AS “CABRAS-BOMBEIRAS” DA CALIFÓRNIA, OU AINDA FALANDO DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NOS ESTADOS UNIDOS

No ano passado, em consequência da fortíssima estiagem que atingiu toda a região Central do Brasil, as queimadas na região do Pantanal Mato-grossense foram enormes. Entre as inúmeras análises feitas sobre a origem do problema, houve quem citasse a redução da pecuária na região por causa de restrições ambientais. 

De acordo com esse ponto de vista, os animais comem a vegetação rasteira e arbustiva, reduzindo assim o volume de matéria orgânica combustível que poderia arder em um incêndio florestal. Surgiu na época o conceito do “boi-bombeiro”, uma ideia que foi rechaçada por um sem número de “especialistas”. Aliás, nessas horas, “brotam” especialistas como cogumelos após uma chuva. 

Na nossa última postagem, onde falamos das preocupações do Governo dos Estados Unidos em relação ao início de mais uma temporada de incêndios florestais no país, citamos que existe um plano para reduzir o volume de matéria orgânica combustível nas florestas através de podas e cortes de galhos de árvores. Esse material seria queimado posteriormente de forma controlada. A lógica por trás disso – sem combustível no chão das florestas, os incêndios seriam bem menos agressivos

Uma outra afirmação feita na postagem foi sobre o uso de cabras e bodes soltos nas matas – esses animais comem a vegetação rasteira e também resolvem o problema do excesso de combustível para os incêndios. As “cabras-bombeiras” (e os bodes por extensão) norte-americanas conseguem realizar um trabalho preventivo a incêndios florestais por lá, coisa que os “bois bombeiros” brazucas, de acordo com os nossos especialistas, não conseguiriam fazer por aqui. Vamos entender essa história. 

Cabras e bodes, como nós brasileiros sabemos muito bem, são animais de um apetite insaciável e que conseguem comer praticamente tudo. Os maiores rebanhos desses animais aqui no Brasil estão concentrados na Região Nordeste – particularmente no Semiárido. Esses rebanhos, aliás, são extremamente danosos para o meio ambiente local. 

Em épocas de seca, enquanto bovinos, equinos e muares padecem pela falta de pastagem, as cabras e bodes dão o seu jeito para sobreviver. Esses animais escalam os galhos de árvores em busca das folhas e galhos mais altos. Também conseguem comer plantas espinhosas como as coroas-de-frade, os xique-xiques e outras cactáceas do sertão. Quando todas as fontes de alimentos se esgotam, os animais conseguem cavar o solo em busca de raízes. 

A grande quantidade de cabras e bodes que são criados soltos nos sertões nordestinos vem ajudando a aumentar o problema da desertificação, um fenômeno facilmente observado em várias regiões do Semiárido. O botânico Alberto Loefgren (1854-1918), sueco de nascimento e depois radicado no Brasil, já alertava sobre esse problema ainda no final do século XIX. 

Foi se valendo justamente dessa capacidade das cabras e bodes de comeram praticamente qualquer tipo de vegetação, que muitos agricultores dos Estados Unidos passaram a soltar esses animais em matas sujeitas aos temidos incêndios florestais anuais daquele país. Aliás, essa é uma ideia que vem sendo usada há muito tempo em diversos países da Europa – a Irlanda é um desses casos

No subúrbio de Howth ao Norte de Dublin, capital do país, o Conselho Local autorizou que um rebanho de 25 cabras passasse a pastar nas colinas próximas, uma região propensa a fortes queimadas. As cabras são de uma antiga raça local, a Old Irish Goat, espécie que tem uma predileção pela vegetação típica dessas colinas. Essa espécie, inclusive, estava ameaçada de extinção – a iniciativa acabou também ajudando a resolver esse problema. 

Um Estado norte-americano onde as “cabras-bombeiras” tem se tornado bastante populares é a California, um dos mais afetados pelos sucessivos incêndios florestais. A fama dos animais cresceu muito após um feito histórico – um rebanho de cabras ajudou a salvar a Biblioteca Presidencial Ronald Reagan, que fica nas cercanias de Los Angeles, em 2019. 

Em maio daquele ano, quando a intensidade dos incêndios florestais na Califórnia já estava assustando muita gente, os administradores da Biblioteca contataram uma empresa e “contrataram” um rebanho de 500 cabras para consumir a vegetação excedente nas matas ao redor da instituição. 

