UM SISTEMA DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS “RAZOÁVEL”, OU AS ENCHENTES NA CIDADE MARAVILHOSA

Exterminador do Futuro

Na minha última postagem fiz uma crítica bastante incisiva a declarações de autoridades do Rio de Janeiro que, em nota divulgada à imprensa, classificou o sistema de drenagem de águas pluviais da Cidade como “razoável”. Relembrando, a Cidade do Rio de Janeiro foi atingida por uma chuva extremamente forte na madrugada do último dia 15, que resultou em uma verdadeira situação de calamidade pública em diversos bairros. Foram enchentes localizadas, alagamentos generalizados em regiões baixas, quedas de árvores, desmoronamentos de imóveis, escorregamento de encostas, milhares de famílias desabrigadas e, desgraçadamente, 4 mortes foram registradas. Cerca de 48 horas depois da tragédia, haviam aproximadamente 100 mil residências ainda sem energia elétrica e muitos alagamentos persistentes em muitos pontos da cidade.

A foto que ilustra esta postagem, escolhida a dedo, mostra parte de um sistema de drenagem de águas pluviais, verdadeiramente, razoável. Muitos de vocês devem ter achado a imagem bastante familiar – trata-se de uma cena de um dos muitos filmes rodados nos canais do sistema de águas pluviais ligados ao rio Los Angeles, na cidade homônima da Califórnia, Estados Unidos. Dezenas e mais dezenas de filmes americanos, produzidos em Hollywood (distrito da cidade de Los Angeles), mostraram cenas de perseguições ao longo da calha concretada deste rio; podemos citar os filmes Exterminador do Futuro (vide foto) e Uma Saída de Mestre; no filme O Núcleo – Missão ao Centro da Terra, um ônibus espacial faz um pouso de emergência no local. Em outro filme, bastante exagerado na ficção, o rio Los Angeles foi usado para desviar a lava de um vulcão em formação na cidade – estou falando de Volcano: a fúria.

Além de toda esta importância como cenário para as mais diferentes produções cinematográficas, o rio Los Angeles também funciona como um excepcional canal para a drenagem das chuvas na cidade. Olhando para a foto sem uma maior atenção, fica até difícil encontrar qualquer vestígio do rio – se veem algumas manchas com água como uma calçada após uma chuva rápida. A curiosa desproporção entre o pequeno filete de água e o tamanho da calha tem uma explicação simples – as calhas de todo o sistema foram superdimensionadas para receber grandes volumes de águas das chuvas e evitar enchentes na cidade – simples assim.

A cidade de Los Angeles tinha um problema muito conhecido das grandes cidades brasileiras – a cada chuva mais forte, os sistemas de drenagem de águas pluviais não conseguiam dar conta da vazão do grande volume de água e as enchentes tomavam conta de grandes áreas da mancha urbana: qualquer semelhança com São Paulo, Rio de Janeiro ou Recife não é mera coincidência. Na década de 1940, a Prefeitura da Cidade decidiu pela realização de uma grande obra para resolver, em definitivo, o problema.

O canal do rio Los Angeles, que na maior parte do ano era um leito seco, foi “canalizado”. O sentido aqui diverge da tradicional rede de tubulações subterrâneas, tão comum na canalização de córregos urbanos no Brasil – o leito do rio foi retificado e transformado em um canal largo e profundo, revestido por concreto num trecho de 80 quilômetros. O canal foi dimensionado para receber um grande volume de águas de chuva, começando com uma largura de 80 metros e chegando a 120 metros no trecho final. Graças a esse superdimensionamento e a forte declividade do canal, a correnteza pode chegar a uma velocidade de 50 km/h, característica que permite a drenagem rápida de grandes volumes de água de chuva. Uma vez concluído o canal principal de drenagem, sistemas locais nos bairros foram construídos e melhorados. As enchentes violentas na cidade viraram “coisa do passado”.

No sistema de drenagem de águas pluviais “razoável” da Cidade do Rio de Janeiro, basta uma chuva de verão mais forte para os problemas “pipocarem” por todos os lados. Na madrugada do dia 15, a chuva assumiu proporções amazônicas – 123,6 mm de chuva em uma hora, criando problemas nos mais diferentes bairros da cidade: Anchieta, Anil, Barra, Campinho, Centro, Cocotá, Grajaú-Jacarepaguá, Guadalupe, Ilha do Governador, Irajá, Jacarepaguá, Jardim Sulacap, Laranjeiras, Linha Vermelha, Maracanã, Olaria, Pechincha, Pedra de Guaratiba, Penha, Ramos, Recreio dos Bandeirantes, Santa Cruz, Sepetiba, Taquara, Vila Valqueire, Vila Cosmos e Vista Alegre.

