O SURURU DAS ALAGOAS E A DEGRADAÇÃO DA QUALIDADE DAS ÁGUAS

Sururu

A degradação ambiental das águas do baixo curso do rio São Francisco, conforme comentamos em nossa última postagem, está provocando profundos impactos biológicos nessa região de limite entre os Estados de Alagoas e Sergipe. A salinização das águas do rio está provocando uma intensa colonização de um longo trecho nas proximidades da foz por espécies marinhas, onde destacamos a presença cada vez mais constante dos tubarões da espécie cabeça-chata. Não muito distante dali, é a degradação ambiental das lagoas da faixa litorânea do Estado de Alagoas que está causando profundos impactos em uma espécie de molusco fundamental para a alimentação e a renda de milhares de famílias – o sururu

O sururu (Mytella charruana) é um molusco bivalve, aparentado com os mexilhões, que é muito comum na culinária regional do Nordeste, especialmente nos Estados do Maranhão, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Um dos pratos feitos com a iguaria e um dos mais conhecidos é o caldo de sururu, onde o molusco é preparado com leite de coco e azeite de dendê. No Estado de Alagoas, uma das mais tradicionais áreas de coleta do sururu é o Complexo Estuarino-Lagunar Mundaú-Manguaba. A intensa degradação ambiental e poluição das águas dessas lagunas está reduzindo sistematicamente a produção do sururu, asssim como as populações de peixes, crustáceos e moluscos.  

A história do povoamento do Estado de Alagoas está diretamente ligada às lagoas ou lagunas de Manguaba e Mundaú – a partir do século XVI, surgiram os povoados de Alagoa do Norte e Alagoa do Sul. Com o passar do tempo, esses povoados e outros que foram surgindo na região passaram a ser chamados genericamente de “as Alagoas”, nome que acabou sendo adotado para o Estado. As margens das lagoas também abrigam extensos manguezais, áreas que sempre garantiram bons estoques de peixes, crustáceos e moluscos como o sururu para o sustento das populuções da região. 

A Lagoa Manguaba é a maior do Estado, ocupando uma área com cerca de 42 km² entre os municípios de Pilar e Marechal Deodoro. Os principais formadores dessa lagoa são os rios Paraíba do Meio e Sumaúna. A Lagoa Mundaú se estende por uma área de 27 km² entre os municípios de Maceió, Santa Luzia do Norte e Coqueiro Seco. O principal formador da lagoa é o rio Mundaú. Essas duas importantes lagoas, entre outras menores ao longo do litoral, sofrem de problemas comuns, onde se destacam a intensa poluição das águas e as mudanças dos padrões de circulação das águas, o que têm reflexos nos níveis de salinidade das águas e afeta as comunidades de animais aquáticos. 

O crescimento das cidades sem uma infraestrutura adequada para a coleta e o tratamento dos esgotos, problema comum em todo o país, se configura como uma das principais ameaças à qualidade das águas das lagoas. Se juntam a esse problema os efluentes lançados por indústrias e por atividades agrícolas, especialmente do setor sucroalcooleiro, corte e aterro de áreas de manguezais, supressão de vegetação nativa, ocupação das encostas dos tabuleiros e construções irregulares nas orlas das lagoas. Além da poluição, essas agressões ambientais resultam em um intenso assoreamento das águas, o que, entre outros problemas, compromete os canais de ligação entre as lagoas e o oceano.  

A circulação de água marinha nas lagoas é fundamental para a manutenção dos níveis ideais de salinidade, essencial para a sobrevivência de espécies animais como o sururu. O molusco depende de águas com um nível de salinidade superior a 2 PSU (Practical Salinity Units ou Unidades Práticas de Salinidade). Estudos científicos comprovam que o sururu não consegue sobreviver por mais de sete dias em águas com salinidade inferior a este índice, algo que tem acontecido com muita frequência nas lagunas alagoanas. A quantidade excessiva de água doce nas lagoas tem provocado uma massiva mortandade de animais aquáticos como o sururu, o que pode ser comprovado através da redução sistemática na produção do molusco ao longo dos anos. 