Em poucos dias os animais concluíram seu trabalho e comeram toda a vegetação rasteira e arbustiva do local. Essa área limpa atuou como uma barreira contra o avanço das chamas que tomaram conta desta floresta logo depois, e criou condições para que os bombeiros conseguissem trabalhar com maior tranquilidade. Ou seja: os animais salvaram a Biblioteca. 

Desde então surgiram inúmeras empresas especializadas na locação de rebanhos de cabras e bodes. Em função do tamanho da área a ser limpa é determinado o número de animais que serão necessários para a “realização do serviço”. Os animais são transportados em caminhões especiais até o local, onde são soltos e iniciam imediatamente a sua missão – comer a maior quantidade possível de vegetação. 

Fazendas e comunidades que usaram os serviços ficaram muito satisfeitas com os resultados. O custo fica muito próximo do que seria dispendido com a contratação de trabalhadores. Aliás, o que se comenta é que os animais trabalham sem reclamar e não geram custos trabalhistas adicionais. 

Os bombeiros também tem elogiado bastante o serviço feito pelas cabras e bodes. Incêndios em matas que foram limpas pelos animais são bem mais fáceis de controlar e os riscos para os bombeiros são bem menores. E a ideia, que até bem pouco tempo atrás era vista como um experimento de empreendedores, já está sendo vista como um ótimo negócio para muitas empresas. 

Além do excelente serviço na limpeza de áreas florestais, esses animais também fornecem carne, leite e derivados, além do couro (o melhor e mais macio é o couro das cabras), produtos que amplificam as possibilidades de ganhos das empresas. Com as mudanças climáticas e com uma redução gradual dos recursos hídricos em todo o Oeste e Meio-Oeste dos Estados Unidos, o negócio das “cabras-bombeiras” deverá prosperar muito nos próximos anos. 

Voltando a falar do caso do Pantanal Mato-grossense. Rebanhos bovinos consomem grandes quantidades de forragem, mas não tem o apetite eclético das cabras e dos bodes. Apesar de menos eficientes na limpeza das matas, esses animais poderiam sim ajudar a minimizar os riscos de grandes incêndios nas matas da região. 

Um outro detalhe importante – muitas fazendas de criação de gado estão estabelecidas na região há mais de 200 anos e o Pantanal continua sendo o bioma mais preservado do país, apesar dos inúmeros problemas ambientais que possui. 

Chega uma hora em que é preciso deixar ideologias de lado e agir com pragmatismo. O que os norte-americanos estão fazendo com as “cabras-bombeiras” é um exemplo disso. 

A TEMPORADA 2022 DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NOS ESTADOS UNIDOS

A temporada das queimadas aqui no Brasil está começando. O mês de maio marca o início do período de seca no Cerrado Brasileiro, que deve se estender até o mês de setembro. Na Amazônia, o verão começa em julho e seguirá até o final do ano. 

Aqui é importante lembrar que esses dois grandes biomas brasileiros apresentam apenas duas estações climáticas bem definidas – o verão, época com clima quente e seco, e o inverno, época das chuvas. A vegetação seca, principalmente em áreas do Cerrado, e as altas temperaturas formam as condições ideais para a ocorrência de grandes queimadas e também para a publicação de grandes manchetes na imprensa internacional falando das queimadas na Floresta Amazônica. 

Hoje, entretanto, vamos falar da temporada de incêndios florestais nos Estados Unidos, que esse ano começou mais cedo. Com o final do inverno e com o tempo seco, já foram registrados mais de 20 mil focos de incêndio em áreas de florestas por todo o país nos primeiros messes de 2022, o que já consumiu cerca de 400 mil hectares de vegetação

As regiões em situação mais crítica estão nos Estados do Meio-Oeste, especialmente no Arkansas, no Colorado e no Novo México, onde a situação é particularmente grave – metade dos 33 condados do Estado já registraram focos de incêndios nas últimas semanas. Na região de Denver, a capital do Colorado, as autoridades estão em alerta máximo. As matas locais estão extremamente secas, com muitos ventos e calor forte e fora de época. Além disso, há mais de uma década que a região é vítima de grandes incêndios florestais nessa época. 

Outro Estado norte-americano que se prepara para uma temporada de fortes incêndios é a Califórnia. Segundo um balanço das autoridades locais, 93% da área do Estado está enfrentando uma seca severa, uma situação que tende a se agravar nos próximos meses. Em 2021, os incêndios destruíram mais de 1 milhão de hectares de florestas na Califórnia, uma área equivalente à do Estado de Connecticut. 

