preservação Ambiental, tributo que começou a ser cobrado no último dia 8 de fevereiro.
Essa taxa foi criada em 2018 e regulamentada em abril de 2022, data em que foram estabelecidos os valores. A taxa é cobrada dos veículos que não estão registrados no município de Ubatuba e cidades vizinhas, e que permanecem por mais de 4 horas dentro dos limites do município.
Motocicletas pagam R$ 3,50; carros R$ 13,00, utilitários R$ 19,50; micro ônibus e caminhões R$ 59,00 e ônibus R$ 92,00. Esse pagamento é renovado a cada 24 horas de permanência dos veículos na cidade.
Por mais nobres que sejam as intenções da Prefeitura, que afirma que os recursos arrecadados pela taxa serão destinados à preservação do meio ambiente, o recado, na minha modesta opinião, é bem mais simples – não queremos gente pobre por aqui.
Eu lembro claramente das famosas excursões de farofeiros para o litoral nos meus tempos de infância e adolescência. Minha cidade, São Paulo, fica a 70 km de Santos, a cidade litorânea mais próxima. Grupos fretavam ônibus de turismo e dividiam os custos entre um grupo de vizinhos. O ônibus saía bem cedo, chegando ao litoral no começo da manhã. Os turistas passavam o dia inteiro na praia e voltavam só a noite.
Era comum que esses turistas levassem lanche ou comida pronta de casa – o famoso “frango com farofa” era um dos pratos mais comuns, daí o nome “farofeiros”. Um dos destinos mais comuns dessas excursões era a Praia Grande, que naqueles velhos tempos era uma longa faixa de praias semi desertas ao Sul da cidade de Santos. Há poucos anos atrás, a cidade simplesmente proibiu a entrada desses ônibus de excursão.
Pessoalmente, eu entendo que a cobrança desse tipo de taxas ou a simples proibição do acesso de pessoas mais pobres às praias é uma afronta a liberdade de livre circulação das pessoas previstas na Constituição Federal. Acho que só o fechamento de praias por particulares, algo que é proibido por lei, mas que é muito comum em alguns lugares, é pior.
Diante do quadro de destruição criado em todo o Litoral Norte pelas chuvas, acredito que essa taxa de preservação ambiental de Ubatuba (que, aliás, é a única cidade do litoral paulista que cobra) deveria ser imediatamente extinta ou então que seja transformada em uma taxa de reconstrução da cidade, onde todos os recursos arrecadados sejam utilizados para a construção de moradias populares decentes para os mais pobres. Outras cidades deveriam adotar o mesmo procedimento, que nesse caso seria justo.
Meio ambiente, por definição, abrange tanto os recursos naturais como florestas, águas e fauna, como também as pessoas e seu meio ambiente artificial – casas, ruas e outras construções. Não há como separar um do outro!
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