Além de problemas de drenagem pluvial, onde se alternam enchentes e alagamentos, a cidade também mostrou as suas deficiências mais crônicas: queda de dezenas de árvores que, a reboque, danificaram trechos aéreos da rede elétrica, paralização dos sistemas de transporte, hospitais às escuras ou com geração precária de energia elétrica, lixo e resíduos arrastados pela enxurrada, habitações precárias em morros sob risco de desmoronamento, interrupção do abastecimento de água, retorno de esgotos em muitas casas (devido a ligações irregulares de saídas de águas pluviais dos imóveis nesta rede), entre outros problemas graves.

A chuva, como todos sabem, é um fenômeno da natureza essencial para a vida no planeta, contra o qual não temos nenhum controle e que nunca seremos fortes o bastante para vencer: temos de adaptar nossas cidades para o convívio com as chuvas, de forma a minimizar ao máximo os eventuais problemas e prejuízos de sua fúria. Apesar de previsível e natural num país de clima essencialmente equatorial e tropical, muitas cidades do Brasil ainda não estão plenamente adaptadas ao convívio com este fenômeno.

Em uma época onde as alterações climáticas resultantes do aquecimento global tendem a criar as mais diferentes distorções nos padrões das chuvas, é fundamental que as grandes e médias cidades se preparem ou para o aumento ou para a redução das chuvas. Em muitas cidades será exigido um redimensionamento das redes de drenagem de águas pluviais já existentes (se é que existem), com vistas ao aumento do volume de águas que virão; em outras, onde haverá uma redução das chuvas, será necessária a construção de novas represas para o armazenamento de água para o abastecimento das populações, reflorestamento de áreas de nascentes e a busca por fontes alternativas de água, projetos que deverão ser pensados desde já.

Soluções milagrosas ou os famosos improvisos, tão comuns entre nossos administradores públicos, deverão ser esquecidos. Após mais de 500 anos de história do nosso país, todos temos uma razoável noção das regiões e cidades onde há problemas de excesso ou de falta de chuvas. Também já é possível prever, ou pelo menos antever, os locais onde as possíveis mudanças nos padrões climáticos se manifestarão com uma maior intensidade. Não é admissível que se continue de braços cruzados esperando pela próxima catástrofe, pela próxima tempestade ou seca devastadora.

Em tempo: a meteorologia prevê a volta de chuvas fortes na cidade do Rio de Janeiro no próximo dia 22 de fevereiro – espero, sinceramente, não precisar escrever novamente sobre a tragédia das enchentes na Cidade Maravilhosa.

Uma coisa é certa: a depender das nossas escolhas no presente, o futuro poderá ser um vingador implacável.

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2 Comments

  1. Com maior temperatura pelo aquecimento global, oceanos, lagos rios e outras áreas tendem a evoporar mais e concentrar mais umidade no ar, de forma natural. O resultado são chuvas de verão muito mais concentradas em termos de precipitação, com valores de até 150 mm de água num período de 24 a 48 horas, o que pela impermeabilização do solo urbano não permite infiltração e o escorrimento pelo asfalto é muito mais rápido não sendo sequer captada pela rede, que nem é dimensionada para mais que chuvas fortes e não torrenciais. A prioridade em geral nas cidades é asfaltamento e concreto ( construções em geral) que gera iptu e ipva, mas não é dado infraestrutura para isto. Nem sequer há controle sobre captação de água de chuva para uso nas novas construções, o que deve passar a ser obrigatória em cisternas de condomínios e prédios, com uso para lavação de pisos, garagens, carros e jardins. Neste país prefeitos e vereadores depois se queixam de dengue, leptospirose, moscas, baratas e ratos, estes últimos muito parecidos com determinados políticos amigos do progresso asfáltico indiscriminado. A população colabora com a crise, pois vota nestes e acumula lixo nas ruas, terrenos baldios e joga sujeira em bueiros em muitas áreas. Regiões sujeitas a inundação sistemática por chuvas além de mapeadas devem ter aviso público e responsabilização total dos usuários em caso de ocupação/construção. Quanto a imprensa, esta parece que tem sido mais manipulada que carta de baralho em mãos de “mágicos” da política…

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