Um sintoma da escassez hídrica na Califórnia pode ser visto nos reservatórios de água – a maior represa de abastecimento do Estado, Shasta, está com apenas 38% da sua capacidade máxima. A média histórica nesse período de seca é de 48%, o que sinaliza que também que haverá problemas para o abastecimento de água da população nos próximos meses

As mudanças climáticas vêm provocando uma redução sistemática das chuvas e das precipitações de neve nos últimos anos em toda a região Oeste e Central dos Estados Unidos. O rio Colorado, que é um dos mais importantes dessas regiões, vem sofrendo com a redução sistemática dos seus caudais, o que se reflete em prejuízos para a agricultura irrigada de diversos Estados. 

A falta de chuvas também está prejudicando o crescimento da vegetação de altitude e a formação do manto de neve nas Montanhas Rochosas. Quando ocorre uma nevasca, a poeira e a vegetação seca estão se misturando com a neve, que fica com um aspecto barrento. Isso prejudica o efeito albedo, que é a reflexão de grande parte da energia da luz solar sol.  

Cores claras, como o branco da neve no alto das montanhas, refletem a maior parte da radiação solar. Numa neve com aspecto barrento, essa reflexão fica prejudicada e a neve acaba absorvendo calor e derrete rapidamente. Sem a camada de neve, as rochas no topo das montanhas acabam absorvendo quantidades cada vez maiores de calor e acelerando cada vez mais o derretimento da neve.  

É sempre importante lembrar que a neve acumulada no alto de cadeias montanhosas costuma derreter gradativamente ao longo do ano e essa água alimenta as nascentes de muitos rios. Muitos dos afluentes do rio Colorado são alimentados a partir de nascentes no alto das Montanhas Rochosas, nascentes essas que estão ficando cada vez mais comprometidas pela falta de neve. 

O Governo dos Estados Unidos já havia divulgado em janeiro um grande plano para o combate aos incêndios florestais nos próximos 10 anos. Esse plano, batizado de Estratégia de Crise de Incêndios Florestais, prevê tornar as florestas mais saudáveis e resistentes a esses eventos. 

Um dos pontos chaves dessa estratégia é a redução do volume de matéria combustível nessas florestas. Galhos e árvores caídas no chão da floresta, vegetação rasteira e árvores velhas, entre outros elementos, são reservas de material combustível a espera de uma pequena chama para entrar em combustão. Reduzir a quantidade desses materiais é fundamental para evitar tais situações. 

Esse controle pode ser feito com a poda sistemática e o corte de árvores, culminando com queimadas controladas desses materiais. Em algumas regiões da Califórnia, citando um exemplo, os fazendeiros conseguem fazer esse controle com o uso de rebanhos de cabras soltas no meio da mata – os vorazes animais comem todos os arbustos e vegetação rasteira, deixando muito pouco combustível para os incêndios. 

Atualmente, o Serviço Florestal dos Estados Unidos realiza esse tipo de ação preventiva em cerca de 800 mil hectares de florestas no Oeste norte-americano. Com a adoção do novo plano, O Serviço Florestal, o Departamento do Interior e outros parceiros estimam limpar cerca de 8 milhões de hectares, além de outros 12 milhões de hectares em parcerias com estados, municípios e empresas privadas nos próximos 10 anos. 

Entre as regiões prioritárias para a implantação desse plano estão o Arizona, Colorado, Califórnia, Oregon e Washington, justamente os Estados que mais vem sofrendo com os grandes incêndios florestais nos últimos anos. 

A questão dos incêndios florestais está ficando tão séria nos Estados Unidos que até a produção agrícola está sendo prejudicado. Muito produtores do Meio-Oeste, onde se concentra a maior parte da produção de grãos do país, já anunciaram que vão adiar o início do plantio do milho e do trigo esse ano por causa do medo desses incêndios. 

Em uma época de escassez de alimentos por causa da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, essa é uma notícia que preocupa muitos governos pelo mundo afora. Isso poderá, inclusive, criar uma pressão sobre áreas florestais remanescentes de outros países produtores de grãos como é o caso do Brasil. 

Seria importante de políticos, artistas, celebridades e famosos internacionais parassem de falar tanto das queimadas e da “destruição” da Floresta Amazônica e que passassem a prestar um pouco mais de atenção em tudo o que está acontecendo no resto do mundo e, particularmente, nas florestas dos Estados Unidos. 

Como sempre repetimos aqui no blog, a preservação da Amazônia é importante, porém, todas as florestas do planeta são fundamentais para a estabilidade do clima mundial. Infelizmente, muita gente acaba esquecendo disso