De acordo com dados do extinto Departamento Estadual de Estatística de Alagoas, compilados em pesquisa pelo professor Carlos Ruberto, autor de um importante estudo sobre as lagoas do Estado, a produção média anual de sururu durante o período de 1954 e 1964 era de 2.725 toneladas, com um pico de produção de 5.500 toneladas em 1959. No final da década de 1980, essa produção já havia caído para 2.500 toneladas/ano e em 1997, a produção registrada foi de apenas 1.500 toneladas. Estimativas indicam que, nos últimos 20 anos, a produção de sururu caiu em, pelo menos, 25% (não existem registros oficiais para esse período)

O estudo também indica que em anos de fortes cheias nas bacias hidrográficas dos principais rios formadores das lagoas, quando as águas das chuvas saturam os ambientes lagunares, há uma forte redução na produtividade do sururu. Nos anos de 2010 e 2017, quando ocorreram fortes enchentes na região, foi observada uma redução média de 20% na produção anual do molusco.  

Os períodos de estiagem, épocas em que a salinidade das águas aumenta fortemente, também afetam a produtividade do sururu. Níveis de salinidade acima de 16 PSU diminuem as taxas de crescimento e aumentam a mortalidade da espécie. Em casos extremos, quando a salinidade supera o índice de 25 PSU, as larvas do sururu não conseguem se fixar no substrato e há uma forte redução da população dessa espécie nas lagoas. Mesmo depois da normalização dos níveis de salinidade nas águas, o processo de recolonização e recuperação das populações de sururu pode levar vários anos. 

Além dos profundos impactos ao meio ambiente, todas essas agressões desencadeiam uma série de problemas sociais e econômicos regionais: as lagoas possuem mais de 5.500 pescadores, que vem testemunhando uma redução contínua dos estoques de peixes nessas águas. Também existem dezenas de milhares de marisqueiras, que tiram o sustento de suas famílias da coleta, limpeza e venda do sururu. Também não é nada desprezível o número de famílias que sobrevive graças a coleta de caranguejos, para consumo ou venda, nas áreas de manguezais. Calcula-se que cerca de 300 mil pessoas que vivem nas áreas de entorno das lagoas dependem, direta e indiretamente, dos recursos naturais dessas águas para se alimentar ou ganhar o seu sustento

A faixa litorânea da Região Nordeste, especialmente no trecho entre o Recôncavo Baiano e o Rio Grande do Norte, é uma das regiões brasileiras mais impactadas e degradadas do ponto de vista ambiental. A vegetação nativa dessa região, a Mata Atlântica, foi praticamente dizimada para a implantação dos gigantescos canaviais nos tempos do Brasil Colônia, uma prática que ainda se mantém em nossos dias. A grossa camada de solos de massapê da região foi levada gradualmente pelas chuvas para as calhas de rios, lagoas e estuários da região, o que comprometeu a fertilidade dos solos, além da qualidade e quantidade das águas. Os imensos coqueirais da região são um testemunho dessa degradação – a planta, de origem asiática, ocupou os grandes trechos de terra desnuda abandonados após a decadência da indústria açucareira. 

O quadro da degradação ambiental foi completado com o crescimento da população na faixa litorânea de Alagoas. Muitas famílias, que foram expulsas de áreas do sertão pela seca, migraram para a faixa da costa e passaram a ocupar desordenadamente as áreas de entorno das lagoas e as periferias de grandes cidades como Maceió, contribuindo para aumentar a geração de esgotos e resíduos que são carreados para as águas das lagoas. Atividades de matadouros, plantações, olarias, pedreiras e de indústrias também deram a sua colaboração para se chegar a atual degradação ambiental desses importantes sistemas lagunares. 

O desaparecimento do sururu é apenas um dos sintomas mais visíveis de todo esse conjunto de agressões ambientais. 

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